1. No Brasil racismo é crime. Se alguém discriminar alguém pela cor de sua pele sofrerá ação penal por um delito inafiançável, se alguém xingar alguém de preto, será processado por injúria grave. E o que dizer do preconceito contra a cultura negra? Contra a religião afro-brasileira e contra o legado do negro na cultura brasileira? Que lei protege a cultura africana no Brasil da campanha racista que visa a sua aniquilação.
2. Senão, vejamos, o que dizer do que fazem algumas igrejas pentecostais demonizando o candomblé e a umbanda? Racismo e preconceito puro. No candomblé, religião panteísta, ao contrário do cristianismo, não há diabo, pecado, ou personificação do mal. Todavia, da mesma maneira racista com que os negros foram tratados nas fazendas de escravo do sul dos Estados Unidos, missionários da intolerância fixaram os cultos afro-brasileiros como a personificação do mal na terra, revivificando no Brasil os piores momentos da Ku Klux Klan, ao pregar, sem disfarces a intolerância e o fanatismo.
3. Falo disto com tranquilidade e com uma visão sociológica e política, como não sou membro de nenhuma das duas religiões, e defendo que cada pessoa tenha acesso a sua religiosidade como algo privado e como um direito sagrado de cada homem, não defendo uma contra outra. Defendo a tolerância contra a intolerância. Só não defendo a tolerância contra os intolerantes. E esta forma de intolerância religiosa fanática está livre no Brasil, para fazer suas vítimas e pregar uma forma fascista de ataque a crença do próximo e de não convivência pacífica. E não vejo este tipo de ataque a outras religiões como o budismo ou o islamismo.
4. Mas o ataque aos cultos afro-brasileiros, na verdade, é apenas a ponta do iceberg do racismo velado que existe neste país. A lei do racismo é um avanço, mas, de fato, apenas jogou para debaixo do tapete a sujeira. O preconceito contra o negro não é só preconceito de pele, ele se perpetua porque é, acima de tudo, preconceito contra a cultura negra e contra o legado do negro no Brasil.
5. Por que os italianos vindos ao Brasil são imigrantes e os negros vindos de Angola, Guiné Bissau, Zaire e de outros países africanos não têm o mesmo tratamento nos livros de história. Não há nenhuma emigração negra na história do Brasil. Ainda que escravos, os negros são emigrantes e impuseram sua cultura com mais força e mais influência do que italianos e alemãs. Estes, brancos, têm suas tradições culturais festejadas como transplantação da cultura europeia.
Aqueles, de pele negra, tem suas dádivas vistas como folclore. Ora, porque a dança alemã e o chucrute não são folclore, e o acarajé e o jongo são?
6. A desqualificação como folclórica da influência negra, o preconceito contra as religiões afro-brasileiras, o desconhecimento da importância do negro para a nossa cultura (toda nossa culinária é influenciada pelos negros e só tomamos banhos diários por conta dos negros e dos índios, pois os europeus vindos para cá eram bem sujos), a desqualificação do seu legado (como querer branquificar o samba, como se ele não fosse, em sua roupagem original, uma música negra adotada pelos brancos) só serve para basicamente manter e perpetuar o preconceito contra o negro no que ele tem de mais profundo: A FALTA DE ORGULHO DO NEGRO POR SUAS ORIGENS, SUAS CRENÇAS, SEU LEGADO, SUA IMPORTÂNCIA para que este país fosse o que é hoje.
7. Tão importante quanto lutar contra o preconceito contra a cor de pele é lutar contra o preconceito contra a cultura, lutar contra a intolerância religiosa e cultural.
8. Só um país que se aceite multifacético em sua cultura, ombreando a influência do emigrante negro ao do branco no Brasil, poderá extirpar, para sempre, este cancro do racismo das plagas brasilianas.
Artigo de Roberto Ponciano – Coordenador de Imprensa e diretor de formação do Sisejufe; e Ricardo Quirogavi – servidor do TRT