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Sindicato dos Servidores das Justiças Federais no estado do Rio de Janeiro - Telefone: (21) 2215-2443

Poder público precisa garantir acesso à moradia para população de rua 

Essa foi uma das conclusões do seminário que discutiu os desafios para a implementação de políticas públicas e habitacionais para esse segmento
“Não falem de nós sem nós”. A frase, pronunciada em coro pelos moradores e ex-moradores de rua presentes ao seminário O Povo da Rua: Direito à Moradia e à Cidade, no último sábado (13/7), ecoou no auditório lotado da Igreja de Santana, no centro do Rio. Eles se referiam ao lema usado pela líder do Movimento de População de Rua da Bahia, Maria Lúcia Pereira, falecida no ano passado, que era considerada ícone de resistência. A população em situação de rua foi convidada a participar do encontro realizado pela Arquidiocese do Rio, em parceria com o Sisejufe, justamente para garantir que suas vozes fossem ouvidas.

“É importante nos colocarmos na realidade daqueles que não têm moradia. Se não estivermos na pele deles, nunca vamos entender as mudanças que precisam ser feitas. Em nome da Diocese, a gente acolhe esse seminário. Que sejam corajosos e se sintam iluminados para encontrar caminhos para uma situação melhor de vida”, afirmou o monsenhor Manuel de Oliveira Manangão, na abertura do evento.

 

FF83DB5D-196E-4BF8-B105-EACFB6B6E748A assessora política do Sisejufe, Vera Miranda, falou em nome do sindicato. “Nossa proposta é sair dos muros do Judiciário para olhar o povo da rua e as pessoas que vivem em situação precarizada. E o que nos unifica? Somos todos trabalhadores e irmãos. Estamos afetos a uma política de estado que trabalha com a desigualdade e onde há acúmulo excessivo de riqueza, haverá fome e ausência dos direitos básicos. Enquanto houver um trabalhador ou trabalhadora sem posto de trabalho é nossa obrigação lutar por eles. Enquanto houver pessoas sem teto, temos que lutar por elas. É aí que entra o papel do sindicato, que pretende não só trabalhar pela Justiça, mas fazer justiça social”, destacou.

Também representaram a entidade no evento o presidente Valter Nogueira Alves, a coordenadora do Departamento Sisejufe Solidário, Eunice Barbosa, e a representante de base Anny Figueiredo.

Ainda na abertura, o padre Gustavo José Auler ressaltou a importância do acolhimento: “Temos que ajudá-los a serem protagonistas e sujeitos das mudanças das suas próprias vidas”.

BUSCA DA MORADIA DIGNA

C6CB6F48-24D3-4FAF-8894-4BC7EBA06CA6Participaram da primeira mesa, que aconteceu pela manhã, a representante do Movimento Nacional de População de Rua, Carmem Eça; a arquiteta e urbanista Tainá de Paula; a assessora nacional da Pastoral Povo da Rua, Cristina Bove; a defensora pública do Núcleo de Terras e Habitação, Maria Lúcia de Pontes; e o sociólogo Rodrigo Ribeiro. Carmem, que mediou o debate, disse que é preciso união em busca do direito natural à moradia digna, que está na Constituição Federal e nas resoluções da ONU. “Todos têm o direito de viver com qualidade e respeito”, enfatizou.

Rodrigo Ribeiro abordou os desafios das políticas de habitação social no país que, segundo ele, foram muito verticalizadas (conjuntos habitacionais) e cheias de regras de etiqueta e comportamento, reproduzindo a lógica de classe média. E no momento em que há uma perda de sociabilidade e de desamparo, a internalização novamente dessas regras é muito difícil.

“Na situação de rua, dependendo de onde a pessoa viva, as coisas se misturam: o privado vira público, as coisas se confundem e há perda do sentido de regras”, pontuou.

Rodrigo criticou o fato de o poder público tratar o morador de rua como se ele quisesse estar lá pelo uso de drogas, porque foi expulso de casa ou outro motivo, como se não fosse um problema social.

ORIGEM NO PASSADO

6C233CF8-8CE2-47E3-9C5E-90A33DA60C05Tainá de Paula destacou o quão difícil é pautar políticas públicas para a população de rua e que é preciso enfrentar esse e outros gargalos sociais. “É uma agenda para o Brasil nos próximos anos”, disse.

A urbanista apontou que o problema da população de rua tem relação com a segregação racial e teve sua origem na diáspora pós-abolição. “Parte da população foi absorvida pelas favelas, parte se estabeleceu nos cortiços, mas quem não conseguiu se estabelecer em um ponto de trabalho formal foi para a rua”, explicou.

“Desde 1890 até hoje há ausência de políticas públicas para essa população”, criticou.

AÇÕES INTEGRADAS

Tainá acrescentou que as políticas de moradia estão sempre atreladas à renda, dificultando a inclusão da população de rua. Para a especialista, inserir essa parcela da população nas políticas de habitação é um desafio que pode ser resolvido com ações integradas entre SUS (Sistema Único de Saúde), SUAS (Sistema Único de Assistência Social) e políticas habitacionais, uma espécie de CadÚnico para específico para esse segmento.

Tainá convocou o povo da rua a assumir o protagonismo no debate: “acho que não se pode colocar a responsabilidade só no poder público. Temos que falar mais. Precisamos estabelecer nosso poder popular”.

