Fernanda Lauria* e Lucas Costa**
Em 2018, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ) contratou uma empresa para realizar estudos com vistas a dimensionar a força de trabalho na sede do tribunal. O Sisejufe não participou desse processo, nem teve qualquer acesso ao documento final.
Ocorre que o referido projeto pode acabar não sendo levado a efeito, considerando que em fevereiro deste ano a Presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Rosa Weber, editou a Portaria 140/2019, estabelecendo que caberá àquele tribunal superior a definição e a implantação da metodologia para dimensionamento da força de trabalho em toda a Justiça Eleitoral e que, nesse sentido, será elaborado um modelo quantitativo, qualitativo e automatizado a ser aplicado nos Tribunais Regionais e Zonas Eleitorais de todo o país.
Assim, os gastos com a pesquisa para dimensionar a força de trabalho na sede podem ter sido realizados desnecessariamente, uma vez que novos parâmetros ainda serão delimitados pelo TSE em ato normativo futuro.
Diante desse cenário de incertezas, restaria aos servidores reviver todo o doloroso processo de redimensionamento e de múltiplas remoções a critério do TSE?
O fundamento para tais redefinições nos ambientes de trabalho da Justiça Eleitoral, de acordo com a própria Portaria do TSE, estaria na necessidade de se respeitar os limites para criação de despesas obrigatórias e de se enquadrar os gastos do tribunal sob o teto estabelecido pela Emenda Constitucional 95/2016 (EC 95), de modo a sujeitar os órgãos da JE a esse “Novo Regime Fiscal” e atender às recomendações emanadas do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
O que pode parecer apenas mais uma medida para fixar orientações gerais de reorganização administrativa aos tribunais regionais deve corresponder, mais uma vez, a verdadeira imposição vertical, definida de cima para baixo, com rígidas normas e parâmetros de organização interna que, além de desrespeitar a autonomia administrativa desses órgãos, traz grande risco de repetir a dose de uma receita que já se mostrou equivocada na imposição do rezoneamento aos tribunais, em 2017.
Tal intervenção já comprovou ser desastrosa no passado recente, quando o TSE desconsiderou as peculiaridades locais e o ponto de vista dos TREs, dos servidores e da população em geral, impondo a todos um projeto de rezoneamento açodado e inoportuno, que extinguiu centenas de zonas eleitorais em todo o Brasil.
O que se verificou é que, no fundo, o que estava em curso era uma lógica de sucateamento da Justiça Eleitoral, que teve início em março de 2017 com a publicação da Portaria 207, pelo então presidente do TSE, Ministro Gimar Mendes, ao determinar a extinção de 72 zonas eleitorais nas capitais. Seguindo essa mesma lógica, em abril de 2017, o TSE publicou a Resolução 23.518/2017, abrindo as portas para a terceirização da área fim na Justiça Eleitoral e substituindo o termo “servidor” por “atendente”, numa clara alusão à terceirização, já que tratava de atribuições até então típicas do servidor público. No mesmo ano foi publicada a Resolução 23.520/17 estabelecendo critérios que levaram à extinção de centenas de zonas eleitorais no interior dos estados.
Esses chamados atendentes, contratados por empresas terceirizadas, teriam acesso a dados pessoais sigilosos, sem qualquer estabilidade que os ampare, numa relação de trabalho precária de emprego, de acordo com a Reforma Trabalhista. Com isso, cria-se terreno fértil para o retorno do coronelismo, do voto a cabresto e da formação de currais eleitorais, práticas que vinham sendo superadas com a estruturação do serviço público.
Aprofundando o processo desenfreado de precarização da Justiça Eleitoral, em setembro de 2017, Gilmar Mendes editou a Portaria 671/2017, na qual formalizou a suspensão do provimento de cargos efetivos no âmbito da Justiça Eleitoral.
