Por Henri Figueiredo*
A recomendação das autoridades sanitárias, durante a pandemia e o seu recente agravamento no Brasil, é permanecer em casa. Todos sabemos, no entanto, que os que têm o privilégio do teletrabalho são minoria. Quem precisa todos os dias, ou algumas vezes por semana, circular pela cidade percebe o vertiginoso aumento da população em situação de rua. Os dados mais recentes da Defensoria Pública (usados por ONGs por serem mais confiáveis do que os dados da Prefeitura), dão conta de que, em 2020, o Rio de Janeiro tinha 15 mil pessoas em situação de rua.
Além disso, inexistem informações criteriosas e atualizadas com dados completos: a última pesquisa ampla sobre a população de rua no Brasil é de 2008. “Num momento como esse de pandemia, qualquer política pública emergencial já se torna mais difícil de ser feita porque não temos dados recentes sobre essa população”, afirma a empreendedora social Ana Paula Rios, 33 anos, do projeto “Da Rua Pra Você”. “Aí vimos a Prefeitura, em 2020, levar as pessoas em situação de rua para o sambódromo, mas o número de quem estava lá é muito, muito inferior ao conjunto da população nestas condições. Passava a impressão de que daria para todos e todas estarem sendo atendidos naquele espaço, se eles e elas quisessem; mas não é verdade – não havia como comportar tanta gente”, lembra Ana Paula.
No início deste ano de 2021, Ana Paula Rios – que é engenheira de produção e cursa MBA em Gestão de Negócios de Impacto Social – apresentou um novo projeto ao Sisejufe. Foi dela, em 2020, a ideia da “Pia do Bem” – que contou com a parceria de primeira hora do sindicato e se tornou uma iniciativa muito elogiada no Rio e por todo o país. A nova ideia de Ana Paula é desenvolver a primeira Vila Ecológica e Inteligente para mulheres em situação de rua, no Rio de Janeiro. “Uma vila que nasce totalmente baseada nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da agenda 2030, da ONU. Cercada de tecnologia e inovação e que vai utilizar novos e diferentes conceitos como: tiny house (casas funcionais mas minimalistas de, no máximo, 40m²), construções sustentáveis, horta comunitária”, explica a engenheira.
O projeto já foi apresentado em duas reuniões virtuais e está sendo discutido criteriosamente pelo conjunto da diretoria do sindicato. De acordo com Eunice Barbosa, presidenta do Sisejufe, o desafio que está posto para os sindicatos neste momento vai em todas essas direções: entender que precisamos olhar o todo – que as pautas identitárias são importantes para toda a classe trabalhadora. “E também o trabalho com o povo em situação de rua; a pauta das mulheres agricultoras; dos atingidos por barragens; do povo negro; todas também são pautas e causas dos servidores e servidoras do Judiciário federal – porque estamos interconectados: as condições de sobrevivência de um estrato da população têm impacto em todos os setores”, afirma Eunice.
Na última semana de fevereiro de 2021, o Sisejufe também estabeleceu parceria com a conhecida ONG Rio de Paz, a partir de mais uma das tantas tragédias que se repetem há décadas e que vitimam a juventude negra e periférica, no Rio e por todo o Brasil. Em 22 fevereiro de 2021, aconteceu a morte do adolescente Ray Pinto Faria, de 14 anos, durante operação policial no bairro do Campinho – a família alega de que se tratou de execução. Neste caso, a ONG Rio de Paz acionou o Sisejufe que ajudou com uma parcela dos custos do funeral. A partir desta tragédia, o sindicato e a ONG passaram a colaborar. “Com o apoio da ONG Rio de Paz, teremos atividades no ODS nº 16 (Paz, Justiça e Instituições Eficazes), as Ações do Eixo Advocacy”, adianta a presidenta do sindicato, Eunice Barbosa.
“O Eixo Advocacy envolve alguns aspectos como, primeiro, atender demandas que afetam um segmento da sociedade – no nosso caso, o segmento da segurança pública e do empobrecimento”, explica Lucas Louback, 30 anos, coordenador de projetos e ativista da ONG Rio de Paz. De acordo com Louback, a ONG tem três eixos de atuação: primeiro, a diminuição de mortes violentas; segundo, o combate ao empobrecimento e às desigualdades; e o terceiro, a atuação em prol do fortalecimento da democracia. No primeiro eixo, a Rio de Paz atua especificamente na capital e na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. No segundo eixo, de combate à pobreza, é focado na capital. E o terceiro eixo, de fortalecimento democrático, tem amplitude nacional
A Vila Ecológica para mulheres em situação de rua
De acordo com o último levantamento da Defensoria Pública, há 82% de homens em situação de rua. Mas esse número pode ser maior. Porém, são as mulheres que precisam de um cuidado maior já que são elas as principais vítimas de diversos tipos de violência. “A intenção da Vila Ecológica e Inteligente para mulheres em situação de rua é que seja um projeto do Sisejufe”, afirma Ana Paula Rios. “É um projeto grande, que vai envolver muitos parceiros e, por isso, precisamos de uma entidade à altura, como o Sisejufe, que realmente possa apoiar e articular o projeto com outros setores sociais e institucionais”, diz.