A defensora pública Maria Lúcia falou sobre o direito à moradia e seus reflexos na dignidade da pessoa humana. Ela lembrou que a moradia e a alimentação são direitos essenciais, mas estão na Lei e não na prática. “Enquanto a gente não garantir esse direito por lei, vai estar sempre neste debate”, lamentou.

A defensora criticou o fato de a moradia estar presa ao conceito de propriedade. “O que hoje é propriedade, amanhã pode não ser, mas o ser humano vai sempre precisar morar”, disse, acrescentando que há necessidade de se discutir a forma de se adquirir moradia, hoje baseada na compra e venda. “A Defensoria está à disposição para esse debate”, completou.

COBRAR CUMPRIMENTO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

5276B5AE-4734-462B-953B-CDCA5A10AB09Maria Cristina Bove, assessora nacional da Pastoral Povo da Rua, lembrou que a missão da pastoral não é executar políticas públicas e sim articular e cobrar para que sejam cumpridas. Ela ressaltou que a casa garante dignidade às pessoas: “a moradia nos confere estabilidade, segurança, identidade e proteção. A porta de entrada para as políticas sociais deveria ser a habitação. É preciso romper com a lógica da propriedade. Todo mundo tem direito a morar”.

Para a religiosa, há desafios a serem enfrentados, como definir metodologias de acompanhamento social, debater modelos diferenciados e, principalmente, aumentar o investimento público.

DESAFIO GLOBAL

9CE0440B-ED27-4BF9-8070-83B46E555D31A segunda mesa de debate aconteceu na parte da tarde, com a mediação do arquiteto e urbanista Eric Gallo. Participaram a gestora de estratégica do projeto Ruas (House First), Larissa Montel; a ex-moradora de rua Daniella Dell’Ossi; a advogada e especialista em Sociologia Urbana, Tarcyla Fidalgo Ribeiro; e o vereador Reimont.

Tarcyla sustentou que “estamos diante de um problema global e que há dois desafios: como tirá-los da rua e desenvolver suas potencialidades; e como garantir que as pessoas fiquem na moradia”.

A especialista destacou que o programa Minha Casa Minha Vida foi bom, mas muitos beneficiados foram expulsos pelo poder paralelo ou outros fatores. “Não basta entregar espaço para eles, tem que garantir que permaneçam lá”, explicou.

Ela reforçou que uma forma de proteger essas pessoas é através do Termo Territorial Coletivo, que garante que o terreno fique de propriedade de um grupo de pessoas.”

DIREITO BÁSICO

FD733CC9-00A7-40DF-A7F0-F3B6D91BBB5BO vereador Reimont ressaltou que a moradia é um dos direitos sociais previstos no Artigo 6º da Constituição: “os direitos vêm quando fazemos política, eles vêm a partir da nossa luta. É importante exigir do governador, do prefeito, do vereador que cumpram a Constituição porque não é favor, é direito.“

O vereador informou que nos últimos três anos a população de rua na cidade do Rio teve um aumento de 150%, passando de 6 mil para 15 mil pessoas. “Os pobres estão sendo pisoteados. Quem está nessa luta não pode estar na divisão. Precisamos nos unir”, convocou o político.

JUSTIÇA SOCIAL

Autor da Lei 5.926, que estabelece o prazo de cinco anos de abandono para a desapropriação de imóveis por interesse social, para assentar famílias de baixa renda, Reimont relatou que faltam 400 mil moradias no Rio e, ao mesmo tempo, sobram 400 mil moradias: “vivemos diante de um quadro de injustiça social. Enquanto uns tem quatro imóveis, outros não têm dinheiro para pagar aluguel. A luta pela moradia passa pela luta política, que temos que fazer juntos, de braços dados”, reforçou.

A gestora de estratégica do projeto Ruas, Larissa Montel, explicou como funciona o programa, que é inspirado no modelo internacional House First. O projeto visa trazer dignidade e oportunidade à população em situação de rua através de moradia e uma gama de serviços de suporte.

Larissa explica que o ponto principal é não estipular prazos. “A pessoa fica até quando conseguir suporte para pagar sua casa de maneira integral”, diz a especialista, que conheceu experiências do projeto na Espanha e EUA.

Segundo a profissional, o House First é um investimento barato como política pública porque tem retorno e benefícios garantidos.

HISTÓRIA DE SUPERAÇÃO

2E0F554A-E72D-4DB2-97B7-4489FD1ECA30Em seu depoimento, a ex-moradora de rua Daniella Dell’Ossi contou situações ruins que passou: “uma das situações mais constrangedoras é quando te pedem comprovante de residência. Como não tem comprovante, você não consegue arrumar trabalho. Chega a ser cruel. Os abrigos também são desumanos. Não gosto nem de lembrar”.

Daniella disse ainda que a recuperação das drogas é muito difícil. “Os projetos sociais ajudam nesse processo porque nos dão suporte e dignidade”, completou.

Além dos debates, o seminário contou com a emocionante apresentação do Coral Canto da Rua. No pátio da Igreja, os participantes puderam apreciar uma exposição de fotografias com temática sobre população de rua e uma feira de artesanato com trabalhos de artistas e pacientes de centros de atenção psicossocial.

 

 

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