O Encontro Estadual dos Servidores e Servidoras da Justiça Eleitoral, organizado pelo Sisejufe, trouxe debates importantes para a categoria. No primeiro dia (15/7), o tema em destaque foi “Eleições, Fake News e Voto Impresso – o retrocesso da democracia”, com os painelistas Bruno Andrade, servidor do TRE-RJ e atualmente secretário de modernização, gestão estratégica e socioambiental do Tribunal Superior Eleitoral; Edson Borowski, coordenador da Fenajufe e servidor do TRE-RS; e Jaime Barreiros Neto, professor de pós-graduação em Direito da UFBA e servidor do TRE BA. A mesa foi conduzida pelo diretor jurídico do Sisejufe e servidor do TRE-RJ, Lucas Costa.
Polêmica do voto impresso
Bruno Andrade tratou do tema de eleições e voto impresso sob a perspectiva jurídica. Ele lembrou que já houve outras tentativas de voltar ao voto impresso, inclusive por duas vezes o Supremo Tribunal Federal (STF) teve a oportunidade de considerá-lo inconstitucional.
O especialista disse que, como pesquisador de Direito Constitucional, entende que o voto impresso em si, de forma abstrata, não é necessariamente inconstitucional porque a urna eletrônica é um meio para o processo. “O problema, no entanto, é que o discurso que vem para implantar o voto impresso na atualidade, de deslegitimidade, de fraude sem provas, é um discurso temerário porque traz a expectativa para o leigo de que o voto de papel ou a impressão do voto é a pedra angular da certeza das eleições”, afirma o especialista, destacando que essa é uma expectativa frustrada, visto que no passado o voto em cédula era usado para fraudar o processo eleitoral no país.
“A gente tinha eleições com votos nulos e brancos absurdamente baixos porque mesários, escrutinadores e outros envolvidos no processo preenchiam as cédulas de votação”, completou.
Bruno explicou que a proposta de voto impresso preocupa porque volta a ter necessidade de manuseio humano, criando novos pontos de fragilidade do sistema. “Se tiver diferença entre eletrônico e impresso, vai se dar primazia ao impresso, que tem muito mais possibilidade de interferência humana e de fraude”, opinou.
Bruno explicou que há várias formas de fraudar o sistema caso haja a impressão dos votos. “Outra coisa: papel precisa ser custodiado. Um que rasgue ou se perca já vai dar diferença entre o voto impresso e o eletrônico e hoje, pela PEC, valeria o de papel”, ressalta.
E continuou: “Nenhum sistema é 100% seguro hoje no mundo. Acontece que a gente cria mecanismos para evitar fraudes. É extremamente difícil fazer uma fraude escalonada que não deixe rastros. Hoje temos no Brasil cerca de 30 barreiras, entre auditoria e transparência, para evitar fraudes”, garantiu.
Por fim, Bruno relatou: “Se tiver voto impresso, voltaremos a enfrentar problemas do passado, como fila e demora, porque a pessoa vai ter que verificar o voto e essa logística toda para um resultado que não é confiável”. Para ele, a mudança aumentaria, ainda, o risco de judicialização.
Discurso de ódio e Fake News
O coordenador da Fenajufe Edson Borowski ressaltou que é preciso discutir o paradigma da forma de fazer eleição. Ele voltou ao ano de 2008, nas eleições americanas, para avaliar o discurso de ódio e as fake news, que predominam no cenário atual. “A literatura trata a eleição de Barack Obama como estratégia vitoriosa de divulgação da campanha. Já eu acho que foi estratégia vitoriosa de defesa da campanha. A eleição americana é ácida e violenta e Obama conseguia responder rapidamente com estratégia arrojada”, opinou.
O painelista também lembrou do Brexit – processo de saída do Reino Unido da União Europeia –, em 2016, que usou discurso xenófobo, que complicou o cenário, e lançou mão de algoritmos. Para Edson, o algoritmo não é o culpado. A ferramenta é, inclusive, muito utilizada pelos sindicatos para atingir o público desejado.
