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Deu na imprensa: Profissionais de saúde relatam rotina estressante no hospital Ronaldo Gazolla, que registra uma morte a cada três horas

Unidade é referência no combate a Covid-19 na cidade do Rio e por quase toda a pandemia operou com os leitos cheios

Três horas. Esse é o intervalo médio entre as mortes de pacientes no Hospital Ronaldo Gazolla, em Acari, referência no combate ao coronavírus na cidade do Rio durante o mês de novembro (os dados de dezembro ainda não foram fechados). A unidade, que desde março atende apenas pessoas com Covid-19, foi o estabelecimento de saúde que mais registrou óbitos na cidade do Rio em 2020: 2.603 mortes — sete por dia. A maior parte delas ocorreu após o início da pandemia. Ou seja, são vítimas da Covid-19.

Os dados são do sistema Tabnet da prefeitura do do Rio, que reúne informações sobre mortes em todas as unidades de saúde fluminenses. Esses óbitos, que afetam amigos, familiares e entes queridos, também são sentidos pelos profissionais de saúde que estão na linha de frente do combate à pandemia em Acari.

A unidade agora é a única da prefeitura que vai atender apenas casos de coronavírus. Nesta semana, o município desativou o Hospital de Campanha do Rio Centro e transferiu os pacientes para o Gazolla. Também há a promessa de reabrir todos os leitos em Acari, para o hospital funcionar com sua capacidade máxima.

O hospital trabalha com todos seus leitos regulados pelo sistema estadual, ou seja, não há atendimentos de emergência .Apesar de não lidarem com a falta de leitos, como em outras unidades do município, o fluxo de pacientes no Ronaldo Gazolla não diminuiu, mesmo nas semanas em que o contágio da doença registrou queda. Isso porque o Rio teve uma grande redução de leitos para o tratamento de Covid-10 com o fechamento de hospitais de campanha do governo estadual e da rede privada.

Sem respiro, os profissionais que atuam no hospital tentam salvar diariamente dezenas de vidas, às vezes sem sucesso. Além desse grande desfio, parte do corpo clínico do Gazolla precisou lidar no fim do ano com o atraso de salários e encerramento de contratos. Em meio a um imbróglio, muitos foram trabalhar mesmo sem saber se receberiam pelo serviço prestado.

Médico pensou em abandonar a profissão

Profissionais que trabalham nas UTIs da unidade desde o começo da pandemia da Covid-19 no Rio desabafaram ao GLOBO sobre a rotina de alto estresse e a frustração diante de tantas vidas perdidas.

Um médico intensivista, que pediu para não ser identificado, diz que viveu em 2020 as experiências mais traumáticas de sua vida. Ele narra que os profissionais acabam criando uma espécie de capa protetora — cada um do seu jeito — para lidar com as mortes. Para dar conta do trabalho em Acari, ele se viu diante da necessidade de abrir mão de outros trabalhos:

— Lembro que teve um plantão em que quatro pacientes meus morreram. E foi um atrás do outro. No terceiro, eu já estava destruído, saí do plantão pensando em desistir da medicina. Foi bem traumatizante pra mim ter vivido tudo isso. Senti uma descrença em vários momentos. Você faz o máximo, gasta energia, e o paciente vai a óbito.

Ele narra que uma das situações mais difíceis em um CTI durante a pandemia é quando uma paciente que está lúcido vai ser entubado:

— Os pacientes que não estão entubados veem a situação que acontece em toda a unidade e ficam muito assustados com tudo que em ao redor. Às vezes é o próprio paciente que pede para você não morrer quando você vai entubar. É desesperador ver isso em um paciente. o medo de usar um respirador.

Para conseguir manter sua rotina de plantões em Acari, ele acabou desistindo de dar plantão em outras unidades de saúde. Ao voltar para casa, o momento que deveria ser de descanso acaba se tornando de lembrança de todas as vidas que não conseguiu voltar. O tempo médio que o médico leva para conseguir digerir cada morte é o mesmo que possui intervalo entre  os plantões. Por causa disso, ele e outros colegas acabam recorrendo a remédios para tentar descansar à noite:

— Tive um prejuízo emocional e sempre saímos do plantão com uma carga muito grande, às vezes preciso tomar remédio para dormir. Isso porque para mim sempre foi pior a carga depois, sempre demoro algum tempo para tentar retomar meus pensamentos normais, mas quando consigo já tenho que voltar pro plantão. Praticamente todo o tempo nunca estou bem — desabafa.

Um enfermeiro que também trabalha no CTI e prefere não se identificar relata a tristeza de ver aglomerações quando sai do hospital.

— Às vezes, o paciente chega interagindo e vai embora embalado num “cobre corpo”. Ao mesmo tempo, vemos pessoas agirem como se não houvesse amanhã. Elas não têm sintomas graves, mas transmitem para idosos de suas casas que acabam parando aqui — lamenta.

Ensinamentos para toda a vida

O cirurgião Bruno Sabino, começou a trabalhar no Ronaldo Gazolla em janeiro de 2020, quando ainda não havia atendimento de pacientes com coronavírus. Na rotina da unidade estavam cerca de 10 cirurgias diárias, além de outros atendimentos ambulatoriais. Ele conta que um dos momentos mais difíceis foi no início da pandemia, porque os médicos pouco conheciam da doença.

— Temos que nos colocar também um limite. Tentar descansar ao máximo e se alimentar bem, se não nós viramos os pacientes — conta Sabino, que teve Covid no fim de abril— Nenhuma doença me deixou mal como essa. Fiquei preocupado pois estava com muitos sintomas, monitorando todos os parâmetros de casa — lembra.

O médico atua na enfermaria do Ronaldo Gazolla, que lida com pacientes menos graves, mas com uma grande carga de trabalho. Na sua percepção, nas últimas semanas aumentou o número de pacientes jovens, alguns até graves. Sabino ainda critica as aglomerações vistas no Rio e em outras cidades do Brasil:

— Pacientes jovens com a doença já avançada me marcam muito. Eu percebo que a gente poderia estar em um padrão de educação e orientação um pouco mais claro num contexto de pandemia e que ia diminuir a quantidade de infectados. Eles vão para casa e contaminam pais e idosos. Tudo que é comportamental no Brasil é dificil entender que é uma regra, o que pode ou não pode. o Brasil tem muito que melhorar nisso, de se colocar no lugar do outro — desabafa.

Além de cirurgião, Bruno Sabino é bombeiro, enfermeiro e professor de medicina. Atuando na linha de frente no combate a pandemia ele afirma que vai levar para sala de aula uma lição:

— O recado para cada um dos estudantes, para cada novo médico, é: olhe para o paciente e pense “o que eu preciso saber dele?” É agir como se fosse um parente, exercitar a empatia. A pandemia ensinou os profissionais de saúde a ouvir e a tratar melhor as pessoas que atende.

Fonte: O Globo / foto: Agência O Globo

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