“Eu só tenho perguntas. As repostas construímos juntos”. Com essa frase, a servidora do TST e especialista em gestão, Ana Claudia Braga Mendonça, provocou inquietação aos servidores que assistiam sua palestra no Encontro Estadual da Justiça do Trabalho, realizado no último sábado (24/08), na antiga sede do Sisejufe, no centro do Rio.
O evento foi conduzido pela coordenadora da Fenajufe e diretora do Sisejufe Lucena Pacheco, que lembrou, na mesa de abertura que a categoria tem sofrido diversos ataques. “E não é só na Justiça do Trabalho, mas para os trabalhadores em geral. O serviço público, com a Emenda Constitucional 95 (Teto de Gastos) teve muito prejuízo. Por isso é importante que a gente esteja aqui discutindo e traçando estratégias para enfrentar os ataques que já sofremos e os que ainda vêm pela frente”, ressaltou a dirigente.
Para o diretor do sindicato Amauri Pinheiro, o momento de construir a unidade é agora. “Essa reunião tem um fato muito especial porque estamos quebrando uma rotina. A gente tem trabalhado exclusivamente na programação do governo. Ele faz algo e a gente reage. Aqui estamos antecipando o debate. O presidente (Bolsonaro) já disse que se houver clima, vai extinguir a Justiça do Trabalho”, alertou.
Amauri lembrou que a Reforma Trabalhista já trouxe impactos ao funcionamento da Justiça do Trabalho, assim como a Resolução 219 – que dispõe sobre a distribuição de servidores de cargos em comissão e de funções de confiança nos órgãos do Poder Judiciário – e a Resolução 63. Esta última, segundo o sindicalista, pode vir a tratar de servidores excedentes, o que representará mais um risco ao funcionalismo. “Ou reagimos já ou podemos ser exterminados. Então, hoje é o marco da construção deste movimento”, acrescentou Amauri, na mesa de abertura, que foi composta ainda pelo coordenador da Fenajufe e diretor do Sisejufe, Ronaldo das Virgens e o presidente do Sindiquinze, José Aristéia (também coordenador da federação). A assessora política do Sisejufe, Vera Miranda, acompanhou as discussões.
RESIGNIFICAR CONCEITOS
A gestora Ana Claudia falou sobre as relações de trabalho e o futuro da JT. Para ela, é preciso resignificar conceitos neste momento de incertezas. “Talvez a gente tenha que mudar para acompanhar os novos tempos. Fake news é um risco. A gente fica consumindo só coisas rasas e não se aprofunda em nada. Temos dificuldade de prever o que vai dar certo daqui a um ano. A gente não tem clareza sobre muitas coisas, por exemplo, o que o servidor quer. Falo do aspecto da gestão de pessoas. O que motiva o servidor a acordar para ir trabalhar? Qual vem sendo a nossa atuação como servidores da JT nesse cenário? Quem é nosso Público? Para quem trabalhamos? Nós trabalhamos para os trabalhadores e não sabemos o que deseja nosso usuário. Esse é o valor do serviço público. É nesse sentido que devemos resignificar nosso trabalho”, apontou.
Ana Claudia diz que é preciso descobrir onde está a liderança. “É nela que podemos buscar apoio e dizer: hei, queremos mudar. Temos que começar a chamar nossos gestores. Parece que eles estão num patamar que não se pode falar com eles. Isso tem que mudar. Podemos sair daqui com as melhores estratégias, mas se a gente não chegar e tocar o coração para esse propósito, vai devorar toda estratégia que a gente traçar”, afirmou.
A servidora do TST chamou os presentes a outra reflexão: “em vez de dialogar, a gente faz uma norma, uma Lei, uma resolução. A gente tem esse ranço. O quanto a gente faz aqui dentro o que reclama que fazem lá de fora conosco? As pessoas ficam na zona de conforto, acomodadas e viram zumbis corporativos. A gente tem que reagir e chamar as pessoas para o protagonismo”, disse.
REVER ESTRATÉGIAS
Para Ana Claudia, é preciso se questionar também em relação às estratégias. “A gente vem usando a mesma estratégia há anos. Não seria a outra de pensar outra estratégia? Erros e fracassos são bons para ver o que não está legal. Nossa estratégia poderia envolver o CNJ? Será que não temos que ouvir os tribunais superiores? Quem é nossa rede de apoio? Pelo que estamos lutando e a que custo estamos lutando por isso? É preciso entregar melhor ao cidadão para que ele perceba que a categoria tem valor. A gente precisa deles lutando junto com a gente”, opina a especialista.
“A gente é uma alma humana tocando outra alma uma alma humana. Temos que pensar e tocar as pessoas e fazer uma onda positiva”, concluiu sua fala.
