Nos dias 10 e 11 de outubro, trabalhadores do Judiciário estiveram no Hotel Nacional, em Brasília, para participar do II Seminário Nacional da Fenajufe sobre Saúde do Servidor e PJe (Processo Judicial Eletrônico). O destaque dos debates foi a preocupação com o aumento do assédio moral e do adoecimento dos servidores a partir dos novos modelos de gestão, incluindo a implantação do PJe e o estabelecimento de metas. Também foi manifestada preocupação com o crescente número de casos de suicídio no Judiciário, com o agravante de que nunca é reconhecido o nexo com o trabalho. A abertura do Seminário foi realizada pelos coordenadores da Fenajufe, Cledo Vieira, Inês de Castro, Jaqueline Albuquerque e Mara Weber.
No seminário, Soraia Garcia e Helena Cruz, da coordenação de saúde do Sisejufe/RJ, fizeram uma exposição sobre os resultados da campanha “Sua Saúde é Nossa Pauta”, realizada em 2013. Na ocasião, o sindicato promoveu Oficinas de Saúde nas subseções da JF e em diversos foros do TRT do interior, além do TRE-sede e mostrou a necessidade da realização de pausas durante o expediente para evitar sobrecarga dos trabalhadores.
Soraia e Helena também apresentaram os dados da pesquisa realizada entre 2012 e 2013 pelo Sisejufe sobre as condições de saúde e de trabalho no Judiciário Federal fluminense. Os dados do estudo serão encaminhados aos Tribunais para auxiliar na construção de políticas de prevenção a Saúde do Servidor e combate ao assédio moral.
A pesquisa, feita com 1097 servidores, revelou, por exemplo, que metade dos consultados não considera as condições de trabalho adequadas; 23% sofrem pressão para realizar tarefas que não fazem parte das atribuições do cargo; 15% sentem que o trabalho é penoso e causa sofrimento; 41% sentem-se cansados o tempo todo; 21% estão ou estiveram em tratamento psicológico/psiquiátrico nos últimos 12 meses.
Debates constatam adoecimento do servidor
A primeira mesa do seminário da Fenajufe teve como tema a “reestruturação produtiva no PJU: realidade das condições de trabalho e saúde de servidores e magistrados, metas, processo eletrônico e qualidade da prestação jurisdicional”. Os painelistas foram Dionizio Gomes Avalhaes, representante da Fenajud (Federação Nacional dos Servidores do Judiciário nos Estados), e Mara Rejane Weber, coordenadora geral da Fenajufe. Essa mesa foi importante para mostrar que, tanto no Judiciário Federal como no Estadual, os servidores enfrentam problemas muito semelhantes no que diz respeito ao adoecimento funcional.
Dionizio Gomes Avalhaes citou a interferência do Banco Mundial no Judiciário como um todo. “É um jogo econômico que visa a mudar o processo produtivo, cuja principal vitima é o trabalhador”, disse ele. Ele também fez referência ao estabelecimento de metas absurdas pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) como causa de grandes problemas para os trabalhadores. Segundo Dionízio, “o CNJ, na prática, está propondo que sejam feitos exames periódicos em todos os trabalhadores, mas por trás disso está a tentativa de desviar a atenção sobre quem realmente é o responsável pelo adoecimento do servidor, passando a culpa para o próprio servidor. O CNJ quer que os servidores mudem seus hábitos da vida quotidiana, mas ignoram os problemas que geram adoecimento dentro do próprio ambiente de trabalho.” Ele também denunciou a precarização do trabalho nos tribunais de justiça e deu o exemplo de um projeto para criar postos avançados do judiciário, em convenio com prefeituras, terceirizando o trabalho para as prefeituras, buscando a diminuição do número de comarcas e de servidores.
Mara Weber disse que os servidores públicos ainda estão à margem das discussões sobre saúde do trabalhador. “No PJU, a gente está caminhando, mas no MPU a situação está ainda pior”, afirmou. Ao falar sobre a reestruturação produtiva do CNJ, ela denunciou a transposição de modelos de gestão da iniciativa privada para o serviço público, com a lógica de fazer mais com menos. Para Mara, “isso é uma reforma do Judiciário para atender as necessidades do mercado e o resultado desse processo é terrível para os servidores, com intensificação do trabalho, metas abusivas (fixadas empiricamente), cobranças individualizadas, aumento do assédio moral, encolhimento do quadro de servidores, extinção de setores (como a recente decisão do TRF4 de extinguir as secretarias de turmas) e cargos, aumento da terceirização, aumento do adoecimento físico e mental da categoria a partir da implementação do processo eletrônico”.
A segunda mesa debateu os novos modelos de gestão e saúde no trabalho (metas/intensificação, gestão por competência, GD). O painelista foi Álvaro Merlo, professor e médico do trabalho que atua na área de Psicologia, com ênfase em Psicodinâmica e Clínica do Trabalho, e na área da Medicina, com ênfase em Medicina do Trabalho. Ao atender doenças do trabalho, cerca de 60 a 80 pacientes por semana, ele constatou que, nos últimos cinco ou seis anos, os principais problemas são de saúde mental, mas as pessoas não procuram ajuda por esse motivo, mas sim por fatores ligados a dores musculares. É preciso perguntar ao paciente como anda seu trabalho.
