Em 2016, uma estagiária de um tribunal de Justiça foi hostilizada por uma magistrada que, diante de uma falha, chamou-a de incompetente e lhe impôs uma punição vexatória, durante uma sessão pública da corte. A brutalidade do episódio deu início a uma severa depressão acompanhada de ideias suicidas, que levou a jovem a abandonar não apenas o estágio como a faculdade de Direito. Para melhorar a compreensão do que são esse e outros tipos de assédio e garantir um ambiente saudável de trabalho nos órgãos do Poder Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lança uma cartilha didática sobre o tema.
Combater o assédio moral na Justiça é uma das ações do CNJ no sentido de garantir um ambiente saudável de trabalho, podendo, inclusive, repercutir positivamente na redução da incidência de ansiedade, depressão e até mesmo pensamentos ou atos suicidas entre a força de trabalho do Poder Judiciário brasileiro. Nesse sentido, o conteúdo do manual – lançado no mês de visibilização e prevenção do suicídio (Setembro Amarelo) – traz conceitos e exemplos de casos práticos para situar todas as pessoas que atuam na Justiça sobre essas situações, que podem causar sofrimento mental e físico de muitos trabalhadores.
Na avaliação da coordenadora do Comitê de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral e do Assédio Sexual e da Discriminação no Poder Judiciário do CNJ, conselheira Tânia Reckziegel, o Poder Judiciário, enquanto instituição responsável pela pacificação social, precisa garantir o bem-estar e a dignidade de seus atores internos. “Afinal, é em razão do trabalho diário dessas milhares de pessoas que conseguimos entregar a tutela jurisdicional almejada. Um ambiente de trabalho saudável e seguro, que valoriza os seus profissionais, constitui ferramenta motriz de efetividade.”
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o suicídio é a segunda causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos no mundo e a maioria dos casos poderia ser evitada se as razões do pensamento suicida fossem identificadas e, naturalmente, estabelecidas medidas que contribuíssem para reduzir o impacto do problema.
Com o objetivo principal de garantir a saúde física e psíquica no ambiente do Judiciário, não exclusivamente no aspecto de combater o suicídio, mas de qualquer mal relativo ao assédio e discriminação, o CNJ editou a Resolução n. 351/2020, que institui a Política de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral, do Assédio Sexual e da Discriminação no âmbito do Poder Judiciário.
Estímulo ao combate
O estabelecimento de espaços destinados a orientar aqueles que sofrem em ambientes corporativos ou institucionais contribui para que casos de assédios sejam denunciados e solucionados devidamente. Para garantir a promoção dessas ações, o CNJ criou um comitê central de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral e do Assédio Sexual e da Discriminação no Poder Judiciário para supervisionar a atuação das comissões regionais, de acordo com a Portaria CNJ nº 299/2020. “É essencial instituir e divulgar materiais de conscientização sobre o assédio e a discriminação, como a cartilha que apresentamos, pois constitui mecanismo de prevenção para um ambiente salutar”, reforça a conselheira Tânia.
Para Meyse Reis Meira, colaboradora terceirizada do CNJ e integrante do Comitê no CNJ, o manual será uma importante ferramenta na compreensão do problema e em sua visibilidade. “Trata-se de um assunto tão importante, que se faz necessária a constante orientação e divulgação dos meios que possibilitem segurança da denúncia do assédio moral e sexual.”
Entre as informações contidas na cartilha está a previsão de que os comitês recebam as denúncias de assédio e de discriminação cometidas presencialmente ou por meios virtuais contra trabalhadores e trabalhadoras do Judiciário, inclusive em estágio, aprendizes, prestadores e prestadoras de serviço e pessoas voluntários e colaboradoras. Com isso, casos como o da estagiária em 2016 poderão ser melhor enfrentados, lançando luz sobre as dificuldades emocionais pelas quais passou a partir de denúncia formal aos órgãos competentes.
“A política judiciária, apoiada pelo lançamento desta cartilha, é voltada para a prevenção, evitando que esses casos ocorram. Mas, ocorrendo, a Resolução CNJ nº 351/2020 prevê a instituição de canal permanente de acolhimento, suporte e acompanhamento da pessoa afetada por situação de assédio ou discriminação”, detalha a conselheira Tânia.
Setembro Amarelo
A Política de Prevenção ao Assédio está em consonância com o pacto pela implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), que inclui o apoio e o respeito à proteção de direitos humanos reconhecidos internacionalmente, como a Convenção Interamericana sobre Toda Forma de Discriminação e Intolerância; a Convenção Interamericana Contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância; a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher; a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, a Convenção no 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e os Princípios de Yogyakarta.
A campanha Setembro Amarelo foi instituída em 2003 pela a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a cor amarela traz referência a cor de um carro (Mustang 68) de um jovem de 17 anos que cometeu suicídio, em 1994, nos EUA. Conhecido pela sua habilidade mecânica e seu jeito afetuoso, Mike Emme não deu sinais a família, nem aos amigos, de que estava em depressão ou que pretendia tirar a própria vida. No Brasil, o Setembro Amarelo ganhou mais visibilidade em 2015. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), quase 97% dos suicídios estão relacionados a transtornos ou sofrimentos mentais. A principal delas é a depressão, seguida de transtorno bipolar.
Fonte: Agência CNJ de Notícias