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Em tempos de retrocesso nas pautas prioritárias, mulheres negras apontam desafios na busca de emprego, geração de renda e territorialidade

Debate, na segunda-feira (15/03), fez parte da programação oficial dos 21 dias de Ativismo contra o Racismo. Campanha termina neste domingo (21/3), com atividade virtual a partir das 13h

Em tempos de retrocesso nas pautas prioritárias, mulheres negras apontam desafios na busca de emprego, geração de renda e territorialidade, SISEJUFE

Dara Santana, Moara Saboia, Noemi de Andrade e Bethe Fontes. Quatro mulheres negras com trajetórias de luta e resistência debateram o tema:  “A carne mais barata do mercado é a carne negra: emprego, geração de renda e territorialidade”. A atividade, realizada pelo Sisejufe, Coletivo Enegrecer e Sintufrj, integrou a programação oficial da campanha “21 Dias de Ativismo contra o Racismo”, que se encerra neste domingo (21/3).  

 A servidora da Justiça Federal e representante do Sisejufe no Grupo de Trabalho da Igualdade Racial da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, Bethe Fontes, mediadora da conversa, lembrou que o tema escolhido, faz alusão à música “A carne” composta por Seu Jorge na década de 90, que questiona a prevalência dos assassinatos de negros em comparação aos brancos e, da mesma forma, aborda o racismo como estrutura que sustenta as desigualdades sociais e econômicas do país.

Para Dara Sant´Anna, coordenadora nacional do Enegrecer, poetisa e artista plástica, o termo “carne mais barata” leva a pensar na estruturação do capitalismo. “Quando a gente estuda história, sabe que o processo de formação do sistema capitalista só foi possível pela exploração da mão de obra escrava e é a partir desse lugar que a gente vai falar da carne mais barata no mercado. Era a carne humana que era vendida. Durante muito tempo, se colocou como bonzinhos aqueles que eram algozes e o movimento negro esta aí reafirmando que a gente precisa fazer uma releitura histórica do nosso processo. A partir dessa estruturação e acumulação de capital se formaram grandes fortunas e riquezas que estão aí até hoje”, avalia.

Dara acrescenta que, apesar dos avanços em relação ao acesso dos negros à educação e à escolaridade, essa questão ainda não foi equalizada, assim como a disparidade econômica entre negros e brancos. “Essa carne continua sendo a mais barata, desde o processo escravocrata até hoje”, diz.

Empreendedorismo e Black Money

A militante levanta o debate com relação a emprego e renda. “O Brasil é o pais que mais tem empreendedores e a gente consegue falar hoje de um Black Money, mas ao mesmo tempo em que esse processo de empreendedorismo é fortalecimento racial, já que muitos preferem dar esse dinheiro para os negros, alimentando a cadeia de economia solidária, há questões como ausência de direito trabalhista, ausência de férias, de aposentadoria… é a uberização do trabalho. A gente tem que fazer o debate em cima dessa nova movimentação do capitalismo, de não ter garantia de direitos”, alerta Dara.

Fome e desemprego de volta às pautas prioritárias

Moara Saboia, vereadora do PT em Contagem/MG e também militante do Coletivo Enegrecer chama a atenção para a volta ao debate de pautas que o Brasil já tinha superado como a fome e a moradia. “Nosso mandato escolheu a renda como o tema do ano, muito a partir de uma observação de como nosso povo empobreceu nos últimos anos. Voltar a debater fome, a falta de emprego… pautas que a gente achava que tinha superado no país. No início da minha militância a gente debatia muito mais cultura, educação e outras agendas porque a agenda essencial básica as pessoas já tinham garantida. Essas agendas essenciais voltam a ficar raras. E acaba que a nossa carne é mais barata porque somos os primeiros a perder quando a pauta prioritária volta a ser a fome, moradia… é um retrocesso muito grande na política brasileira”, aponta a parlamentar.

A vereadora informou que entrou com projeto de Lei sobre violência política, que hoje faz parte do cotidiano. “Marielle é o auge desse movimento. A morte é o último patamar dessa violência. Como essa agenda tem ficado mais forte sobre nós, estamos ameaçadas. Quando mataram Marielle, tentaram nos interromper e o efeito foi justamente o contrário. Se vão tentar nos calar, que a gente esteja cada vez em mais espaços e mais fortes. Para isso que estamos na política. A gente quer mais mulheres negras na política para que ela tenha a nossa cara e tenha a nossa vida como prioridade”, afirmou.

Luta de gerações   

A coordenadora do Sindicato dos Trabalhadores em Educação da UFRJ (Sintufrj) e do movimento ‘Basta! Parem de Nós Matar’, Noemi de Andrade, ressaltou a importância de se falar sobre o racismo.

