Por trás de toda autoridade truculenta, há um marginal disfarçado
Eram os anos 70, os anos de chumbo. De acordo com a
legislação " revolucionária" ( ou golpista ), o governo federal podia cassar
as prerrogativas de quaisquer autoridades públicas, incluindo juízes e
promotores. O arbítrio era total. As Forças Armadas mandavam e desmandavam.
E não havia poder no país que dissesse o contrário.
Em 1969 foi criada a OBAN ( operação bandeirantes ). Era
um projeto de combate às organizações subversivas. Paralelamente a ela,
surgiram outras organizações paralelas de policiais corruptos chamadas de "
esquadrões da morte".
De qualquer forma, os policiais eram também " caça" e
muitos perderam as vidas em confronto com guerrilheiros. Por seu turno,
policiais eram também vítimas da repressão política.
No início dos anos 70, o DOI-CODI( órgão criado a partir
da experiência bem sucedida da OBAN ) matou sob torturas o tenente da PM
Ferreira de Almeida. Do mesmo modo, expulsou da corporação Waldemar
Delecródio por que na adolescência particpara do PCB! Lembrando, que nessa
época a PM também era dirigida por militares do Exército.
Esse sistema de inquisição na PM gerou o clima do
"politicamente correto ". Quem quisesse subir na carreira tinha que rezar na
cartilha do governo. Pode até se dizer que, o espírito de corpo e a figura
do funcionário " sem rosto" e " sem pensamento " foi criado nos anos de
chumbo.
Nesse contexto como era a Justiça?
A Justiça comum era omissa. A militar, francamente
protetora do regime.
No TJ de São Paulo havia um verdadeiro clima de
proteção aos membros do esquadrão, principalmente ao delegado Sérgio Fleury
– o maior de todos os homens da repressão. Vejamos então quem era quem que
atuava na Justiça:
_ Hélio Tornagui – Grande doutrinador do direito penal
brasileiro. Foi apoiador fanático do regime militar e da pena de morte
durante aqueles anos;
__ Durval Ayrton Moura – Procurador militar que somente
dava forma ao que já fora previamente deliberado entre os homens que
capturavam subversivos. Portanto, ligado ao regime;
__ Nelson da SIlva Machado – Juiz auditor da Justiça
Militar que só endossava o que Durval dizia;
__ Xavier de Albuquerque – Procurador -Geral da
República que tentou em abril de 1971 conseguir um habeas corpus em favor de
Fleury no STF, sob pretextos burocráticos. O STF dividiu-se e manteve a
única prisão de Fleury. Xavier queria anular o processo de Fleury para que
ele fosse julgado na Justiça Militar onde seria certamente absolvido;
__ Ítalo Bustamant – Pode ser considerado como a maior
vergonha do MP no Brasil. Foi testemunha de defesa de Fleury nos processos
do esquadrão, omitindo informações sobre suas investigações que poderiam
incriminar o delegado, sob a justificativa de sigilo de informações. Por
outro lado, derramou-se em elogios a Fleury com base nessas mesmas
informações que considerou sigilosas;
___ José Carlos Ferreira – Desembargador Corregedor do
TJ de São Paulo. Depois de receber ofício do II Exército que tentava minar a
autoridade do juiz da Vara de Execuções Penais da Capital, com pretensas
acusações de que ele coagia PMs em quartéis, para prestarem depoimentos
contra o Esquadrão, disse ao referido juiz que se o governo cassasse suas
prerrogativas de magistrado, o corregedor sequer poderia mobilizar os
magistrados para defendê-lo! Na verdade, a acusação visava proteger Sérgio
Fleury que estava sendo acuado, pouco a pouco;
___ Cantídio Sampaio – Depois de o governo e seus
asseclas perceberem que o cerco estava se fechando contra Fleury, com
diversas acusações de homicídios por conta do esquadrão, orientou o deputado
federal Cantídio, a propor a famigerada "Lei Fleury", que livrou o delegado
de possíveis prisões provisórias decorrentes de pronúncias em processos do
Júri. Portanto, a lei veio salvar o maior facínora do regime militar. Foi o
ato final da farsa em seu favor;
___ João Batista Santana – Procurador da Justiça
Estadual de São Paulo que temendo uma investida do governo contra o MP, "
sugeriu" ao promotor Hélio Bicudo, que acusava Fleury, a maneirar um pouco;
___ Romeu Tuma – O hoje senador pelo PFL de São Paulo nos
anos de chumbo era chefe do serviço secreto do DOPS paulista. Contra ele não
recaem acusações de tortura e assassinatos, mas de dar cobertura aos
torturadores. De acordo com denúncias, Tuma era o responsável por achar um "
coveiro" competente para os subversivos mortos nos quartéis. Encontrou-o na
pessoa do delegado Cintra Bueno, vulgo " porquinho". Portanto, Tuma sabe de
muitos e muitos desaparecidos;
___ Mariel Maryscotte – membro da elite da polícia do Rio
conhecida como " homens de ouro". Depois de alguns anos, foi realmente
descoberto do que era capaz o tal "homem de ouro", ou seja: era membro do
esquadrão da morte do Rio e associou-se a bandidos depois de sua expulsão da
polícia.
