Em sua coluna no UOL, o jornalista Chico Alves relata como servidores resistiram aos desmandos de Bolsonaro, em nome da democracia e da soberania. Sob o comando de um chanceler delirante e sua trupe não menos ensandecida, diplomatas do Itamaraty não demoraram a perceber que o governo de Jair Bolsonaro pretendia destruir qualquer resquício de política externa brasileira. Na oposição a inimigos fictícios, como os tais “globalistas”, Ernesto Araújo se empenhou para ir na contramão das boas práticas diplomáticas, com o objetivo declarado de tornar o Brasil um pária.
Diante dessa iminente catástrofe, vários servidores de carreira resolveram agir para manter a tradição de excelência da diplomacia brasileira. Reportagem de Jamil Chade, publicada hoje no UOL, revela que eles se organizaram para neutralizar o desmonte da credibilidade internacional que o país construiu ao longo de muitas décadas.
Atos ilegais ou eticamente condenáveis, como a oposição a políticas que citassem a palavra “gênero” e de viés ideológico de extrema direita, foram boicotados, driblando o monitoramento e a perseguição da equipe de Araújo aos embaixadores que cumpriam suas tarefas conforme as tradições do Itamaraty.
A lógica da resistência é simples: a diplomacia é uma carreira que serve ao Estado e não a um governo.
Com esse mesmo raciocínio, vários outros servidores públicos, das mais diversas áreas, lutaram em todo o país contra o desgoverno de Bolsonaro.
Foram visíveis, por exemplo, os ataques da equipe bolsonarista que comandava o Ministério da Educação ao conteúdo do Enem. A ideia, segundo anunciou Bolsonaro, era tirar a marca “esquerdista” do exame.
Chegou-se a comentar que o presidente queria ver as questões antes de a prova ser aplicada. Não conseguiu.
No último vestibular aplicado sob sua gestão, Bolsonaro teve que engolir um tema de redação proposto aos candidatos que certamente deve ter considerado indigesto: “Desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil”.
Também a ciência brasileira brilhou em meio à pandemia, mesmo sob um governo com tantos negacionistas. Em parceria com os chineses, o Instituto Butantan produziu vacina em tempo recorde; a Fiocruz botou na rua as doses necessárias de AstraZeneca; a Anvisa resistiu bravamente aos ataques do presidente e de políticos bolsonaristas, que pretendiam aparelhar a agência.
Mesmo com muito menos recursos e pessoal, fiscais do Ibama e agentes da Polícia Federal continuaram a lutar contra desmatadores e garimpeiros ilegais na Amazônia, para desespero de Bolsonaro e dos ministros que comandaram a pasta do Meio Ambiente.
Esses são apenas exemplos pontuais da resistência que ocorreu em vários outros setores da administração pública brasileira, em oposição ao descalabro de um mandato que teve como prioridade a implosão das políticas públicas.
Àqueles que questionarem se esses funcionários públicos não podem ser considerados traidores, por desobedecerem ao governo, a resposta é simples: até mesmo na caserna, onde a disciplina e a hierarquia são pilares, ordem absurda não se cumpre.
A verdadeira traição é do governante que se colocou contra os preceitos civilizatórios mais básicos durante seu mandato.
Entre o presidente desqualificado e o povo brasileiro, os servidores fizeram muito bem em escolher ficar ao lado de seus compatriotas.
Fonte: UOL Notícias