“A gente vem de uma trajetória em que as meninas que são mais novas – Dara e Moara – fazem um levantamento hoje do que é o retroceder das pautas prioritárias da população negra e a gente tem a questão geracional de que essas pautas de hoje que a gente consegue enxergar como sendo prioritárias, há 20 anos não eram sequer comentadas. Era nossa situação na década de 70, 80. Militamos para que hoje tenhamos vereadoras negras em espaços de fala. Temos que reverenciar quem veio antes da gente. Essa discussão não está atrasada. Hoje, ver a mulher preta no poder – médicas, políticas, juízas – é satisfação… nós trabalhamos por décadas para chegar a esse momento. Esse é o espaço de fala que me dá muito orgulho porque eu sei o quanto se batalhou para que estivéssemos ocupando tantos espaços” comenta.

Noemi completa: “ter espaço para essa discussão, vejo que nossa carne já não está tão mais barata assim. A solidão não é mais a realidade de vocês. Vocês conseguem olhar para o lado e se enxergar. Isso veio por quem antecedeu vocês, que batalhou para isso”.

A dirigente sindical diz que o negro foi enganado na situação do empreendedor “É a população que passa mais fome, é o retrato das periferias, das favelas e da maioria no sistema penal. Penso que ainda temos muito que batalhar para que essa mão de obra não continue sendo a mais barata. Esse tema tem que estar na nossa pauta diariamente”, opina Noemi.

Conquista de territorialidade

Dara explicou que alternativas territoriais podem ser criadas, com base na economia solidária, e deu exemplo da moeda social de Maricá, que leva desenvolvimento de economia local, faz o dinheiro circular e foge do grande mercado do capitalismo. Para a coordenadora do Coletivo Enegrecer, esse modelo deve ser seguido para que o Black Money circule nas periferias, gerando desenvolvimento econômico e de vida.

Papel do poder público

A vereadora Moara garante que o Legislativo pode colaborar nesse processo. “A gente linkou o ano do mandato com a geração de emprego e renda. Como diz o presidente Lula, dinheiro na mão do pobre gira, porque pobre gosta de gastar e dinheiro circulando, gera renda e você coloca a economia para girar. O rico guarda tudo que ganha”, diz.

Desafio também para sindicatos

Noemi conta que essa discussão social também foi para dentro dos sindicatos. “Com o processo da pandemia ficou mais visível e nos trouxe para realidade… Olhar para as comunidades perto do seu sindicato, ver que as pessoas precisam de ajuda e poder fazer algo é muito gratificante. Mas como ajudar? É um desafio. Em vez de chegar e oferecer cesta básica, temos que agir para que a pessoa ajudada gaste dentro da comunidade e faça o dinheiro circular”, diz.

“Essa discussão, para além de ser territorial, perpassa também pelo debate dentro dos sindicatos, da sociedade, das Câmaras… é o nosso desafio deste momento”, avalia.

Para Dara, a nova geração de mulheres pretas é fruto da luta que veio antes: “nós demos passos e não dá para recuar. Mataram a Marielle querendo nos calar e a gente se multiplicou, como disse a Moara. Defendo meu legado, minha história e minha ancestralidade. O caminho é irreversível. Mesmo que venham nos intimidar com violência, saberemos resistir”.

Dilema das cotas

Noemi tocou ainda na questão das cotas. “Quando começamos a lutar por cotas e a desenvolver pesquisas e ações – isso a partir do governo Lula –, poderíamos ter feito mais, mas fizemos o que era possível em um governo de esquerda. A gente achou que poderia lutar pelas cotas para agora poder lutar por escolas públicas de excelência e não precisar de cotas porque já teríamos igualado condições, mas isso ainda não se dá, infelizmente. O racismo é estrutural. Hoje a gente ainda precisa lutar para que as cotas sejam ferramenta de transformação. Esse racismo institucional não quer ver essa mudança ou não consegue perceber que essa mudança é necessária”, observa.

Moara destacou, ainda: “é preciso eleger os nossos para que nossas agendas sejam prioritárias. Que projeto político nós queremos? Para que sejam nossos aliados naqueles espaços, temos que eleger vereadores, governadores, deputados, presidente… temos que ocupar espaços”.

Bethe encerrou o debate citando uma frase de Nelson Mandela, para reflexão: “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar”, concluiu. A live contou com a participação da intérprete de libras Rosane da Gama.

Assista o debate na íntegra neste link.

Encerramento dos 21 Dias

A 5ª edição dos 21 Dias de Ativismo contra o Racismo termina neste domingo, 21 de março, com evento no Facebook e no Youtube, a partir das 13h pelo zoom. O acesso é pelo link https://us02web.zoom.us/j/89850679736. Senha: 517683

Programação:

14 às 17h

• Saúde do povo negro
• Resistência da população Indígena
• Violência contra a infância negra
• Mulheres e espaços de poder
• Ancestralidade: a força da mulher negra (homenagens)

Atividades culturais:
• Slam das Minas,
• Jongo da Serrinha
e muito mais!

18h às 19h
• Tour virtual pela Pequena África, no Rio de Janeiro, com o professor Fabio Conceição

19h às 20h
• Baile Charme com o Cultne

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