Por Abilio Fernandes das Neves Neto*
Em maio/2021, a Fenajufe publicou um artigo de minha lavra onde opinei acerca da “proeza” do STF em retirar do patrimônio jurídico das servidoras e servidores do PJU o direito aos quintos incorporados no período compreendido entre a edição da Lei 9.624/1998 e da MP 2.225-48/2001, reconhecido administrativamente pelo Conselho da Justiça Federal – CJF desde 2005, instalando definitivamente no seio do serviço público federal a insegurança jurídica, a quebra do princípio da confiança e o tratamento diferenciado entre iguais, quando colocou a salvo dessa lamentável decisão os beneficiados por decisões judiciais com trânsito em julgado.
Assim, os sindicatos e associações da categoria do PJU que conseguiram sucesso em ações judiciais que reivindicaram esse direito propiciaram, respectivamente, aos servidores e servidoras das respectivas bases e às(aos) suas(seus) filiadas(os) receberem atrasados e ficarem a salvo da absorção dessa VPNI.
Em janeiro/2023, foi editada a Lei nº 14.523/2023, prevendo o reajuste dos valores constantes dos anexos II, III e VIII da Lei nº 11.416/2006 e das demais parcelas remuneratórias dos integrantes da categoria do PJU, em parcelas sucessivas e cumulativas, em 6% – 1º/02/2023, 6% – 1º/02/2024 e 6,13% – 1º/02/2025.
As administrações do PJU resolveram aplicar a famigerada decisão do STF, ressalvados os casosprotegidos pela coisa julgada, excluindo milhares de servidoras e servidores do direito constitucional à revisão anual das suas remunerações.
Com a finalidade de “consertar” essa situação esdrúxula, a Fenajufe atuou junto ao Congresso Nacional e veio à luz a Lei nº 14.687/2023, introduzindo o parágrafo único no art. 11 da Lei nº 11.416/2006, prevendo que “as vantagens pessoais nominalmente identificadas de caráter permanente, incorporadas aos vencimentos, aos proventos e às pensões dos servidores das Carreiras dos Quadros de Pessoal do Poder Judiciário, inclusive aquelas derivadas da incorporação de quintos ou décimos de função comissionada, não serão reduzidas, absorvidas ou compensadas pelo reajuste das parcelas remuneratórias dos anexos desta Lei”.
Apesar da clareza “solar” da norma legal, foi necessário o plenário do CJF garantir em um processo administrativo a aplicação do referido parágrafo único no art. 11 da Lei nº 11.416/2006, em sessão realizada em junho/2024, implicando na manutenção integral da VPNI desde o reajuste de 6% em 1º/02/2023.
Mas lembram da insegurança jurídica a que me referi no início deste artigo? Pois é, a então presidente do CJF resolveu encaminhar uma consulta ao Tribunal de Contas da União – TCU acerca dessa questão, cujo plenário, com o voto de minerva do presidente, resolveu que a absorção da VPNI em 1º/02/2023 era fato consumado, estando o que restou (se é que sobrou!) da VPNI a salvo da “absorção” proposta pelo STF quanto aos reajustes de 2024 e 2025.
Na prática, a decisão do STF implicou na estapafúrdia situação de uma única categoria ter servidoras(es) tratadas(os) de forma distinta quanto ao direito ao reajuste de suas remunerações, isso depois de passarem por 4 anos de perdas inflacionárias.
Porém, se a decisão do STF transitou em julgado, a lamentável decisão do TCU sujeita-se a embargos de declaração, nos termos do art. 287 do RI do TCU, havendo motivos para a sua interposição, no caso, a saber:
– 1) afirma que a VPNI dos quintos/décimos“deve ser preservada de reduções, absorções ou compensações por quaisquer reajustes posteriores ao início da vigência do parágrafo único do art. 11 da Lei 11.416/2016”, mas admite a absorção dos 6% de 1º/02/2023 sobre os vencimentos recebidos após a vigência – dezembro/2023 -, desconsiderando o fato de a Lei nº 14.523/2023ter previsto o reajuste em parcelas sucessivas e cumulativas, implicando na convicção de que se trata de um reajuste único aplicado em 3 vezes, razão pela qual incide, contraditoriamente, em negativa de vigência o acórdão 2266/2024 – Plenário;
– 2) responde à consulente que as parcelas de quintos/décimos incorporadas em razão de funções comissionadas exercidas entre 08/04/1998 e 04/09/2001, caso não amparadas por decisão judicial transitada em julgado, devem ser absorvidas pelo reajuste aplicado em 1º/02/2023, estabelecido no art. 1º, inciso I, da Lei 14.523/2023, desconsiderando que essa VPNI “não mantém correlação com a parcela originária”, sendo reajustável “apenas pelas revisões gerais de remuneração” (v. acórdão 1460/2024 – Primeira Câmara do TCU, Relator Min. Vital do Rêgo, Sessão de 05/03/2024).
Com efeito, o STF, ao julgar o RE 638.115/CE, determinou a absorção da VPNI de quintos/décimos das pessoas que não tivessem amparadas pela coisa julgada, e a única interpretação possível é de que essa absorção deve ocorrer em hipótese de revisão geral da remuneração, o que não se deu com a edição da Lei nº 14.523/2023, ao prever o reajuste dos valores constantes dos anexos II, III e VIII da Lei nº 11.416/2006 e das demais parcelas remuneratórias dos integrantes da categoria do PJU, sob pena de ofensa, a contrario sensu, ao art. 62-A, caput e par. único, da Lei nº 8.112/1990.
Entendimento diverso implicaria em situação teratológica, tendo em vista não ter o STF mudado a natureza jurídica da VPNI ao decretar sua absorção por reajustes futuros, razão pela qual persiste a possibilidade legal de vir a ser reajustada nos moldes do aludido 62-A, par. único, da Lei nº 8.112/1990.
Se persistir esse entendimento do TCU pela absorção da VNPI pelo reajuste aplicado em 1º/02/2023, forçoso admitir que a Corte de Contas deveria responder à consulta afirmando que os índices de reajuste previstos da Lei 14.523/2023devem incidir sobre a VPNI de quintos/décimos, afinal, “o pau que dá em Chico dá em Francisco”.
Assim, deve o TCU suprir a omissão acerca dessa questão no acórdão 2266/2024 – Plenário;
– 3) A absorção da VPNI de quintos/décimos por reajuste aplicado em rubricas remuneratórias de natureza jurídica distinta conduz, a rigor, à convicção de negativa de vigência à Lei nº 14.523/2023, que determinou a aplicação dos índices de reajuste nos valores constantes dos anexos II, III e VIII da Lei nº 11.416/2006 e das demais parcelas remuneratórias dos integrantes da categoria do PJU, em parcelas sucessivas e cumulativas, incidindo o acórdão 2266/2024 – Plenário em contradição;
– 4) o voto condutor do acórdão 2266/2024 – Plenário afirma que “o disciplinamento da matéria pelo STF, por mais paradoxal que possa parecer, com a devida vênia, também acabou por ofender o” princípio constitucional da isonomia, “uma vez que servidores que estavam na mesma situação de fato e de direito foram tratados diferentemente, alguns recebendo a vantagem, outros não; assim como alguns tendo os seus vencimentos impactados pela aludida absorção e outros não”, mas, contraditoriamente, responde à consulta de forma a conduzir o CJF a praticar ato administrativo contrário à Constituição Federal de 1988, implicando em ofensa ao princípio da legalidade.
O assunto “quintos” não acabou! Vamos à luta companheiros e companheiras!
*Abilio Fernandes das Neves Neto é Analista Judiciário do TRF2