Por Lucena Pacheco Martins*
Sob uma perspectiva histórica, a organização da família e do trabalho se baseiam em modelos impostos pelo capital, que no Brasil significa dizer que está relacionado a uma sociedade patriarcal e racista estabelecida durante a colonização. E é neste cenário que se constrói a luta feminista entre nós, onde a violência contra as mulheres será o foco central. A virada do milênio, em seus primeiros meses, trouxe a consolidação da luta feminista no mundo. A busca pela unicidade se transformou na Marcha Mundial de Mulheres (MMM). Um movimento que possibilitou a participação de todas as mulheres de qualquer condição social e em qualquer lugar do mundo e que traçou como eixos o combate a pobreza e a violência contra a mulher. Seu principal lema é “CONTINUAREMOS EM MARCHA ATÉ QUE TODAS SEJAMOS LIVRES”.
A MMM é um movimento feminista que está presente em dezenas de países. Em março de 2000, as mulheres de mais de 150 países, das mais diversas organizações no mundo, fizeram uma grande mobilização que culminou com a entrega de um documento com 17 pontos de reivindicações à ONU. A Marcha é formada por variados movimentos feministas, que buscam a unicidade em pautas comuns. Mulheres de diferentes setores se conectam para debater e estabelecer ações conjuntas. Esse objetivo fica evidenciado em uma das canções que são entoadas pelas mulheres da MMM:
“Companheira me ajude,
Que eu não posso andar só.
Eu sozinha ando bem,
Mas com você ando melhor”.
A MMM recebe todas as mulheres igualmente. Todas são importantes e respeitadas, sejam estudantes, cientistas, domésticas, donas de casa, trabalhadoras urbanas e rurais, negras, brancas, indígenas, heterossexuais, LGBT, todas estão integradas na luta. A simplicidade é a marca da MMM, que é um espaço de participação coletiva que promove espaços de debates, construindo seminários, oficinas e rodas de conversa de ajuda mutua para fortalecer as mulheres para o enfrentamento do dia a dia. É um espaço de auto-organização das mulheres.
A oficina da batucada é um espaço de acolhimento e reflexão sobre as expectativas de direitos as lutas diárias de toda mulher no trabalho, no lar e na sociedade, além de simbolizar novas práticas que oportunizem a inserção de todas, sem que tenhamos que nos inserir, necessariamente, na cultural musical machista e preconceituosa que está dada a sociedade. Nessa oficina as mulheres confeccionam seus instrumentos reciclando materiais. Normalmente, latas de tinta, cabos de vassoura, tecidos são utilizados para confeccionar as latas da bateria. Aqui latas de tinta são de coradas com tecidos e tinta e para bater, os cabos de vassouras cortados em pequenos pedaços, são usados como baquetas. A batucada está presente em todas as atividades que a MMM participa.
Mas onde se insere a Marcha Mundial das Mulheres no movimento sindical? Para responder a essa pergunta precisamos discorrer sobre o que é o movimento sindical e sua responsabilidade em tratar das minorias que estão inseridas no contexto geral dos trabalhadores e das trabalhadoras.
Os sindicatos são espaços de representação de trabalhadoras e trabalhadores, defendendo interesses coletivos e individuais dessa categoria, promovendo melhores condições de trabalho e de vida. Jornada de trabalho, reajuste salarial, férias, décimo terceiro: essas são conquistas dos trabalhadoras e trabalhadores organizados. São importantes avanços ameaçados pelo conservadorismo e neoliberalismo, que deixam como sequelas o trabalho sem direitos, terceirizado, com jornadas extensas e baixos salários. E nesse aspecto, as mulheres continuam sendo as mais prejudicadas, com dupla jornada e baixos salários.
A criação dos sindicatos no serviço público é muito recente. O direito de servidoras e servidores públicos se associarem a entidades sindicais data da promulgação da Constituição de 1988. Constituição que em seu texto ampliou o direito de cidadania, estabelecendo um pacto social para a sustentação da vida com dignidade para todas as brasileiras e todos os brasileiros. Os sindicatos do judiciário federal e sua federação tem como premissa a luta por melhores condições de trabalho e vida.
É importante que tenhamos claro que todas as conquistas trabalhistas foram obtidas a partir de lutas coletivas, pois individualmente somos frágeis diante do grande capital, que sempre se reinventa para em momentos de crise para estabilizar a sua condição de poder. O capital sempre se recompõe, em ações conjuntas, na década 1990 a indústria foi o carro chefe, com a privatização de diversas estatais, em 2000 o capital financeiro encontrou seu auge, hoje com uma campanha para a reforma da previdência. Está aí o porque de não podermos lutar sós. Devemos nos inserir nos coletivos que representam a defesa de nossos anseios e pela manutenção dos nossos direitos e onde possamos ter voz. Esse é o caminho para nos fortalecer.
