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Sindicato dos Servidores das Justiças Federais no estado do Rio de Janeiro - Telefone: (21) 2215-2443

NADA DOCE LAR – Lei Maria da Penha completa 12 anos

O Dossiê Mulher 2018 traz números assustadores: foram classificados como violência domiciliar e familiar, no ano passado, 15,5% dos homicídios com intenção de matar, 36,2% dos estupros e 65,5% das lesões corporais. Um nada doce lar, já que os agressores não são monstros, mas pais, maridos, irmãos ou vizinhos, provenientes de todas as classes sociais. Para falar sobre isso, a OAB Mulher do Rio de Janeiro promoveu uma roda de conversa sobre violência de gênero, marcando os 12 anos da Lei 11.340/2006, conhecida como Maria da Penha.

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A mediação do encontro, realizado na última segunda-feira (27/8), no Plenário Evandro Lins e Silva, foi feita pela coordenadora do Grupo de Trabalho de Enfrentamento à Violência de Gênero da OAB/RJ, Rebeca Servaes. A Lei Maria de Penha é considerada pela ONU a terceira melhor do mundo em relação à defesa dos direitos das mulheres. Desde sua sanção, em 2006, taxa de homicídios contra mulheres praticados dentro das residências das vítimas caiu cerca de 10%. “É uma vitória de fato, mas ainda temos muitos obstáculos”, observou.

Marisa Gaudio OAB-RJ

A presidente da OAB Mulher, Marisa Gaudio, acredita que o número de casos deve ser ainda maior

E o número de casos pode ser ainda muito maior. “Existem muitas razões para as mulheres não denunciarem a violência sofrida, seja por medo da retaliação, por vergonha, descrença na Justiça, questão financeira, filhos, enfim. Não cabe mais aquela expressão horrível mulher de malandro”, criticou a presidente da OAB Mulher, Marisa Gaudio, ao participar da mesa de abertura.

Recomendação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos ameaçada pelo Programa Escola Sem Partido

Não é por acaso que a lei que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher leva o nome de Maria da Penha. O tiro que a deixou paraplégica foi dado enquanto dormia, em 1983. “Seu marido alegou uma tentativa de assalto à residência”, relatou a advogada Marilha Boldt, gerente da página Superação da Violência Doméstica no Facebook . Como se não bastasse, após a farmacêutica sair do hospital ele tentou eletrocutá-la. Maria da Penha só conseguiu voltar para a casa dos pais e ficar em segurança após uma ordem judicial, enquanto ele viajava.

Após o caso ter sido julgado duas vezes (mais de 10 anos depois do fato) e, devido alegações da defesa de que haveria irregularidades, o processo continuou em aberto por alguns anos. Às vésperas de prescrever, o Centro pela Justiça pelo Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem), juntamente com a vítima, formalizaram uma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA), ocasião em que o Brasil foi condenado por não dispor de mecanismos suficientes e eficientes para proibir a prática de violência doméstica contra a mulher, sendo acusado de negligência, omissão e tolerância. “Mesmo assim, o marido da vítima ficou efetivamente preso apenas dois anos”, lamentou a advogada.

O relatório da CIDH aponta que o Brasil ainda não cumpriu todas as recomendações da OEA. Faltam formas alternativas às judiciais efetivas para a solução de conflitos intrafamiliares, multiplicar o número de delegacias especializadas e incluir a importância do respeito à mulher e a seus direitos nos planos pedagógicos das escolas.

Essa última medida está ameaçada pelo Programa Escola Sem Partido. Entre os artigos do projeto, há a determinação de que o poder público vede, especialmente, “a aplicação dos postulados da teoria ou ideologia de gênero”, ou seja: o debate sobre a violência contra a mulher estaria vedado.

Débora Rodrigues, delegada titular da Delegacia de Atendimento à Mulher/Deam-Rio (Centro) falou sobre o trabalho que está sendo feito nas escolas em turmas de oitavos e nonos anos. “As meninas não enxergam um puxão de cabelo como violência.” Débora alerta ainda para o assédio no ambiente de trabalho e o estupro marital, que tem recebido as primeiras denúncias. A delegada esclareceu que Deam trabalha, na verdade, com a violência de gênero, ou seja, incluindo trans e travestis, um dos principais grupos vítimas de crimes de ódio e de extrema crueldade.

Este ano, um dos casos mais emblemáticos foi o da estudante não binária de Artes Visuais Matheusa Passarelli, de 21 anos. Ela teria sido cruelmente queimada por traficantes após sair do trabalho em Quintino, Zona Norte do Rio de Janeiro. A pouca idade da vítima e a forma brutal com que Matheusa foi assassinada são um retrato fiel de um dado impactante: a expectativa de vida da população transgênera no Brasil é de 35 anos.

Danielle Souza editada

Para as mulheres negras, o índice de femicídio vem aumentando, denuncia Danielle Souza, vice-presidente da OAB Mulher/Campo Grande

Tem que meter a colher

Em 2017, duas em cada três mulheres vítimas de homicídio doloso no estado foram mulheres negras. “Enquanto o índice de feminicídio diminui entre as mulheres brancas, entre as mulheres negras o número cresceu”, revelou Danielle Souza, vice-presidente da OAB Mulher da Subseção de Campo Grande. Para a advogada, “tem que meter a colher”, pois quem não presta socorro, também se torna responsável pela violência.

A prefeitura do Rio de Janeiro sancionou nessa terça-feira a lei, de autoria da vereadora Marielle Franco, que inclui o Dia da Tereza de Benguela e da Mulher Negra no calendário oficial da cidade. A data passa a ser comemorada anualmente, em 25 de julho. No projeto de lei, Marielle Franco justificou que celebrar o dia de Tereza de Benguela (líder quilombola) é reconhecer institucionalmente a importância dela e das mulheres negras como agentes da luta pela liberdade e pelos direitos humanos.

 A vereadora negra e lésbica foi assassinada a tiros no Rio, com seu motorista Anderson Gomes, no dia 16 de março. Nessa semana, a Divisão de Homicídios anunciou avanços na investigação e apontou que a motivação foi política.

Violência está em todos os níveis sociais e educacionais

A promotora do I Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, Carla Araújo destacou que as medidas protetivas são fundamentais para garantir a paz da família e alertou: quando a vítima não pede renovação após 90 dias, as autoridades devem redobrar a atenção, pois a situação pode estar ainda pior do que quando a denúncia foi feita, como em situações de cárcere privado.

Na capital fluminense, homens enquadrados na Maria da Penha frequentam encontros reflexivos que visam conscientizar esses agressores de que essas práticas de violência não são naturais. Carla ressaltou que o problema está em todas as classes sociais e independe do nível educacional. E que todas as mulheres devem utilizar todos os espaços para educar os homens, seja em casa ou no trabalho. “Meu filho já sabe o que é manterrupting”, prática de interromper constantemente uma mulher, de maneira desnecessária, não permitindo que ela consiga concluir suas ideias.

Outra preocupação da promotora é que o sistema de acolhimento não seja mais um local de constrangimento. “É preciso respeitar seu direito à desistência, suas dúvidas, seus silêncios.” Na cidade do Rio de Janeiro, a constituição da rede para receber as mulheres vítimas de violência vem avançando, integrando assistência social, justiça, segurança pública e sistema de saúde.

 

Com informações do Instituto de Segurança Pública (ISP) e da Tribuna do Advogado/OAB/RJ

Fotos: OAB/RJ

Infográfico: Dossiê Mulher 2018

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