Uma noite de muitos afetos, potência e representatividade. Foi assim o Encontro Estadual de Negras e Negros do Sisejufe, que aconteceu nesta quarta-feira, 16/11, na sede do sindicato.
Ao longo de três horas de debates e trocas de experiências, o Sisejufe recebeu convidados presenciais e online para juntos debatermos as conquistas e reafirmar as lutas que ainda precisam ser travadas para termos um Justiça com mais equidade racial.
Vera Miranda, assessora política do Sisejufe, deu as boas vindas a todos, salientou a importância do evento e passou a palavra à Eunice Barbosa, presidenta do sindicato, que, por estar em Brasília, participou do evento de maneira remota. “É importante ocupar os espaços, os espaços de poder, de diálogo e de construção coletiva para fortalecer a luta do povo trabalhador e da trabalhadora, a luta do povo preto e ajudar a fortalecer a luta por direitos. Obrigada a todos que estão participando e contribuindo com esse debate que vai num crescente para depois ser levado para outro encontro, de âmbito nacional, para dentro da nossa categoria a gente ajudar a fortalecer essa pauta, traçar políticas, estratégias e ajudar a construir políticas públicas de inclusão e de realização de direitos”, disse já lembrando que nos dias 26 e 27 de novembro acontecerá o primeiro Encontro Nacional de Pretas e Pretos da Fenajufe, em Brasília.
Em seguida, teve início a primeira mesa de debates da noite. Intitulada “Enegrecendo a Justiça: Balanço das experiências Institucionais e das organizações das trabalhadoras e trabalhadores na luta por equidade racial”, a mesa contou com a participação de Dara Santanna, militante dos movimentos feminista e antirracista, coordenadora Nacional do Coletivo Enegrecer e integrante da Marcha Mundial de Mulheres e do Movimento Negro Unificado (MNU); Bethe Fontes, do Comitê Permanente de Equidade Racial e de Gênero da SJRJ; Patrícia Fernanda, do Coletivo de Negras e Negros do Judiciário Federal; e Alexandre Marques, bacharel em Direito, Historiador e Assessor Parlamentar de entidades sindicais do Poder Judiciário da União.
Por mais representatividade
Dara falou sobre a Justiça elitista e branca que temos no Brasil: “Os desafios que a gente tem pela frente e com certeza o Movimento Negro estará nas ruas pautando isso em relação à Justiça é repensar essa lógica de Justiça para cada vez mais recorrer menos a essa Justiça bélica, colonial, hierárquica, distante da realidade da maioria da população. Temos um Judiciário ainda muito, muito embranquecido. E falo isso porque foi necessário a primeira mulher negra a ser juíza, em 2011, para termos a primeira sentença de racismo no país. Isso mostra importância dessa representatividade.”
Bethe Fontes comentou sobre a criação do Comitê Permanente de Equidade Racial e de Gênero da SJRJ, criado em 2021, com o objetivo de promover igualdade racial no ambiente de trabalho através de uma mudança de cultura organizacional: “Mudança de cultura é um processo muito lento. Então, num primeiro momento, é importante despertar esse engajamento dos colegas negros ou não em relação à necessidade de se olhar para a questão de racismo e de gênero. Uma meta estabelecida pelo comitê, por exemplo, é desenvolver ações que resultem no conhecimento da formação da nossa instituição: quantas pessoas negras existem, quantas se consideram negras, as pessoas dentro da instituição enxergam a questão do racismo, como isso tudo se dá? E esse conhecimento, por incrível que pareça, ainda não temos”.
Alexandre Marques afirmou que ainda há pouca representatividade dos negros nos espaços de poder: “Temos que enegrecer a Justiça? Sim. Temos que enegrecer todo o sistema de Justiça. Enegrecer o MP, os comitês, enegrecer as polícias, enegrecer os concursos, enegrecer todos os espaços de poder desse país, enegrecer a política. Tivemos uma eleição agora. Quantos negros e negras tivemos eleitos? Precisamos pensar sobre isso e lutar contra esse racismo estrutural que ainda domina o país”.
Neli Rosa, dirigente do Sisejufe e militante dos movimentos de valorização da cultura negra, lembrou, por exemplo, a realidade que encontrou quando passou no concurso público, em 1989: “Quando entrei, contava nos dedos o número de negros no TRF2. Agora, somos mais, muito mais, mas ainda precisamos nos ver mais representados.”
Organização e luta contínua
Assim como Neli, Cássio Vinícius Coutinho, da Justiça Federal do Rio de Janeiro, e integrante do Coletivo Negro da JFRJ, comentou: “Como diz o Silvio Almeida em seu livro “Racismo Estrutural”, “as instituições são racistas porque a sociedade é racista”. E eu não me limito aqui a falar de atitudes discriminatórias individuais ou praticadas de forma consciente. Estou falando de algo mais amplo e possivelmente mais grave: as atitudes discriminatórias que nós negros sofremos são fruto do inconsciente coletivo que toma conta das mentes há séculos através do racismo que impera desde a colonização. Mas da mesma forma que esse racismo se estruturou, o antirracismo também pode e vai se estruturar mais e mais, pode e vai crescer mais e mais. E nós do Coletivo Negro da Justiça Federal do Rio de Janeiro nos reunimos por isso, porque nós desejamos mudanças”.