Todos esses cortes determinados pelo TSE aos tribunais regionais, com base exclusivamente numa suposta economia de recursos públicos, não levaram em conta os impactos que causariam na qualidade e eficiência do serviço público prestado pela Justiça Eleitoral, como se verificou na realização das eleições gerais de 2018, no Rio de Janeiro, que teve repercussão negativa na imprensa em virtude dos problemas enfrentados pelos eleitores na votação.
A verdade é que as ações do TSE refletem o projeto político-econômico que está em curso hoje no Brasil e evidenciam que existe um processo perverso de sucateamento do serviço público como um todo, dentro de uma política de diminuição do Estado que vem sendo implementada desde o governo de Michel Temer e que agora se aprofunda drasticamente já no início do governo Bolsonaro.
Nesse sentido, as limitações impostas pela EC 95, tais como a impossibilidade de provimento da maioria dos cargos vagos nos órgão públicos, a precarização das condições de trabalho, os seguidos ataques à organização sindical e os entraves legais para a realização de greve são fatores que comprovam essa realidade e se somam a dois argumentos normalmente utilizados para justificar essa onda de ataques aos direitos dos servidores e ao próprio serviço público: automatização dos processos internos e a necessidade de reduzir gastos públicos para atender às limitações orçamentárias da EC 95.
Dentro dessa lógica, a terceirização de mão de obra é apresentada pelos mesmos atores envolvidos na precarização do setor público como uma via alternativa que supostamente estaria apta a solucionar tais problemas e, com isso, já vem sendo implementada aos poucos, sem muito alarde.
O fechamento de inúmeras unidades da Justiça Eleitoral, e o consequente aumento da carga de trabalho, bem como a pressão para se atingir metas cada vez mais elevadas, agora contando com quadro menor de pessoal, levam muitos servidores a relativizar os males da terceirização e a achar até natural que a Administração comece a buscar esse meio para aliviar tal sobrecarga.
Não se deve ignorar que a contratação sem concurso público pode enfraquecer ainda mais a categoria, ampliando exponencialmente a defasagem que já atinge seus quadros, que enfrentam dificuldades de mobilização, diante dos entraves legais hoje existentes. Além disso, os seguidos ataques à organização reforçam a necessidade de uma categoria unida e que não aceite as investidas para sua gradativa extinção, uma vez que, com a continuidade do andamento da máquina, apoiada em terceirizados, torna-se inviável a construção da luta pela manutenção de direitos dos servidores.
Desta forma, corta-se o essencial, ao mesmo tempo em que não se atinge os reais privilegiados: o governo não recupera ativos dos grandes devedores, perdoa dívidas dos principais sonegadores e mantém o sistema regressivo, que concentra a tributação sobre o consumo e não sobre a renda e o patrimônio, deslocando o ônus de financiar o estado para os mais pobres.
A política governamental que busca o estado mínimo e a precarização dos serviços públicos está na verdade retirando direitos dos servidores e principalmente dos cidadãos, que ficam sem assistência.
O servidor não pode aceitar essa narrativa. É preciso disputá-la: na lógica de precarização, a terceirização não pode ser uma saída aceitável nem para o servidor e nem para a população. Para isso, é necessário que junto ao sindicato, a categoria, ao lado dos demais trabalhadores, exija dos parlamentares e do governo federal a revogação ou, no mínimo, a revisão da EC 95.
Conscientizar a população de que não é o servidor ou o custo do serviço público que têm causado as mazelas da sociedade, mas sim a má gestão dos recursos e o protecionismo sobre os verdadeiros privilegiados pelo estado, torna-se fundamental. É preciso mostrar que o verdadeiro mal é o dinheiro do estado ser aplicado em setores da iniciativa privada que não trazem qualquer benefício significativo para a sociedade.
* Fernanda Lauria é servidora do TRE-RJ e diretora do Sisejufe
**Lucas Costa é servidor do TRE-RJ e vice-presidente do Sisejufe