“Mesmo para quem esperava o pior não imaginava uma proposta de reforma tão assombrosa”. A avaliação é do assessor jurídico do Sisejufe, Rudi Cassel, que foi convidado para participar da reunião do Coletivo de Técnicos Judiciários (Cotec-RJ), na segunda-feira (21/9). O encontro virtual contou com ampla participação dos membros do coletivo, que puderam esclarecer suas dúvidas sobre os efeitos da Reforma Administrativa (PEC 32/20) nos processos de reestruturação das carreiras e especificamente no cargo de técnico judiciário.
Para Rudi, as propostas da PEC 32 podem representar o retrocesso de um século. “Um tempo em que você tinha feudos políticos que controlavam o provimento de cargos públicos, seja por coronéis ou pelo nome clientelista que se desse àquela época a esses donos do Estado”, diz.
A assessor jurídico do Sisejufe avalia que a reforma do governo Bolsonaro, quando propõe eficiência no serviço público ou melhor gestão pública, tem outros objetivos por trás. “É uma questão de controlar ideologicamente quem será servidor, expressão que vai desaparecer com o tempo”, alerta.
Rudi explicou que, no geral, a PEC traz quatro eixos: um deles tem relação com os princípios do Artigo 37; outro se refere ao que afeta os atuais servidores; o terceiro é relativo ao que será o futuro da seleção de vínculos para trabalhar o Estado no sentido Lato; o último eixo é relativo à especificação orçamentária.
O advogado chama a atenção para o acréscimo de um princípio entre os que já existem no Artigo 37, que são legalidade, cumplicidade, impessoalidade, eficiência e moralidade. “Esses princípios são desdobrados ou recebem outro nome na PEC 32, mas um nome é incluído aos princípios que é a subsidiariedade que, em outras palavras, afirma que a Administração só atuará se a iniciativa privada não der conta ou a Administração não puder fazer de outra maneira. E essa subsidiariedade se vincula preocupantemente com uma alteração do artigo 6º da Constituição para estabelecer um pacto fiscal intergeracional que, no caso de desequilíbrio fiscal, permite criar alterações que violam inclusive direito adquirido”, relata.
Impacto para atuais servidores
A PEC afeta os atuais servidores em vários pontos. “Atinge, por exemplo, servidores que recebem parcelas indenizatórias, como auxílios alimentação, creche e transporte. Essas parcelas deixam de ser pagas em até dois anos depois da PEC se não houver lei fixando valor e os requisitos”. acrescenta.
Rudi diz que a reserva que existe hoje para servidores de carreira no preenchimento das funções comissionadas em cargos em comissão desaparece completamente. “As FCs e CJs são todas transformadas em ‘Cargos de Liderança e Assessoramento’ que reúnem uma gama enorme de atividades gerenciais, técnicas e estratégicas, que poderão ser desempenhados por pessoas sem vínculo com a administração indicadas pelo administrador, governador ou prefeito. Imagine o ‘cabideiro’ que vai voltar a ser a administração pública e quanto algumas empresas poderão ser beneficiadas com o feudo… cada um vai nomear e designar para esses cargos quem quiser”, aponta.
O assessor jurídico informa que a terceirização vai ser a regra. “Não tenho dúvida de que todos os cargos efetivos hoje, se passar essa reforma, entrarão num prazo de médio a curto prazo na definição de cargo em extinção. De que adianta estabilidade se você tem um cargo em extinção”, indaga.
Rudi diz ainda que a avaliação de desempenho poderá ser regulamentada por Lei Ordinária e a demissão por insuficiência na avaliação de desempenho poderá atingir os estáveis. “Isso será feito por essas pessoas de cargos de liderança e assessoramento, provavelmente pela gestão que vai te avaliar e vai dizer se você tem perfil ideológico, de estilo de vida, de afetividade que importe a quem está ali te avaliando. E não há dúvida no cenário de hoje o que isso significa. Tudo que for diferente não será admitido”, afirma.