Ainda em 2016, nas eleições dos EUA, houve aqui no Brasil pessoas que foram às ruas apoiar Donald Trump, influenciadas pelas ideias de Olavo de Carvalho.
Ele lembrou que a campanha de Trump foi muito agressiva, com ofensas pesadas à sua adversária, Hillary Clinton. Depois veio, no Brasil, em 2018, a campanha das fake news e a oposição a Bolsonaro não conseguiu fazer frente aos ataques.
Edson avalia que, em 2020, embora Trump tenha perdido a eleição, teve oito milhões de votos a mais que no pleito anterior e saiu, de certo modo, fortalecido. “É um discurso forte que se mantém e encontra apoiadores”, alertou.
Para o especialista, as pessoas acreditam em fake news porque esse tipo de notícia tem um apelo afetivo. “As pessoas não acreditam mais nos fatos. É preciso construir uma versão”, disse, acrescentando que o WhatsApp ajuda a potencializar a disseminação das fake news porque não há como verificar a veracidade e origem da fonte e, geralmente, a pessoa recebe a “informação” de quem confia.
Edson afirmou que o voto impresso é um exemplo dessa tática: “tem um passo a passo que diz que se não tiver voto impresso em 2022 vamos chegar na ditadura e, se tiver, vamos chegar na democracia. Então é contra isso que estamos lutando. O risco é que isso tem apelo”.
Para o coordenador da Fenajufe, a oposição a Bolsonaro subestimou esse risco. “São grupos engajados e organizados”, apontou.
O convidado disse que a questão do voto impresso é uma problemática para 2022, já que a maioria da população é a favor.
“Enquanto físicos apresentam números, os marqueteiros falam aos corações. Só 32% confiam na urna eletrônica. Precisamos reavaliar nossos processos”, afirmou, sugerindo uma série de iniciativas para reverter esse quadro.
“Temos que conquistar corações e mentes senão vamos naufragar”, concluiu.
Eleições e Democracia
O professor de Direito e servidor do TRE da Bahia, Jaime Barreiros, disse que para discutir as eleições, é preciso primeiro refletir para que serve o trabalho dos servidores da Justiça Eleitoral.
“Pode ser óbvio para quem trabalha nela, mas está sendo questionado. Há quem diga que ela (a Justiça Eleitoral) não serve para nada. Que é custosa a sua manutenção e questionam o próprio serviço público como um todo. O serviço público é visto com maus olhos pela sociedade”, aponta, destacando que é necessário enfrentar essa realidade.
Jaime fez uma retrospectiva do sistema eleitoral no Brasil e ressaltou que, antes da criação da JE, em 1932, os pleitos eram conhecidos como ‘eleições a bico de pena’, uma vez que os resultados poderiam ser fraudados e fabricados na caneta.
“Eu acredito na Justiça Eleitoral. Antes dela era bico de pena, fraude. Hoje é uma legitimidade democrática. É primeiro mundo, muito na frente dos Estados Unidos, em termos de eleição. Não podemos ter retrocesso democrático. Temos que avançar. Democracia é processo para frente e não para trás”, expôs.
Reforçando a fala dos outros convidados, Jaime reiterou que é preciso combater as fake news.
“Com educação e boa informação, buscando conscientizar os eleitores. Temos que evoluir como Justiça Eleitoral no âmbito da comunicação. A gente tem que se comunicar cada vez melhor e trazer a sociedade para nosso lado”, completou.
O painel sobre Eleições, Fake News e Voto Impresso foi transmitido pelo canal do Sisejufe no Youtube. Para assistir, clique aqui.
Série Especial
As informações sobre o painel do segundo dia do encontro, que discutiu teletrabalho e direito à desconexão estão disponíveis nesta reportagem. Os painelistas foram Ana Claudia Mendonça, secretária de gestão de pessoas do TSE; Gisele Goneli, coordenadora de saúde e integração da SGP/TRE-RJ; e Geraldo Azevedo, Médico do Trabalho e Assessor de Saúde do Sintrajufe RS.
Para saber as deliberações do encontro, clique neste link.