O STF retomou na quinta-feira (23/8), o julgamento de dois processos – ADPF 324 e RE 958.252 – que tratam da legalidade da terceirização de todas as etapas do processo produtivo das empresas, inclusive, das atividades-fim. Votaram na sessão os ministros Alexandre de Mores, Edson Fachin, Rosa Weber, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski. O julgamento foi suspenso, com o placar em 4 a 3 favorável a terceirização na atividade-fim, e será retomado a próxima quarta-feira (29/8).
ADPF 324
Na ADPF 324, de relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, a Associação Brasileira de Agronegócio (Abag) questiona a constitucionalidade da interpretação adotada em decisões da Justiça Trabalhista, argumentando que o entendimento que restringe a terceirização com base na súmula 331 do TST afeta a liberdade de contratação das empresas, além de violar preceitos constitucionais fundamentais da legalidade, da livre iniciativa e da valorização do trabalho.
Ao votar pela procedência da ação, o relator, ministro Barroso, pontuou que a discussão em torno da terceirização não se trata de “um debate entre progressistas e reacionários”, mas sim, de um caminho para se assegurar o emprego e garantir direitos aos trabalhadores, proporcionando o desenvolvimento econômico. “Num momento em que há 13 milhões de desempregados e 37 milhões de trabalhadores na informalidade, é preciso considerar as opções disponíveis sem preconceitos ideológicos ou apego a dogmas.”
Barroso afirmou que as restrições à terceirização da maneira como têm sido decididas pela Justiça do Trabalho violam os princípios da livre iniciativa, da livre concorrência e da segurança jurídica, além de não terem respaldo legal. O ministro ainda salientou que o modelo flexível é uma estratégia essencial para a competitividade das empresas e afasta o argumento de precarização da relação empregatícia, que existe “com ou sem terceirização”.
O relator votou pela licitude da terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada. Para Barroso, na terceirização, compete à contratante verificar a idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada e responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem como por obrigações previdenciárias.
O ministro propôs a seguinte tese a ser adotada no julgamento da ADPF:
1) É lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada.
2) Na terceirização, compete à contratante verificar a idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada e responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem como por obrigações previdenciárias.
O voto foi seguido pelo ministro Fux na sessão de ontem e hoje pelos ministros Alexandre de Mores e Dias Toffoli.
RE 958.252
No julgamento do RE 958.252, o relator, ministro Fux, votou pelo provimento do recurso da companhia Celulose Nipo-Brasileira – Cenibra e pela reforma da decisão de 2º grau que proibiu a terceirização das atividades da empresa. Fux pontuou que a Constituição, em seu artigo 1º, inciso IV, trata da valorização social do trabalho e da livre iniciativa como fundamento do Estado Democrático de Direito, sendo que estes princípios estão intrinsecamente conectados, o que impede a maximização da apenas um deles. O ministro afirmou que a súmula 331 do TST é uma intervenção imotivada na liberdade jurídica de contratar sem restrição.
Para ele, as intervenções no poder regulatório na dinâmica da economia devem se limitar ao mínimo possível, sendo “essencial para o progresso dos trabalhadores brasileiros a liberdade de organização produtiva dos cidadãos”.
Fux afastou o argumento que a terceirização viola direitos consagrados constitucionalmente e considerou que as leis trabalhistas continuam a ser de observância obrigatória por todas as empresas da cadeia produtiva. O ministro apontou ainda diversos fatores que considera benéficos para as relações de trabalho, como o aprimoramento das tarefas pelo aprendizado especializado, a redução da complexidade organizacional, o estímulo à competição entre fornecedores externos e a maior facilidade de adaptação às necessidades de modificações estruturais.
Como tese de repercussão geral, o ministro propôs o seguinte texto:
“É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho em pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, revelando-se inconstitucionais os incisos I, III, IV e VI da Súmula 331 do TST.”
Seu voto foi acompanhado pelo ministro Barroso na sessão de ontem e hoje também pelos ministros Alexandre de Mores e Dias Toffoli.
Divergência
O ministro Edson Fachin abriu a divergência e foi seguido, na sessão de hoje, pela ministra Rosa Weber e pelo ministro Ricardo Lewandowski. Para Fachin, a Súmula 331 do TST não viola os princípios constitucionais da legalidade ou da livre iniciativa. “Não há violação quando a Justiça do Trabalho, interpretando a legislação então existente, adota uma das interpretações possíveis.”
O ministro ressaltou que, embora se possa questionar a inadequação da CLT aos novos modos de produção, apenas em 2017 o Congresso exerceu sua prerrogativa de editar leis sobre terceirização. A seu ver, a Justiça do Trabalho não atuou para vedar a terceirização, mas sim para aferir se a relação de emprego estaria em conformidade com as regras vigentes à época sobre o tema, que proibiam a prática na atividade-fim da empresa, admitindo-a apenas em algumas atividades-meio, como os serviços de vigilância e de limpeza.
Fachin destacou que os princípios constitucionais devem ser interpretados em conjunto, não sendo possível que um tenha primazia sobre outro. Segundo ele, a garantia da livre iniciativa, um dos fundamentos republicanos da Constituição, está acompanhada, no mesmo patamar de relevância, da necessidade de assegurar o valor social do trabalho. Assim, a Justiça do Trabalho, ao identificar a terceirização ilícita de mão de obra, apenas tutelou o que está no texto constitucional sobre direitos e garantias dos trabalhadores.
A ministra Rosa Weber também proferiu voto nesse sentido. Ela explicou que a Súmula 331 do TST nasceu como produto de longa consolidação da jurisprudência a partir da adequação das normas de proteção ao trabalho e da atividade cotidiana de intermediação de mão de obra por empresa interposta. “O aparato jurídico desenvolvido na CLT e aperfeiçoado pela Constituição de 1988 foi o que conduziu ao tratamento jurídico do tema.”
Em seu voto, a ministra apresentou um histórico da legislação relativa à terceirização no Brasil, destacando a lei 6.019/74, que autorizou a intermediação de mão de obra em situações específicas, para atender necessidade transitória de substituição de pessoal permanente ou acréscimo extraordinário de serviço. Lembrou ainda da Lei 8.863/1994, que regulou a terceirização na área de vigilância. Ela destacou que, em relação às contratações realizadas fora do marco legal, o TST formalizou seu entendimento no Enunciado 256, convertido, em 1993, na Súmula 331. Esta súmula ampliou a possibilidade da prática para alcançar outras atividades além das de limpeza e de vigilância, desde que ausente a relação direta de emprego. Essa conclusão foi extraída, segundo a ministra, do artigo 9º da CLT, que declara fraudulenta toda atividade que afaste as normas legais e protetivas consagradas.
A ministra citou, ainda, que “a rarefação de direitos trabalhistas nas relações terceirizadas vulnerabiliza os trabalhadores a ponto de os expor, de forma mais corriqueira, a formas de exploração extremas e ofensivas a seus direitos”.
Processos: ADPF 324 e RE 958.252