Outra questão destacada é que os novos servidores serão parâmetro para futuros benefícios aos atuais servidores. Sobre a extinção de cargos de nível médio, Rudi explica: “rejeitar essa reforma é a única coisa que pode evitar que aconteça isso para todos. Não há outro objetivo nessa reforma. Ela vem para extinguir praticamente tudo que se conhece por serviço no cargo efetivo. Mas se vier em etapas, de fato o nível médio será o primeiro a entrar em cargo de extinção”.
Avaliação política
Também presente na reunião, o assessor parlamentar do Sisejufe, Alexandre Marques, opina que a PEC é de fato preocupante. “Para passar a Reforma da Previdência em 2019 e para barrar alguns processos de impeachment, o Centrão fez o toma lá dá cá e hoje já tem o controle de grande parte de verbas do orçamento da União. O Rodrigo Maia (presidente da Câmara) deve pautar na próxima semana o PLC 53, que autoriza a instalação da PEC 32 na CCJ. “Essa é nossa batalha agora: não instalar na CCJ. Se não instalar, não aprecia, em princípio, a proposta de reforma. A oposição não concordou em abreviar o rito. Tem que passar pela CCJ e pela Comissão Especial para depois ir a plenário. Como é quórum simples, infelizmente, é bem fácil de aprovar, mas temos que pressionar para não aprovar na CCJ”, enfatiza Marques.
O assessor do sindicato diz que é urgente mobilizar os parlamentares. Alexandre sugere como estratégia também buscar apoio contra a PEC nos deputados e senadores que são servidores públicos. “Temos uma gama de parlamentares que se enquadra neste perfil e temos que buscá-los para não aprovar, deixar para ser apreciada quando tiver votação presencial e buscar votos para derrubar. Temos hoje 120 votos no Congresso Nacional. Temos que chegar a 171 votos, mas 180 é o mais seguro. Buscar 60 votos para derrotar no primeiro turno. O momento é de barrar a tramitação dela durante a pandemia”, alerta.
A diretora do Sisejufe Soraia Marca reforçou que o Movimento do NS deve focar as suas energias para combater de forma integral a reforma. “Temos que nos inserir nessa luta como NS”, afirmou.
A representante de base Raquel Albano lamentou o cenário que foi apresentado. “Isso não é nada bom. Não só para os técnicos, mas para todos da nossa carreira do Poder Judiciário. Temos que nos unir mais”, avaliou.
A diretora do Sisejufe e coordenadora da Fenajufe, Lucena Pacheco, lembra que esse é mais um dos ataques que vêm atingindo os servidores públicos e trabalhadores de uma forma geral nos últimos tempos. “É uma sequência histórica, um processo único liberal que visa acabar com os serviços públicos”, disse a dirigente sindical, acrescentando que a federação e o Sisejufe têm realizado movimentos na área de comunicação para fazer chegar as mensagens ao conjunto do funcionalismo.
“A Fenajufe aderiu à quatro campanhas, entre elas a da Frente Parlamentar Mista, tanto para dialogar com a população quanto para dentro da categoria. Temos que acordar os servidores que ainda não perceberam os danos que essa reforma pode causar”, acrescentou Lucena.
Ao fim da reunião, Soraia Marca lembrou que a principal estratégia neste momento de pandemia é a atuação nas mídias sociais e fez um apelo: “é bom lembrar que tivemos presidente eleito nas redes sociais. Temos que ganhar essa luta nas redes. É importante que nós todos estejamos engajados, ajudando a compartilhar as postagens, dar deslikes nas lives de pessoas que são a favor da reforma. Temos que nos unir, levar a sério essa tarefa. Não é só nosso cargo que está correndo risco de ser extinto. É o serviço público como a gente conhece hoje. O sindicato não faz milagres. Precisamos de vocês, servidores, nos ajudando a vencer essa luta”, conclamou.