Empresa aérea disse que vetou entrada de três deficientes visuais, em Ribeirão Preto, por “questões de segurança”
A Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) pediu explicações à Azul Linhas Aéreas por ter impedido o embarque de três cegos em um voo de Ribeirão Preto a Belo Horizonte (MG), no último domingo.
Os deficientes visuais participaram de um campeonato em Altinópolis, no final de semana, e estavam na sala de embarque do aeroporto Leite Lopes quando foram impedidos pelo comandante de entrar na aeronave.
A empresa alegou motivo de segurança para a medida. Os três foram encaminhados para um hotel da cidade e embarcaram no dia seguinte, porém em três voos diferentes. O último só conseguiu entrar no avião rumo a Belo Horizonte 24 horas depois do primeiro voo.
Segundo os cegos, a Azul agiu com preconceito e não ofereceu alternativas ou um questionário onde pudessem informar sobre o problema. A empresa nega.
Um deles afirmou que vai solicitar indenização à Justiça por danos morais sofridos.
“Houve constrangimento porque nos impediram de embarcar na sala de embarque. Vou entrar na Justiça com uma ação por danos morais para que esse preconceito não se repita”, disse o analista de sistemas Crisolon Terto Vilas Boas, 54.
Ele afirmou que já viajou a 28 países e que essa foi a primeira vez que foi barrado. “Nunca tive problema e nunca fui perguntado se era deficiente. Em algumas ocasiões [em voos em outros países], houve reforço na tripulação.”
Vilas Boas contou inclusive que, num campeonato de xadrez para pessoas com deficiência visual na Polônia, um grupo de 192 cegos pegou um único voo da Air France com destino à Alemanha e que não houve incidente.
“Sou 100% cego e não preciso de ajuda para me locomover. Sempre viajei sozinho e não teria problemas dessa vez”, disse ele, que embarcou apenas às 18h de anteontem.
Veto sem motivo
O enxadrista Davi de Souza Lopes, 36, afirmou que também viaja muito e que nunca havia passado por situação semelhante. “Apesar de ser 100% cego, tenho uma mobilidade muito boa, uma noção de espaço boa.”
Ele contou que as empresas aéreas têm que ter uma atenção maior com deficientes, mas que houve exagero da Azul. “A atenção é a mesma para os cegos. Se conduz um, conduz dois, três, cinco. Na prática, essa proibição não tem motivo”, disse.
A terceira enxadrista, a assistente de vendas Priscila Melo Cândido, 21, afirmou que comprou o bilhete pela internet e que em nenhum momento foi questionada se ela é deficiente visual.
Um estudo realizado no aeroporto Leite Lopes, em Ribeirão Preto, apontou que dos 26 pontos verificados quanto a conforto, segurança e acessibilidade, 13 foram classificados insuficientes.
Outro lado
Azul diz que agiu pensando na segurança do voo
A Azul Linhas Aéreas disse, em nota, que lamenta o ocorrido, mas que agiu pensando exclusivamente na segurança do voo. A empresa ainda informou que não foi notificada pela Anac sobre o caso de Ribeirão Preto.
Ainda segundo a nota, a companhia aérea afirma que tem por prática dobrar o número de comissários a bordo para cada pessoa com deficiência visual.
“Tal medida é necessária para melhor auxiliar os deficientes em casos de emergência, como uma evacuação, na qual todo processo de embarque é feito por meio de sinais luminosos.”
No entanto, não esclareceu os motivos de não ter providenciado mais funcionários.
A Azul informou que, na compra da passagem pela internet, há um espaço para que o cliente informe se é portador de uma deficiência. A assessoria reconheceu, no entanto, que a mensagem não faz uma referência direta sobre o assunto.
A empresa diz ainda que adotou o procedimento, embarcando apenas um dos passageiros que estavam previstos, uma vez que a aeronave tinha dois comissários.
Segundo a Anac, as empresas não podem limitar o número de portadores de deficiência que possam se movimentar sem ajuda ou que estejam acompanhados –a exceção exige o dobro de comissários. A resolução que trata o assunto está em revisão.
Análise
Necessitar de auxílio não é sinônimo de dependência
Jairo Marques, colunista da Folha
No voo de volta para casa depois de uma exaustiva cobertura da Paraolimpíada de Londres, no ano passado, viajaram comigo cerca de outros 50 cadeirantes, afora um monte de cegos e outras pessoas com deficiências diversas que compunham a delegação brasileira.
Foi uma cena engraçada e muitos brincavam que era a verdadeira imagem “capenga” da aviação brasileira. Mas a logística de embarque criada pelos ingleses foi impecável. Em poucos minutos, tudo estava feito.
A equipe de comissários era a padrão. Seguramente, menos de 20 pessoas sorridentes e, talvez, desesperadas caso todos os “quebrados” quisessem ir ao banheiro em algum momento.
O piloto quebrou uma regra de segurança e botou todos em risco ao seguir viagem com praticamente uma ala inteira da ortopedia do HC ou usou o bom-senso e analisou que não havia perigo?
Pessoas com deficiência têm suas formas de ter autonomia e não precisam, necessariamente, de acompanhantes para tudo na vida.
Um cego, em uma situação de pânico, de falta de energia, será o primeiro a achar a saída usando a audição e o olfato que costumam ser mais desenvolvidos.
No caso de um voo lotado de crianças cadeirantinhas desacompanhadas ou de pessoas com movimentos totalmente comprometidos, seria prudente pedir reforço na equipe de bordo.
Elas podem se desequilibrar durante uma manobra, podem não ter habilidade para se segurarem no pouso ou na decolagem. Mas não é uma regra.
Indiscutivelmente, uma observação de segurança aérea precisa ser plenamente considerada.
O que não é mais possível é projetar em pessoas com deficiência física ou sensorial inabilidades que só quem não vê o ser humano em sua integralidade é capaz de praticar.
Necessitar de auxílio não é sinônimo de dependência.
“Já viajei para 28 países e nenhuma vez fui barrado”
O enxadrista Crisolon Terto Vilas Boas, 54, foi um dos três cegos impedidos de embarcar no voo da Azul Linhas Aéreas com destino a Belo Horizonte. Veja os principais trechos da entrevista:
Folha – Foi a primeira vez que aconteceu esse tipo de situação com você?
Crisolon Terto Vilas Boas – Já viajei a 28 países e nunca fui barrado. Em algumas ocasiões, houve reforço na tripulação. Uma vez, pegamos um voo da Air France da Polônia para Alemanha com 192 cegos. Foi supertranquilo.
Folha – Você não tem visão nenhuma? Como avalia sua mobilidade?
Crisolon Terto Vilas Boas – Sou 100% cego e não preciso de ajuda para me locomover. Sempre viajei [de avião] sozinho e não teria problemas dessa vez.
Folha – O sr. vai tomar alguma providência?
Crisolon Terto Vilas Boas – Vou entrar na Justiça com uma ação por danos morais para que esse preconceito não seja estendido a outras pessoas.
Fonte: Folha de São Paulo, de 22/05/13.