Seminário no auditório do sindicato tirou dúvidas e provocou reflexões sobre políticas de acessibilidade e a forma de lidar com esse público
Tais Faccioli*
Um em cada quatro brasileiros tem algum tipo de deficiência, seja física, visual, auditiva, motora ou mental, segundo o IBGE. O mundo sindical ainda não despertou para essa realidade. É o que aponta o diretor de Relações de Trabalho da CUT, Marcello Azevedo. O sindicalista participou da abertura do Seminário ‘Nem coitados, nem heróis. Pessoa com deficiência – desvendando mitos, falando verdades’, na noite de terça-feira, 5 de maio, no auditório do Sisejufe. Marcello destacou que o Sindicato dos Servidores do Judiciário Federal é pioneiro neste debate.
“As categorias não discutem o tema. Grande parte dos sindicatos não tem nas convenções coletivas políticas de acessibilidade. Está na hora de discutir cotas para pessoas com deficiência nos sindicatos. Só conheço o Sisejufe que faz esse debate e possui na diretoria pessoas com deficiência. É uma questão muito mais cultural do que física. São pessoas que não conseguem sair da invisibilidade nem no mundo sindical”, afirmou Marcello, informando ainda que a CUT foi a primeira central trabalhista do Brasil a ter coletivo de pessoas com deficiência. O diretor convidou o sindicato a reproduzir essa discussão na CUT estadual.
O seminário – organizado pelo Núcleo das Pessoas com Deficiência, em parceria com o Departamento de Formação Sindical e Resgate Cultural do Sisejufe – contou com a participação de funcionários e diretores do sindicato, além de servidores do Judiciário Federal. Na mesa, estavam os diretores Ricardo Azevedo e Dulavim de Oliveira, que são cegos, e a diretora Fernanda Lauria, do Departamento de Formação.
“A gente precisa ter esse debate aqui dentro porque a sociedade como um todo tem dificuldade de lidar com a pessoa com deficiência. É um problema global. E a gente precisa entender como tem que lidar com essa realidade e a partir disso, como mudá-la. O tema do seminário já diz muito: a gente acaba incorrendo no erro de vitimizar ou de tratar como herói a pessoa com deficiência, quando na verdade não é nada disso”, disse Fernanda.
Ricardo Azevedo tocou em questões políticas, mas também esclareceu, com bom humor, dúvidas e preconceitos que envolvem o universo das pessoas com deficiência. “Antes de ser pessoa com deficiência, temos um ser humano. Com isso em mente, já é meio caminho andado. Tem gente que acha que somos de outro planeta”, observou o dirigente sindical, acrescentando: “Como tratar essas pessoas? O mais natural possível. Tem dúvida, não sabe como agir? Pergunte se a pessoa precisa de ajuda e como você pode ajudar. Mesmo assim, cada deficiente age de uma maneira diferente. Se a pessoa disser que não precisa de ajuda, não se sinta menosprezado”.
Excesso de regras prejudica
Ricardo criticou o excesso de regras convencionadas para lidar com o público com deficiência. “As pessoas começam a colocar muitas técnicas em tudo. O ser humano não é uma máquina. Se uma pessoa está te segurando no braço, às vezes vem alguém e diz que o cego tem que colocar a mão no ombro do seu condutor. Situações como essa não têm regras”, explicou o diretor, ressaltando que a pior prática é o preconceito. “O imaginário às vezes nos destrói: tem gente que acha que deficiente tem que ficar em casa, sendo cuidado por alguém. Isso está arraigado na sociedade. As pessoas ainda não acostumaram a ver deficiente trabalhando, constituindo família… deficiente pode ter vida normal. É preciso fazer um trabalho de formiguinha, com muito esclarecimento para mudar essa situação”, comentou.
O diretor Dulavim destacou que é preciso agir de maneira natural com a pessoa deficiente. “Muitos ficam nervosos ao lidar com a gente e fazem coisas mirabolantes. Chega a ser tragicômico. Tem um humorista cego, o Geraldo Magela, que ilustra muito bem essas situações. Muito do que ele conta nas piadas de fato acontece com a gente por falta de conhecimento e até preconceito”, avaliou.
