Flávia Albuquerque
Repórter da Agência Brasil
São Paulo – O fotógrafo responsável pela foto de Vladimir Herzog enforcado nas dependências do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) visitou hoje (27) a sede do órgão onde eram torturados os presos políticos do período da ditadura militar e onde a foto foi feita. Silvaldo Leung Vieira vive nos EUA para onde viajou três anos depois de ter feito a fotografia. Na época do registro, ele tinha acabado de completar 22 anos e era aluno do curso de fotografia da Polícia Civil havia 17 dias. Pensando ser parte de um treinamento, ele foi levado até o local com a orientação de registrar um encontro de cadáver, termo técnico utilizado até hoje.
Durante a visita, que precede sua presença para depoimento da Comissão da Verdade da Câmara Municipal de São Paulo amanhã (27), Silvaldo percorreu as celas e salas de tortura para tentar reconhecer o local onde o corpo de Herzog estava naquela ocasião, mas devido ao tempo passado (quase 38 anos) e às mudanças e reformas feitas no DOI-Codi, ele disse não ter reconhecido. A única confirmação foi o portão de ferro e o muro altos por onde o carro que o conduziu passou.
“Não reconheço nenhuma das salas do interior do prédio, mas tive a informação de que tudo foi mudado. Na minha concepção era um lugar escuro, com um muro alto e um portão de ferro também alto. E da sala a única coisa que eu lembro é que a janela ficava em frente à porta. Eram alas e se percebia que havia celas de um lado e do outro. Foi uma passagem muito rápida, não me locomovi no local”, disse Silvaldo.
Silvaldo contou que fazia parte de um grupo de 21 alunos que foi disponibilizado para o DOI-Codi quando foi convocado para fazer a foto. Como residia em Santos e estava em São Paulo especialmente para fazer o curso, não conhecia nada da cidade e quando foi escolhido para ir ao DOI-Codi não sabia para onde estava indo. Ele lembrou que ao chegar no local sentiu muito medo e percebeu que algo errado estava acontecendo, mas, para se preservar, não disse nada.
“Eu não sabia quem eu estava fotografando, mas soube depois por meio dos comentários e movimentação nocampus da USP [Universidade de São Paulo], onde era o curso e eu tinha um dormitório para passar a semana. Aquela foi uma semana na qual houve muitas reuniões na USP e como nosso curso era lá eu frequentava os mesmos lugares onde os movimentos eram feitos. Eu ouvi todos os tipos de comentários. E ouvi também de pessoas ligadas à segurança”.
O fotógrafo explicou que ao tirar a foto o que lhe chamou a atenção foram os dois pés de Herzog encostados no chão, o que não é comum em casos de suicídio por enforcamento. “Uma fotografia que aparentemente era um treinamento passou a ser algo ultra sigiloso. A orientação era que não comentássemos absolutamente nada que tínhamos visto. Quando surgiu a foto, eu falei que eu tinha fotografado o caso e nós [amigos com quem comentou] ligamos as peças”.
Um tempo depois, Silvaldo foi convocado para voltar ao prédio para fazer a foto do operário Manoel Fiel Filho morto. Mas a foto não chegou a ser feita por ele, pois ao chegar no DOI-Codi Silvaldo comentou que já havia estado no local e que ali aconteciam coisas estranhas. “Isso foi praticamente no final do curso. Eu já estava mais calmo, mais preparado. Quando cheguei e fiz esses comentários, me tiraram de lá antes de eu ver alguma coisa e eu nem fiz a foto”.
A foto não foi marcante apenas para a história do país e do período de repressão política, mas foi decisiva para que Silvaldo resolvesse se mudar definitivamente para os Estados Unidos, por ter se decepcionado com a falta de democracia do país. “Logo depois da foto eu resolvi me mudar mas como todos naquela época precisei juntar dinheiro para pagar o depósito compulsório para o país que era obrigatório na época e para comprar a passagem. Cheguei em Los Angeles com US$ 500, mas consegui um emprego logo e sobrevivi”.
Apesar da paixão pela fotografia Silvaldo não trabalhou na área nos EUA. Segundo ele, por questão de sobrevivência aproveitou a oportunidade que teve para aprender a fazer joias e com isso se manteve durante 25 anos. “Hoje trabalho em um abrigo para mulheres solteiras ou mães solteiras patrocinada pela igreja católica. Não voltei mais a trabalhar com fotografia”.
O vereador de São Paulo e presidente da Comissão da Verdade da Câmara Municipal de São Paulo, Gilberto Natalini, que foi preso e torturado no DOI-Codi por dois meses, disse que quem sofreu tortura não consegue esquecer. “Nós tentamos sufocar mas é muito sofrimento. Só quem passou tem ideia do que é o sofrimento do que nós vivemos nesse pedaço de São Paulo, do Brasil”. Mesmo assim ele reforçou que momentos da história como esse não se pode esquecer. “Não é masoquismo, é um problema de reconstruir a história, ampliar e defender a democracia porque isso aqui era o portal do inferno”.
Edição:
Fábio Massalli