A jornalista Mônica Bergamo revela, em sua coluna na Folha de São Paulo, que o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou que procuradores que atuaram na Operação Lava Jato devolvam os recursos de diárias e viagens que receberam quando trabalhavam na força-tarefa que investigou desvios na Petrobras. O texto aponta que o ministro Bruno Dantas, relator da tomada de contas especial, concluiu que houve prejuízo ao erário público e violação ao princípio da impessoalidade, com a adoção de um modelo “benéfico e rentável” aos integrantes da força-tarefa.
Cinco procuradores devem ser citados para que devolvam o dinheiro.
Fazem parte da lista, segundo a colunista, Antonio Carlos Welter, que recebeu R$ 506 mil em diárias e R$ 186 mil em passagens, Carlos Fernando dos Santos Lima, que recebeu R$ 361 mil em diárias e R$ 88 mil em passagens, Diogo Castor de Mattos, com R$ 387 mil em diárias, Januário Paludo, com R$ 391 mil em diárias e R$ 87 mil em passagens, e Orlando Martello Junior, que recebeu R$ 461 mil em diárias e R$ 90 mil em passagens.
O ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que comandava o Ministério Público Federal na época da Lava Jato, também será citado para devolver recursos solidariamente.
Já Deltan Dallagnol, que coordenava a força-tarefa de Curitiba, será citado para devolver solidariamente recursos aos cofres públicos por ter supostamente idealizado o modelo de trabalho do grupo de procuradores da operação.
Se condenados de forma definitiva, os procuradores e ex-procuradores ficarão inelegíveis —o que pode atrapalhar os planos de Dallagnol e de Janot, que já estariam conversando com o partido Podemos para participar das próximas eleições.
Na semana passada, Dallagnol anunciou que estava deixando o MPF para fazer “mais” e “melhor” e evitar o “desmonte do combate à corrupção que está acontecendo”.
Os procuradores citados ainda podem apresentar defesa para tentar evitar o ressarcimento. A investigação do TCU foi aberta depois de representação do subprocurador-geral do Ministério Público junto ao TCU, Lucas Furtado, e de parlamentares que questionavam os gastos com diárias e passagens da Operação Lava Jato.
O TCU concluiu que o modelo de funcionamento adotado pela força-tarefa, em que os procuradores não foram removidos para Curitiba, passando a morar na cidade, e por isso recebiam diárias e gastavam passagens todas as vezes em que se deslocavam para a capital paranaense, “não representou o menor custo possível para a sociedade brasileira”.
Ao mesmo tempo, segue o subprocurador-geral, “resultou em interessante ‘rendimento extra’ em favor dos beneficiários, a par dos elevados valores das diárias percebidas”.
Ao acatar os argumentos, o ministro Bruno Dantas afirmou que o modelo de funcionamento da força-tarefa, com o deslocamento constante de procuradores para Curitiba, “não representou o menor custo possível para a sociedade brasileira. Ao contrário, garantia aos procuradores participantes o auferimento de vultosas somas a título de diárias, sem que tenham sido minimamente analisadas alternativas mais interessantes sob a perspectiva do Estado”.
“O modelo ora impugnado envolveu a escolha de procuradores e o pagamento reiterado e ilimitado de diárias e passagens àqueles que, porventura, não residiam em Curitiba. Esse modelo viabilizou uma indústria de pagamento de diárias e passagens a certos procuradores escolhidos a dedo, o que é absolutamente incompatível com as regras que disciplinam o serviço público brasileiro”, escreveu ele na decisão.
Dantas afirma ainda que o modelo de gestão adotado “se amolda com perfeição às palavras precisas do ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso, em artigo publicado no jornal O Globo: `A face negativa do jeitinho é bem conhecida de todos nós. Ela envolve a pessoalização das relações, para o fim de criar regras particulares para si, flexibilizando ou quebrando normas que deveriam se aplicar a todos. Esse pacote inclui o improviso, a colocação do sentimento pessoal ou das relações pessoais acima do dever e uma certa cultura da desigualdade que ainda caracteriza a vida brasileira'”.
Segundo Bruno Dantas, os procuradores descobriram “uma possibilidade de aumentar seus ganhos privados e favorecer agentes amigos, no âmbito da atividade funcional de combate à corrupção, admitindo-se como práticas naturais o patrimonialismo, a personalização e a pessoalidade das relações administrativas”.
O ministro diz ainda que “sob a ótica da economicidade, afigura-se claramente antieconômica e condenável a escolha por um modelo de gestão que, não obstante interessante para os agentes envolvidos [os procuradores da Lava Jato que recebiam as diárias], caracterizava-se por ser mais onerosa ao erário”.
Segundo Dantas, “o modelo de gestão escolhido deliberadamente pela alta administração da Procuradoria-Geral da República [comandada por Rodrigo Janot] adotou como regra a ser executada ao longo dos anos uma prática concebida para ser excepcional e limitada no tempo e no espaço exatamente porque é muito onerosa aos cofres públicos”.
O ministro diz ainda que “faltaram estudos que avaliassem outras alternativas e demonstrassem tecnicamente que esse modelo de gestão era o que melhor atendia ao interesse público, quando considerados tanto a finalidade que se pretendia alcançar quanto o elevado dispêndio de recursos envolvido”.
O relator conclui que houve, portanto, “ofensas ao princípio da impessoalidade, tanto na opção pelo modelo mais benéfico e rentável aos participantes quanto na falta de critérios técnicos que justificassem a escolha de quais procuradores integrariam a operação”.
No despacho, ele determina que seja feita análise específica do “papel do procurador Deltan Martinazzo Dallagnol, que era conhecido como coordenador da força-tarefa e era o procurador natural do caso [Lava Jato]”.
O ministro rebateu também o argumento de que o modelo adotado era questão interna do Ministério Público Federal e que se justificava pelos resultados da Operação Lava Jato.
Segundo ele, o TCU considera “irregular a conduta praticada no âmbito do poder discricionário que venha a se mostrar ineficiente ou antieconômica, bem como os gastos excessivos que sejam realizados de forma desarrazoada”.
O ministro afirma ainda que “o ato discricionário não é infenso a controle, nem pode escapar da observância das regras e princípios que regem a atividade administrativa de modo geral. A escolha de um órgão público deve se pautar, necessariamente, pelos princípios administrativos, dentre eles, o da motivação, o da economicidade, o da razoabilidade e o da impessoalidade”.
Fonte: Folha de São Paulo. Reportagem está disponível neste link.