“Quando eu pensei na vila, eu sempre tive em mente também a geração de renda para as atendidas – que foge da parte apenas assistencialista. Um dos objetivos é desenvolver um ambiente em que essas mulheres, além de estarem abrigadas e alimentadas, possam gerar sua própria renda. Quando a gente fala que a reinserção social é um processo, não adianta só a gente dar um espaço se não conseguirmos qualificá-las, ocupá-las. É preciso apoio psicológico e jurídico para elas. A ideia é construir um ambiente completo, em que a gente possa cercar por todos os lados essas mulheres em situação de rua de oportunidades que possam aumentar as chances efetivas de reinserção social”, detalha Ana Paula. “Por isso, o projeto da ‘Vila Ecológica’ tem um grande potencial de deixar um grande legado para as mulheres em situação de rua no Rio de Janeiro”, explica.
Lucas Louback, coordenador de projetos da Rio de Paz, elogia a proposta: “Considero muito nobre o projeto da Vila Ecológica. Nós assumimos também esse compromisso territorial: nossa sede, por exemplo, está dentro da comunidade do Jacarezinho – onde desenvolvemos projetos de impacto social e de assistência emergencial. Olhando para a iniciativa da Vila Ecológica, no que já posso chamar de “nossa rede”, chama a atenção a incorporação do empreendedorismo social – o que torna o projeto autossustentável. Evidentemente, nós precisamos de investimento inicial mas, a longo prazo, são projetos assim que terão autossustentabilidade”.
O Sisejufe integra uma rede solidária na agenda 2030
De acordo com Eunice Barbosa, presidenta do Sisejufe, o planejamento do Departamento de Gestão Social (Sisejufe Solidário), para 2021, estabeleceu metas que estão diretamente vinculadas aos ODS da ONU, na Agenda 2030. “Dentro dos ODS nº 1 e nº 2 (Erradicação da Pobreza e Fome Zero), o Siejufe pretende consolidar as ações em curso no Instituto Lar; em relação aos ODS nº 2 e nº 11 (Fome Zero, Agricultura Sustentável; e Cidades e Comunidades Sustentáveis), vamos fortalecer o Projeto Formiga Verde, no Morro da Formiga, na Tijuca, Rio de Janeiro. Neste espaço, construímos uma horta comunitária, com princípios de agrofloresta, livre de agrotóxicos. Nosso propósito é colher e, principalmente, difundir o hábito do cultivo e alimentação saudável através dos mutirões, palestras e oficinas de educação ambiental”, lista Eunice.
“Um movimento como esse do Sisejufe, de uma entidade representativa de classe, que abraça a Agenda 2030 da ONU revela que é possível adotarmos as metas para além dos âmbitos governamentais, sejam quais forem. Acredito que isso revela também um compromisso de base do sindicato, que não fica apenas na formulação política e nem apenas nos órgãos institucionais”, diz Lucas Louback, da ONG Rio de Paz.
Mas há ainda muito mais projetos. “Em relação ao ODS nº 4 (Educação de Qualidade – Projetos e Ações do Eixo Educação e Movimento Comunitário) vamos trabalhar para fortalecer o Grupo de Emancipação Popular (GEP) do Morro da Providência com biblioteca comunitária (ligada ao pré-vestibular Machado de Assis, com mais de 200 títulos, mas que ainda não tem espaço para instalação; colaborar no círculo de formação política comunitário e popular (bimestral); no Cineclube (mensal); na oficina popular de confecção de materiais didáticos especializados às pessoas com deficiências (quinzenal); no grupo de educação ambiental do Morro da Providência – (GEAProvi – quinzenal); no grupo de Estudos e Formação de Educadores Militantes (GEFEM – mensal); no Projeto de Pesquisa em Educação Popular em Saúde e Inclusão Social (em parceria com Departamento de Educação da UFF que acontecerá a partir da Clínica da Família)”, enumera Eunice. “Já realizamos (e pretendemos assim manter) eventos culturais nos seguintes temas: Mês da Luta Mulheres (março), Dia Internacional do Trabalhador e da Trabalhadora (maio), Festa Junina ou Julhina, Consciência Negra (novembro)”, completa.