Álvaro Merlo afirma que o reconhecimento ao trabalho realizado é fundamental e os processos de assedio moral começam com a quebra do reconhecimento, desumanizando o trabalhador. E isso para o ser humano é insuportável, pois as pessoas não vão ao trabalho simplesmente por causa do salário, mas para construir sua identidade. “Do ponto de vista psíquico, o trabalho serve para construir a identidade; e a identidade é a âncora da saúde mental”, afirmou. Ele ainda citou Freud, para quem a pessoa tem dois pilares: vida amorosa e trabalho.
Segundo Merlo, as agressões produzidas pela organização do trabalho podem provocar um sofrimento psíquico (transtornos depressivos, estresse e patologias somáticas) e a passagem para o adoecimento vai depender das condições de trabalho e da história singular do trabalhador. Essa prática vem crescendo com a política de metas, a partir da transformação das relações na economia, basicamente a partir dos anos 80.
A terceira mesa teve como tema “saúde das servidoras e servidores em tempos de intensificação tecnológica do trabalho, gestão por competência e teletrabalho: diagnóstico e medidas de prevenção”. O painelista foi Rogério Dornelles, médico, pós-graduado em medicina do trabalho e assessor do Fórum de Saúde do Trabalhador e pesquisador em colaboração com o Laboratório de Psicodinâmica do Trabalho. Ele apresentou uma pesquisa realizada durante implementação do processo eletrônico, na Justiça Federal do Rio Grande do Sul. Ele concluiu que o PJe é um sistema inacabado e ruim, que faz com que aumente o esforço dos servidores para cumprirem as metas.
De acordo com os dados apresentados por Dornelles, o PJe está intimamente ligado às doenças que os servidores vem apresentando, como aquelas decorrentes da exposição excessiva dos olhos à luz do computador (dor e ardência, ressecamento e cansaço da vista, além de embaralhamento e desfoque), deficiências osteomusculares (problemas no pescoço, costas, ombros, braços e pernas) além de sofrimentos de ordem mental, que os levam a recorrerem a antidepressivos, ansiolíticos, remédios para dormir, fisioterapia e outros tipos de tratamentos. Onde está implementado o processo eletrônico, o chefe passou a cobrar mais veementemente o cumprimento das metas, aumentando a freqüência de assedio moral.
Dornelles enfatizou o grande domínio do capital financeiro sobre todas as etapas de produção e apontou para seu modo cruel de ser, pois não tem cara e só tem a função de produzir mais dinheiro. Ele alerta para a necessidade de mudar o conceito atual da vida, no qual o trabalho é prioridade, subentendendo que este trabalho dará condição ao trabalhador para consumir. “Cuidado com isso. Temos que inverter essa lógica. O consumo tem que servir a gente, e não ao contrário.”
A quarta mesa foi sobre “experiências dos estados: apresentação das pesquisas e trabalhos realizados”. Álvaro Merlo apresentou pesquisa feita pelo Sintrajufe/RS, em 2008, especificamente com oficiais de justiça. A enfermeira Socorro Alécio, do Sindjus/AL, mostrou um trabalho de identificação de fatores de adoecimento da Justiça Federal, realizado com 150 servidores do Fórum de Maceió. O psicólogo Daniel Luca, assessor do Sintrajud/SP, que faz um trabalho principalmente voltado ao combate ao assedio moral, apresentou pesquisa realizada em 2007.
A quinta mesa tratou dos “novos modelos de gestão: novos modelos de violência e intensificação do assédio moral”, com o painelista Roberto Heloani, professor Titular e pesquisador da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas, na área de Gestão, Saúde e Subjetividade, e professor conveniado junto à Université de Nanterre (Paris X). Ele trabalha com pesquisa sobre assédio moral há 16 anos e com saúde mental no trabalho há mais de 25 anos. Sua definição para assédio moral é “uma conduta abusiva, intencional, frequente, que ocorre no ambiente de trabalho e que visa a diminuir, humilhar, vexar, constranger, desqualificar e demolir psiquicamente um individuo ou um grupo, degradando as suas condições de trabalho, atingindo a sua dignidade e colocando em risco a sua integridade pessoa e profissional”.
Roberto Heloani faz questão de descaracterizar o assédio moral como ação individual, pois a organização é solidária, portanto responsável. Para ele, “todo o assedio é organizacional, afinal de contas ele se passa no espaço organizacional”. Ao fazer um apanhado histórico, ele lembra que nos anos 80 houve um processo internacional, o pós-fordismo. O projeto neoliberal surgiu então como um novo conceito de Estado, que diz que o Estado tem que ser reduzido ao mínimo e boa parte de suas funções devem ser realizadas pela iniciativa privada. Esse é o modelo de Estado que está por trás desse gerencialismo que vem tomando conta também do serviço público. A partir daí, quanto mais o capital financeiro é fortalecido, menor a necessidade de ter um Estado atuante.
Com relação ao estabelecimento de metas, onde o que interessa é a quantidade, não a qualidade, ele afirma que se trata de um modelo antiético e que o assedio moral acaba acontecendo mais onde as metas são exageradas. “O modelo gerencialista está condenado porque está se comendo por dentro, pois está gerando pessoas que só pensam no seu umbigo, esquecendo o trabalho em grupo. Isso gera grande infidelidade, pois as pessoas passam a não ser leal com quem não é leal com elas”, enfatiza. Outra crítica de Heloani é direcionada ao home-office, que ele considera uma falácia. Segundo ele, o trabalho em casa é bom para quem manda trabalhar em casa, não para quem executa, pois sempre terá que produzir mais.
Com informações da Imprensa Fenajufe / fotos de Joana D’Arc