A servidora e o servidor públicos, segmento da categoria de trabalhadores e trabalhadoras, tem suas necessidades coletivas e individuais. O sindicato atua para atender essas necessidades, fazem a luta geral e a luta específica. Para a luta geral, temos que estabelecer contato com os movimentos que estão fora da nossa bolha. Movimentos sociais como a Marcha Mundial das Mulheres, MAB – Movimentos dos Atingidos por Barragens, Movimentos Sem Terra, Sem Teto, Frente Brasil Popular, Frente Povo Sem Medo, Centrais Sindicais. São esses grandes movimentos formados pelos diversos pequenos grupos que irão sobrepujar qualquer força que tente usurpar nossos direitos.
O exemplo mais recente é a reforma da previdência, apresentada a nós como extremamente necessária, com requintes de crueldade. Ora, se houve uma CPI da Previdência no Congresso que demonstrou que a previdência não é deficitária como colocam os governos Temer e Bolsonaro, porque isso nos é imposto sem podermos nem ao menos opinar? Por que o principal foco da reforma é mudar a forma de captação para previdência privada? Quem será beneficiado com essa mudança tão radical sem que os maiores interessados sejam bem esclarecidos e ouvidos? Quem lucra com a previdência privada? Todas as perguntas levam a principal resposta: capital financeiro. É nos bancos que está o sistema privado de previdência, é nos bancos onde encontramos os maiores devedores da previdência pública. Nessa realidade que o sindicato se agrega às lutas gerais. Entendamos que se não nos incluirmos nesse processo, será muito difícil alcançarmos nossas bandeiras específicas.
No judiciário, fatos tais como o advento do processo eletrônico, a Emenda Constitucional 95 (Teto de gastos), a resolução 219 Conselho Nacional de Justiça – CNJ, entre outras medidas colaboram para que o “home work” seja o caminho encontrado para ultrapassarmos essa crise, ou para o fim do serviço público, que também está no jogo, pois o neoliberalismo trabalha com a concepção de Estado mínimo, que significa literalmente acabar com as instituições públicas, com o serviço público. E, neste contexto, surge a realidade do teletrabalho (”home work”) no serviço público. Para a execução do teletrabalho é estabelecida uma produção de 30% a mais que a meta estabelecida para o trabalho convencional, além do uso de todos os recursos em equipamentos para o desenvolvimento serem disponibilizados pela servidora ou servidor. Sem que haja avaliação periódica do estado de saúde físico e mental, muito embora a norma preveja, na prática não há previsão suficiente para a observação. A saúde de todas e todos também é um imperioso critério do cuidado do sindicato, relacionado diretamente com melhores condições de trabalho e vida.
No descrito acima, as mulheres mais uma vez sofrem sensivelmente as consequências quando se colocam à disposição para o teletrabalho. Ao pensar que poderão fazer seu trabalho de casa, cuidar dos filhos e do lar, na prática não é assim que funciona. Ao terem a produtividade aumentada em até 30%, como determina a norma, com seu computador com velocidade de internet caseira, com moveis nem sempre ergonomicamente adequados, isolamento, terão que utilizar mais tempo para cumprir as metas estabelecidas pela instituição, o que irá gerar uma carga horária de trabalho maior e sem previsão de pagamento de horas-extras, além de danos físicos e mentais em decorrência de problemas osteomusculares e psíquicos.
Essa realidade que a mulher enfrenta hoje no serviço público é uma complexidade enfrentada por todas as mulheres, que são submetidas a dupla jornada, conforme comprovam vários estudos.
“As mulheres trabalham, em média, 7,5 horas a mais que os homens por semana devido à dupla jornada, que inclui tarefas domésticas e trabalho remunerado. Apesar da taxa de escolaridade das mulheres ser mais alta, a jornada também é.…
Em 2015, a jornada total média das mulheres era de 53,6 horas e a dos homens, de 46,1 horas. Em relação às atividades não remuneradas, a proporção se manteve quase inalterada ao longo de 20 anos: mais de 90% das mulheres declararam realizar atividades domésticas; os homens, em torno de 50%. …”
(Mulheres trabalham 7,5 horas a mais que homens devido à dupla jornada Os dados estão no estudo Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, Publicado em 06/03/2017 – 14:00 Por Andreia Verdélio – Repórter da Agência Brasil Brasília)
O papel de cuidadora, que é atribuído socialmente a mulher, justifica a carga de trabalho excessiva, a dupla jornada. Se formos na Internet consultar sobre o tema cuidado encontraremos diversos links sobre deveres das mulheres com o cuidado do lar e com a saúde, sua e dos outros, o que comprova a imposição social por um atributo que deveria ser do ser humano, cuidado de uns para com outros, e, por todo esse peso que a sociedade lhe atribui culturalmente.
O mundo das servidoras públicas é representativo da diversidade das mulheres que compreende esse universo e, é importante que possam ter um espaço para conviverem na diferença, onde se sintam livres para se expressarem, onde sejam realmente respeitadas. Assim, os sindicatos representativos das mulheres dessa categoria devem ter em suas organizações setores que as façam ser representadas, podem ser departamentos de gênero, secretarias de mulheres, ou núcleo sindical da Marcha Mundial das Mulheres.
*Servidora da Justiça Federal e diretora do SISEJUFE-RJ