Sandra Dias, coordenadora-geral da Fenajufe e militante antirracista, abriu a segunda mesa de debates. Com o tema “Enegrecendo a Fenajufe: Desafios da organização de Pretas e Pretos do Judiciário Federal”, a mesa também contou com a participação de Neli Rosa, dirigente do Sisejufe e militante dos movimentos de valorização da cultura negra; Renata Oliveira, representante sindical do Sisejufe, integrante da Coordenação do Coletivo de Negras e Negros do Sisejufe; e Luci Souza, pedagoga, militante do MNU, do Coletivo Enegrecer, e Conselheira do CNDH.
Sandra teve uma fala forte, bastante enfática e realista sobre o Poder Judiciário. Ela comentou: “A primeira coisa que nós negros precisamos enxergar no Judiciário é que ele não é um poder democrático. Aliás, muito pelo contrário. A primeira vez que eu ouvi isso do meu chefe eu pensei, nossa, mas por quê? E aí comecei a prestar atenção e enxerguei: realmente, o Poder Judiciário é um poder conservador instituído para garantir, para manter a sociedade exatamente da maneira que ela está e sempre foi: machista, escravocrata, conservadora. Então, a primeira coisa que nós precisamos olhar quando nos questionamos sobre as leis é fazer a pergunta: a quem esse sistema legislativo está favorecendo? por quem foi constituído? a quem ele se presta, exatamente? E quando você começa a fazer sob esse olhar, você vê que a população negra não está inserida aí na parcela de quem criou e compõe majoritariamente o poder judiciário”.
Sandra falou com alegria e orgulho sobre a realização do que será o primeiro Encontro Nacional de Pretas e Pretos da Fenajufe, em Brasília, já nos próximos dias 26 e 27 de novembro – isso depois de 30 anos de existência da Federação – e disse que quando entregar sua gestão gostaria enormemente que o bastão fosse passado a outra negra, a outro negro, sendo fortemente aplaudida pelo público presente. “É a primeira vez que terá um encontro de negras e negros na Federação e a primeira vez que foi eleita uma mulher negra para a coordenação-geral. É isso. Então, minha fala tem esse tom um pouco crítico mas no sentido de nos fazer pensar em relação a tudo isso. Não temos respostas prontas. Temos é uma direção, um caminho a percorrer. E chegarmos até aqui não foi uma conquista minha. Foi uma conquista de todos nós. Não foi um caminho curto. Foi longo e foi trilhado por cada um de nós. Agora, o que eu gostaria muitíssimo, ao final dessa gestão, era de poder passar a bola para uma negra ou um negro”.
Patrícia Fernanda, dirigente do Coletivo de Negras e Negros do Judiciário Federal, integrava a mesa 1, mas como precisou participar de forma remota porque estava terminando uma outra reunião, passou para a segunda mesa de debates. Patrícia falou sobre a importância do coletivo e agradeceu ao sindicato pela caminhada trilhada e pelo convite para mais um encontro: “Trabalho na JFRJ há mais de 15 anos. Nesse tempo, não foi sempre que entrei em uma sala e fiquei à vontade vendo um monte de preta e preto maravilhoso, poderoso e sabendo que seria um espaço onde eu poderia ser acolhida, como é hoje. Hoje, quando entro, é bem diferente o que vejo. Sim, ainda é um mundo muito branco, mas já mudou um pouco e que bom. Vamos seguir caminhando e lutando por mais espaço e vamos juntos construir um Judiciário diferente. Estou muito grata por chega até aqui e seguir essa caminhada junto com todos vocês e poder assim pensar a minha negritude com mais alegria, força e potência.”
Assim como Patrícia, Renata Oliveira, representante sindical do Sisejufe e integrante da Coordenação do Coletivo de Negras e Negros do Sisejufe também relembrou a época em que ingressou no Judiciário, em 1996, e todas as mudanças desde então. Ela afirmou que é um prazer e um desafio organizar os pretos e pretas do Judiciário e reafirmou a importância dos Encontros e debates sobre o tema: “Os desafios estão aí. Vamos seguir em frente conquistando nossos espaços. E o que resume bem tudo isso é uma frase que eu ouvi da Sandra (Sandra Dias) no Congrejufe: A gente não precisa de ninguém para falar por nós. A gente tem voz, sim.”
Luci Souza, pedagoga, militante do MNU, do Coletivo Enegrecer, e Conselheira do CNDH, relembrou os tempos de movimento estudantil, falou sobre a necessidade de sempre seguir com a luta e parabenizou o Sisejufe e a Federação pelas conquistas trilhadas: “Nós do Enegrecer sempre estivemos nas ruas pressionando por nossas lutas e pautas. E vamos continuar assim. A gente entende que é necessário também essa pressão vir de nós. É assim que avançamos. E não vamos recuar. No macro, não há uma robusta aglutinação de pessoas sem ela lá atrás ter começado menor. Por isso, não desistam, também”.
Vera Miranda agradeceu a todos os presentes e sintetizou a riquíssima discussão que o Encontro propiciou: “Quanta gente maravilhosa nessas mesas! Que coisa linda esse debate. O que a gente precisa levar para o Encontro Nacional para gente enegrecer a Federação é, o primeiro trabalho de todos, é enegrecer as entidades sindicais. Essa é a tarefa primordial”.
Ao final do evento híbrido, que contou com mais de três horas de debates, o sindicato ratificou os nomes dos representantes que estarão presentes ao 1º Encontro Nacional de Pretas e Pretos da Fenajufe, dias 26 e 27 de novembro, em Brasília. Do Sisejufe, irão seis (6) representantes: Neli Rosa; Amaro Faustino; Patrícia Fernanda; Cássio Coutinho; Renata Oliveira e Bethe Fontes.
Para acompanhar a íntegra do Encontro, acesse o canal do Sisejufe no Youtube.
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