CENÁRIO PREOCUPANTE
O representante de base do Sisejufe e servidor do TRT-RJ João Victor Albuquerque mostrou como a Emenda Constitucional 95, o fim da estabilidade do servidor público e outras ameaças impactam a Justiça do Trabalho e o Judiciário Federal como um todo. Para o sindicalista, o cenário é dos piores. “Quero alertar para o desmonte da Justiça do Trabalho. O termo é esse mesmo. A EC 95 vem num contexto pós-impeachment de redução do Estado. Ela não é somente o controle dos gastos públicos. A população embarcou numa narrativa midiática de que a Emenda 95 seria importante para controlar os gastos públicos, o que dificultou muito o nosso lado, de explicar que a EC 95 não tem por condão controlar os gastos públicos, mas p grande objetivo é implantar no Brasil o Estado mínimo. A emenda não é uma trava Constitucional que controla gastos. Na verdade, ela reduz a participação dos serviços públicos no orçamento da União. Ela dissocia a relação arrecadação-despesa. O Brasil é o único país que dissocia despesa de receita”, informou João, alertando que a emenda do teto dos gastos pode durar até 20 anos.
João fez um panorama sobre os efeitos da EC 95 na vida do servidor da JT e disse que os efeitos piores ainda estão por vir. Ele explicou que, na questão dos salários, por exemplo, o gasto com pessoal já representa 90% da receita. E que por diversos fatores associados, o contingenciamento dos gastos acabará por inviabilizar na origem a data-base: “ela acaba com o sonho da data-base porque se eu tenho um crescimento vegetativo e acrescentar a inflação, vai estourar a meta”.
“Estamos diante de um contexto de desmonte da JT porque para alguns ela não deveria nem existir. A JT teve cortes e cogitou-se a possibilidade de fechar, mas houve uma recomposição no orçamento adequando as contas. Mesmo assim, para um grupo a ideia é apequenar a Justiça do Trabalho. E há servidores que acham que isso não representa um risco, já que poderiam ser absorvidos pela Justiça Federal. E eu digo: não tem como a JF absorver o pessoal da JT diante de uma eventual extinção, já que ela é infinitamente menor”, garantiu.
FIM DA ESTABILIDADE
Com gráfico detalhados, João Victor abordou ainda temos polêmicos como a redução dos salários diante da redução de jornada e o fim da estabilidade do servidor. “Em relação ao fim da estabilidade, a dúvida é se vai atingir só servidores novos ou também os antigos. O Rodrigo Maia (presidente da Câmara dos Deputados) tem dito que a ideia é atingir só os novos, porém ele disse em entrevista que um ministro do STF teria dito que não teria problema se também atingisse os antigos”, disse.
Diante desse cenário, o representante de base finaliza sua palestra com alguns questionamentos: Sobreviveremos a esses ataques? A JT será extinta? Somos e seremos a última geração de servidores públicos com estabilidade? “É sobre isso que a gente tem que refletir”, disse.
CENÁRIO DE CORTES EM 2020
O presidente do Sindiquinze, José Aristéia, encerrou o debate com o tema “Defesa da JT pelo olhar dos servidores. O dirigente lembra que os ataques à Justiça do Trabalho vieram de forma coordenada e que o custeio vem sendo corroído para dar suporte ao corte orçamentário. “Já bateu à porta para cortar direitos dos servidores, como o custeio de saúde e benefícios em 2020. E a tendência é mexer nas FCs. Caminhamos para esse cenário.
Aristéia contou que a situação de cortes também começa a afetar o dia a dia da administração e do financeiro do seu sindicato. “Vamos mexer nos valores de diária do Sindiquinze”, afirmou.
Para o coordenador da Fenajufe, é preciso reagir e a solução passa pela nossa luta nacional: “que a gente busque colocar no hall das nossas lutas, como prioridade, derrubar a EC 95. E a questão não se limita a Justiça do Trabalho, mas compromete o conjunto do serviço público. A gente é parte deste processo, mas tem que fazer debate com a sociedade para que abracem nossa causa”.
O dirigente ressaltou, ainda: “aqui a gente aponta o problema. A construção da solução vai se dar no tempo. Estamos passando esse processo dentro das instituições. Temos um processo de mudança do fazer acelerado. Vemos instituições ruírem. O serviço público não passará incólume nisso. A visão de ter uma “carreira para me aposentar aqui” não vai mais acontecer. A Fenajufe, em conjunto com a categoria, tem o desafio de se organizar e construir caminhos de enfrentamento capazes de reverter esse quadro que está dado para nós”, concluiu.
O Encontro Nacional dos Servidores da Justiça do Trabalho – aprovado no 10° Congrejufe – vai ocorrer nos dias 26 e 27 de outubro, em Brasília.