Dulavim cantou um trecho da música de Lulu Santos – “Não existiria som, se não houvesse o silêncio. Não haveria luz, se não fosse a escuridão. A vida é mesmo assim, dia e noite, não e sim” – para mostrar que com o tempo, o cérebro estabiliza e elimina os contrastes. “Se a gente se incomodasse com o contraste, a vida ficaria um inferno. Não tenho essa loucura da escuridão”, disse.
Termo ‘pessoa com deficiência’ segue padronização internacional
O dirigente sindical informou que a nomenclatura usada no Brasil ‘pessoa com deficiência’, segue a Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, promulgada no Brasil por decreto legislativo no ano de 2009: “Pessoa com deficiência é o melhor nome. É um termo legal, no sentido literal, por ser lei e no sentido figurado. É legal mesmo, aprovamos. ‘Pessoa com necessidades especiais’ também está correto, já que todo deficiente tem alguma necessidade especial. Mas o termo ‘portador de deficiência’ não me agrada”, revelou.
Educação inclusiva e acessibilidade na Justiça são destaque no debate
Perguntados sobre os desafios da educação inclusiva – o PNE (Plano Nacional de Educação) diz que o sistema educacional tem que ser preferencialmente inclusivo – Dulavim e Ricardo, que ficaram cegos na infância, afirmaram que a escolha de incluir ou não crianças com deficiência na escola comum deve caber aos pais, já que cada tipo de deficiência tem as suas especificidades. “Eu sou a favor de escola especial. Eu e Ricardo estudamos no Benjamim Constant até a 8ª série e depois fomos para o Colégio Pedro II. Mas é complicado para o cego acompanhar, por exemplo, uma aula de química na escola comum”, contou Dulavim.
Ricardo Azevedo disse ser a favor dos dois sistemas: inclusivo e especializado. “A gente acha que os dois podem coexistir. Aliás, o sistema especializado pode ser inclusivo também. Em 2010, quando o PNE queria acabar com as escolas inclusivas eu e Dulavim lutamos para que isso não acontecesse. E saímos vitoriosos”, lembra.
Questionado sobre a situação de acessibilidade na Justiça Federal, o diretor Ricardo relatou que os tribunais têm problemas graves neste quesito: “Uma questão que afeta a área visual é a informação. O que a gente precisa é ter leitores de telas e sistemas processuais acessíveis. Os elevadores têm que ter sistema sonoro e painel de leitura em braile. Já para o deficiente físico, os locais precisam ter rampa e banheiros adaptados. Tem um tribunal que o banheiro adaptado fica no 10º andar. Não pode ser assim. Os deficientes auditivos carecem de sistemas de telefonia apropriados. Mas a gente precisa que as pessoas com deficiência nos procurem, participem das reuniões do sindicato para nos contar o que há de errado nos seus locais de trabalho. Eu e Dulavim não sabemos de todas as dificuldades das áreas auditiva e física. Se eles não nos demandarem, a luta fica difícil.”
Debate teve espaço para curiosidades
Os participantes quiseram saber curiosidades como se os cegos precisam de ajuda na hora de escolher modelos e cores de roupa. “Eu e Ricardo temos ajuda da mãe, da esposa… sempre tem alguém que cuida do nosso vestuário. Mas cada um adota o seu próprio método. Tem cegos que moram sozinhos e recorrem a roupas com etiqueta em braile, com aviso sonoro ou arrumam as roupas no armário por ordem de cor e modelo para facilitar a escolha”, explicou Dulavim.
E como são os sonhos? Ricardo enxerga e define cores nos sonhos, mas age neles como deficiente visual. Já os sonhos de Dulavim são abstratos e reproduzem momentos vividos na realidade. Na avaliação final dos diretores do Sisejufe, o seminário cumpriu o objetivo de informar e provocar reflexões.
* Da Redação