O Escuta Mulher deste mês foi pautado pela reflexão em torno do tema da Consciência Negra, também comemorado em novembro. Com o título ‘Vidas Negras Importam’, o Núcleo da Marcha Mundial de Mulheres do Sisejufe contou nas redes sociais a trajetória de mulheres negras que são exemplo de luta e resistência. E no dia 17 de novembro, realizou a reunião virtual que é o ponto alto do projeto.
A coordenadora do Núcleo e diretora do Sisejufe, Anny Figueiredo, e a jornalista Tais Faccioli começaram a conversa ressaltando a vitória das mulheres negras que foram eleitas vereadoras em todo o país.
“Temos uma gama enorme de mulheres eleitas para representar não só nós mulheres, mas principalmente as mulheres negras, especialmente as periféricas, que são as mais sofridas no país. Nesse momento de fascismo, repressão e corte de direitos é muito importante que tenhamos essas representações nas Câmaras para fazer a luta por quem pode realmente alterar a legislação”, destacou Anny.
Enfrentar o racismo estrutural
Uma das convidadas, a secretária nacional adjunta de Combate ao Racismo da CUT, Rosana Fernandes, pontuou que o momento político é de alegria e tristeza.
“Divido esses dois sentimentos que são importantes para a organização dos trabalhadores e trabalhadoras. A ampliação de mulheres negras como representantes da sociedade como um todo me deixa muito feliz devido à importância das pessoas enxergarem essa representatividade. A gente começa a desconstruir na sociedade aquela ideia de que outras pessoas vão representar as ideias, os interesses, a luta e a organização da população negra, que sofre desde o período em que foi escravizada e que constituiu uma luta tão grande até chegar nos dias de hoje. Mas infelizmente, por conta do mito da democracia racial no qual a gente é submetido, continua tendo uma baixa representatividade”, afirmou Rosana.
A militante diz que o cenário começa a mudar a partir dessa eleição. E cita como exemplo também os Estados Unidos, que acabam de eleger uma vice-presidenta negra. “Essa eleição faz toda a diferença para a população negra do mundo inteiro. A gente sabe que não é um governo democrático popular, mas tem as suas diferenças em relação ao governo Trump. Então a gente avança de alguns lados e isso vai ser muito importante inclusive para a mobilização de mulheres negras, mas a gente precisa de fato enfrentar o racismo para mudar as estruturas da sociedade”, opina.
Para pedagoga Luci Souza, coordenadora nacional do coletivo Enegrecer, esse novo momento com o boom de vereadoras negras eleitas aquece os corações.
“Vamos ver se a gente colhe os frutos dessa construção, dessa caminhada a partir de agora. A gente sabe que o atual cenário político não é tão favorável a nós, mulheres, sobretudo nós, mulheres negras, mas a gente está transformando a sociedade. Toda vez que uma mulher negra se movimenta, toda estrutura da sociedade se movimenta. A gente vê que a juventude está dando êxito e no próximo ano vamos lutar mais fortes pelas nossos direitos e contra o retrocesso. A gente tem que entender que os movimentos socais têm sido um marco muito importante na transformação da sociedade, para cada vez mais a gente avançar em direitos e conquistas”, acrescentou Luci.
Desafio da desconstrução
O encontro, mediado pela assessora política do Sisejufe, Vera Miranda, contou com a participação de servidoras, diretoras, representantes de base e colegas de outras entidades. Como convidada especial, a servidora da JFRJ Thamyres Macedo avalia o momento com cautela.
“Tenho muita preocupação com essa coisa de ocupar espaços. Não basta simplesmente chegar e ocupar. Minha grande preocupação é a desconstrução do negro porque muitos não estão complemente desconstruídos e quando não estão desconstruídos e começam nesse movimento de ocupação, correm o risco de se tornar uma engrenagem na máquina branca da nossa sociedade estrutura desde sempre”, disse.
Thamyres, que funcionária do Judiciário há mais de 30 anos, fez um desabafo: “Hoje, aos 55 anos, tenho plena consciência de que a minha desconstrução ainda está em andamento. O negro precisa realmente se desconstruir. A gente ainda não aprendeu isso. Somos 54% da população. Se estivéssemos mesmo desconstruídos, já teríamos tomado esse país, mas isso ainda não aconteceu e é um passo que precisa ser dado. Não nos basta ocupar, temos que saber como ocupar”, revelou.
Vera Miranda foi além e alertou que ocupar somente por ocupar não nos serve do ponto de vista de construção do amanhã. “Alguns institutos que foram feitos para fomentar e priorizar as pautas de igualdade de oportunidade, de construir um espaço para a população negra, como o Instituto Palmares, a gente verifica que esse processo não se transformou numa política de estado e sofre uma demolição como não se esperava. Acredito que todos que militaram ou estiveram próximos deste tipo de estrutura não esperavam, assim como não esperavam que a Secretaria de Mulheres virasse também uma produtora de pautas conservadoras” lamentou Vera, acrescentando que é preciso refletir sobre como transformar a potência de ser maioria da população em políticas públicas efetivas.
“Ainda será preciso lutar muito para construir essa sociedade onde todos sejam iguais e as pessoas não sejam julgadas pela cor da sua pele”, concluiu Rosana Fernandes.
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