___ Hely Lopes Meireles – O tão decantado doutrinador de
direito administrativo, foi secretário de segurança no Estado de São Paulo
durante os anos de chumbo. Foi fundador da OBAN e encobriu o quanto pôde os
crimes do esquadrão. Seu papel era a de dar uma cobertura legal a todo o
esquema.
Por outro lado…
__Márico José de Moraes – Juiz Federal de São Paulo que,
em pleno AI-5, condenou a União a pagar danos morais pela morte do
jornalista Vladimir Herzog em 1975;
___ João Abrão – Senador pelo MDB que em julho de 1971
foi denunciado junto à auditoria militar de Brasília por ter pronunciado um
discurso contra o regime militar na sessão de 31 de março convocada para
comemorar o aniversário do golpe.
___ Antônio Alves Braga – Desembargador do TJ de São
Paulo que reformando sentença de impronúncia em favor de Fleury, mandou-o
pela única vez para a prisão. Consta que o desembargador na festa de
aniversário de sua irmã, ao ser interpelado em público pelo Gen. de Brigada
Knaack de Souza, da 11ª Brigada de Infantaria Blindada, para censurá-lo pela
decisão contra Fleury, dizendo que o presidente Médici não havia gostado da
decisão, respondeu ao general que não estava na magistratura para agradar a
ninguém, nem a ele general nem ao presidente Médici, reduzindo assim o
general a pó.
___ Alberto Marino Júnior e Hélio Bicudo – O primeiro
promotor, o segundo procurador de Justiça de São Paulo. Foram as principais
estrelas daqueles tempos nos processos contra o esquadrão. Tornando-se
incômodos foram forçados a sair do caso " esquadrão" . Hélio Bicudo é hoje
figura conhecida no PT;
____ Marcello Duarte de Oliveira – Padre, conhecido de
Fleury desde a infância. Utilizou-se dessa amizade para penentrar nos
presídios paulistas e verificar as condições de vida dos presos. Pôde assim
ter conhecimento das matanças promovidas por Fleury e do sumiço de vários
presos. Depois de desconfiarem de sua atuação nada religiosoa, o padre
refugiou-se na casa de uma autoridade eclesiástica de São Paulo e ali contou
tudo o que sabia a promotores e juízes. Contou inclusive que tinha uma grade
com o nome dos presos e os que foram fuzilados pelo esquadrão. Levando tal
informação ao secretário de segurança HELY LOPES MEIRELES foi ameaçado por
este.
Os membros dos esquadrões não só matavam subversivos e
marginais comuns, mas eram partícipes de vários crimes, dando cobertura a
uma quadrilha em detrimento de outras. Agiam por pura busca de lucro, tanto
por dentro quanto por fora do sistema legal. Em verdade, toda e qualquer
quadrilha para viver um tempo relativamente longo, precisa da cobertura de
policiais e autoridades.
Por trás de toda autoridade ou policial violento e
moralista, há sempre um marginal disfarçado.
Moral da história: Por trás de toda autoridade violenta
e moralista há sempre um marginal disfarçado.
David