“O Sisejufe está colaborando também com o Pré-Vestibular Popular Bosque dos Caboclos, criado em 2017, em Campo Grande. Também temos projeto com a A Escola Comunitária Quilombista Dandara de Palmares, no Complexo do Alemão – que é uma organização gerida por moradores da favela e completamente autônoma. Além disso, somos parceiros do Curso Preparatório de Carreiras Jurídicas destinado a jovens negros e pardos – oferecido pelo Coletivo Justiça Negra Luiz Gama. Este coletivo, sem fins lucrativos, promove a valorização da juventude negra por meio do incentivo à educação, empoderamento e combate ao racismo. Temos também parceria institucional com a SJRJ e o Projeto Justiça, Atitude e Cidadania. Seremos parceiros do Projeto Patota do Galo, que surgiu em 1987, onde grupos de amigos se juntavam para oferecer atividades esportivas e lazer para moradores das comunidades do Pavão, Pavãozinho e Cantagalo. A partir da década de 90, Mestre Dá idealizou a Orquestra de Percussão, oferecendo oficinas de percussão para crianças, jovens e adultos na faixa da 3ª idade”, continua Eunice.
A presidenta do Sisejufe pontua: “Cada uma dessas atividades e iniciativas rende e renderá resultados diretos para as comunidades atendidas. E é claro, cada uma merece que se conte sua história e sua evolução em matérias, na imprensa; que a sociedade tome conhecimento como tomará com o Projeto Vila Ecológica e Inteligente para Mulheres em Situação de Vulnerabilidade, apresentado pela nossa parceria Ana Paula, que atende aos ODS nº 1, 5 e 10 (Erradicação da pobreza; Igualdade de gênero; Redução das desigualdades), completa Eunice Barbosa.
A engenheira Ana Paula Rios concorda com Eunice: “Qualquer coisa que eu venha a desenvolver, não faz sentido nascer, se não estiver alinhada com os ODS da ONU. Nós não temos mais tempo a perder, não podemos mais esperar. Se vamos criar um projeto, precisa ser de forma sustentada. Por isso, estamos muito esperançosas com esse projeto – que foi pensado com muito carinho não apenas para ser um marco na gestão feminina do Sisejufe mas também para ser um legado para a população de rua do Rio de Janeiro e na sua efetiva reinserção social. E eu percebo, e tenho tido retornos sobre isso, que a recepção da própria categoria dos servidores e servidoras das Justiças Federais tem sido muito positiva em relação a esses projetos”.
O ativista Lucas Louback está confiante, apesar do momento grave pelo qual passa o país e o mundo: “Minha expectativa é de que a gente fortaleça este vínculo entre a Rio de Paz, o Sisejufe e toda essa nova rede – e consigamos trocas e atingir objetivos na Agenda 2030. Meu desejo é que gente possa atuar em campo, com nossa expertise, e que possamos contar com os recursos que o Sisejufe tem. E quando digo ‘recursos’ não me refiro apenas à questão financeira, mas também à qualificação dos profissionais do sindicato, da diretoria, dos servidores e servidoras e sua capacidade de formulação de projetos”, finaliza.
*Henri Figueiredo é jornalista profissional/Especial para o Sisejufe
Crédito das fotos de Ana Paula: Lorena Mossa
SAIBA MAIS
O QUE É A AGENDA 2030
https://bit.ly/2ZTMenU
O QUE SÃO OS ODS DA ONU
https://brasil.un.org/pt-br/sdgs
A AGENDA 2030 DA ONU NO JUDICIÁRIO FEDERAL
https://www.jfrj.jus.br/noticia/justica-federal-promove-debate-virtual-sobre-agenda-2030-da-onu
O PACTO ENTRE O CNJ E A ONU PARA A IMPLEMENTAÇÃO DOS ODS NO PODER JUDICIÁRIO E NO MINISTÉRIO PÚBLICO
https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2019/09/578d5640079e4b7cca5497137149fa7f.pdf
O SUCESSO DO PROJETO ‘PIA DO BEM’ DO SISEJUFE
https://sisejufe.org.br/noticias/deu-na-imprensa-pias-do-bem-sao-um-sucesso
RIO DE PAZ: “Mãe de adolescente de 14 anos morto em comunidade: ‘Não vou me calar. Quero justiça pelo meu filho’ | Em entrevista à ONG Rio de Paz, Alessandra afirma que perdeu o chão, mas precisa encontrar forças para lutar pelo filho e seguir a vida, porque ainda tem mais um casal para criar.”
https://oglobo.globo.com/rio/mae-de-adolescente-de-14-anos-morto-em-comunidade-nao-vou-me-calar-quero-justica-pelo-meu-filho-24896637