O Plenário da Câmara dos Deputados aprovou na quarta-feira à noite (26/4), por 296 votos a 177, o substitutivo do deputado Rogério Marinho (PSDB-RN) para o projeto de lei da Reforma Trabalhista (PL 6787/16, do Poder Executivo). Segundo a proposta, que altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o acordo coletivo prevalecerá sobre a lei e o sindicato não mais precisará auxiliar o trabalhador na rescisão trabalhista. A contribuição sindical obrigatória é extinta. Chamado de “desmonte trabalhista” por centrais sindicais e movimentos populares, o texto da forma como está vai revogar ou alterar mais de 100 pontos da CLT e flexibilizar diversos direitos trabalhistas.
Buscando adiar a votação, que ocorreu dois dias antes da greve geral convocada para esta sexta-feira (28/4), deputados da oposição tentaram aprovar dois requerimentos pedindo o adiamento da votação do projeto, os quais foram rejeitados pelo plenário. O texto ainda terá que passar pelo Senado e receber a sanção presidencial.
Aprovada como projeto de lei, caso fosse uma proposta de emenda à Constituição – que é o caso da reforma da Previdência –, a medida não teria passado, pois o número necessário de votos a favor é de 308.
Perda de direitos
O principal ponto da Reforma Trabalhista é a possibilidade de que negociações diretas entre trabalhadores e empresas se sobreponham à legislação em diversos pontos, o chamado “acordado sobre o legislado”. Atualmente, os acordos coletivos de trabalho têm força de lei e se sobrepõem à legislação, desde que não violem o previsto na CLT.
Com a mudança, mesmo direitos trabalhistas como a jornada de trabalho, salários, intervalo intrajornada, férias, entre outros, poderão ser revistos. O pagamento do décimo-terceiro salário e o depósito de parcelas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), no entanto, não poderiam ser modificados nem mesmo por acordo.
“Trata-se de um projeto de proteção das empresas e de desproteção do trabalhador. Ele cria instrumentos de legalização de práticas que precarizam o trabalho, reduzem ou impedem a proteção sindical, e deixa o trabalhador exposto à coerção das empresas na definição dos seus direitos”, resume o diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), Clemente Ganz Lúcio.
Pela proposta, o trabalhador tem a possibilidade de fazer acordos específicos, e de forma individual, com a empresa, o que pode implicar em redução de direitos. “A empresa coloca diante desse trabalhador um texto acordando que ela não deve nada a ele, mesmo o trabalhador sabendo que a empresa deve, por exemplo, mais de 50 horas extras. Se o trabalhador assina esse tipo de acordo, sob ameaça de perder o emprego, ele perde o direito de reclamar na Justiça do Trabalho. É o tipo da coisa que coloca uma faca no teu peito”, avalia Clemente.
A reforma também estabelece novas modalidades de contratação, amplia os contratos temporários de trabalho e interfere na ação dos sindicatos, ao pôr fim à contribuição sindical compulsória, o chamado imposto sindical.
Confira as principais mudanças e como elas impactam na vida dos trabalhadores:
Jornada de trabalho, intervalo e férias
O texto da reforma prevê que o empregador e o trabalhador podem negociar a carga horária com limite máximo de 12 horas por dia, 48 horas por semana e 220 horas por mês. Isso contraria até mesmo o que está previsto na Constituição Federal, que admite o máximo de oito horas diárias e jornada semanal de até 44 horas. Esse limite também é o recomendado em convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Atualmente, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) permite que algumas categorias, como profissionais de saúde, motoristas e vigilantes façam jornadas de 12 horas, com 36 horas de descanso. A reforma vai permitir que isso possa ser feito em qualquer categoria.
O intervalo intrajornada, como a hora de almoço, também poderá ser reduzido para 30 minutos para quem trabalha acima de seis horas por dia. Isso significa que trabalhadores com jornada de 10 ou 12 horas diárias poderão ter o horário de intervalo limitado à meia hora. “[Se aprovado o projeto] estaremos, como sociedade, condenando essas pessoas ao esgotamento, ao adoecimento, ao isolamento em relação aos seus familiares”, avalia a juíza do trabalho Valdete Souto Severo, doutora em Direito do Trabalho pela USP.
As férias também poderão sofrer alterações. Atualmente, é permitido o parcelamento em até duas vezes, sendo que um período não pode ser inferior a 10 dias. Se o projeto passar, as férias podem ser fatiadas em até três vezes, com mínimo de cinco dias e um dos períodos deverá ser obrigatoriamente maior do que 14 dias corridos.
Contrato por hora e home office
Foi incluída no texto uma nova modalidade de contratação, o chamado trabalho intermitente, feito por jornada ou hora de serviço. Neste tipo de contrato, o trabalhador fica à disposição do patrão, mas só recebe se e quando for convocado para o serviço.
Outra modalidade que passa a ter um regulamento específico é o teletrabalho, quando o empregado trabalha em casa, o chamado home office. Mais de 15 milhões de pessoas já trabalham desta forma no país e já havia uma previsão de que os mesmos direitos do trabalho na empresa valeriam para o trabalho em casa. Agora, um contrato específico entre patrão e empregado poderá distinguir o teletrabalho, inclusive em relação ao salário, uso de equipamentos, entre outros assuntos.
Redução de salários, trabalho temporário e jornada parcial
Os salários também podem ser reduzidos por meio de acordo entre empregador e trabalhador, desde que não seja inferior ao salário mínimo. Mesmo assim, com a ampliação do contrato de jornada parcial, passa das atuais 25 horas para até 32 horas semanais horas semanais (incluindo as horas extras), o trabalhador receberá menos de um salário mínimo. Na prática, as empresas serão estimuladas a demitir trabalhadores com jornadas integrais (44 horas) e contratar mais pessoas para jornadas parciais.
O mesmo efeito ocorrerá com o aumento do prazo para os contratos de trabalho temporário, que sairão dos atuais 90 dias para 120 dias, renováveis por mais 120. Esses contratos não preveem o pagamento de multa por demissão sem justa causa e as empresas poderão contratar de forma temporária e substituir os trabalhadores a cada oito meses, aumentando a rotatividade nos postos de trabalho sem aumento de emprego.
Proteção sindical
O projeto também exclui o recolhimento da contribuição sindical obrigatória. Com isso, caberá ao trabalhador se manifestar por escrito se permitirá o desconto de um dia trabalhado por ano. A tendência é que isso enfraqueça ainda mais a atuação dos sindicatos na defesa dos direitos trabalhistas.
Piores empregos
Países que adotaram reformas parecidas com a que o governo de Michel Temer (PMDB) quer implantar, registraram aumento de empregos com piores salários e condições de trabalho e redução dos melhores empregos. No México, por exemplo, após uma reforma em 2012, houve uma diminuição de 1,2 milhão de empregos em que a remuneração era maior que dois salários mínimos e um aumento de 1,2 milhão de empregos para quem ganhava entre 1 e 2 salários mínimos.
“Uma série de práticas que hoje são consideradas ilegais, serão tornadas legais. A lei vai permitir que se transforme uma condição precária de trabalho em algo legalizado”, adverte Clemente Ganz Lúcio, do Dieese. No médio prazo, o achatamento da massa salarial vai prejudicar a economia e derrubar a arrecadação de impostos e de contribuições previdenciárias, comprometendo ainda mais os serviços públicos e até mesmo a aposentadoria. “Essa reforma da Previdência não será suficiente porque a perda de arrecadação da Previdência poderá ser muito acentuada [depois da reforma trabalhista]”, acrescenta.
Com informações do site da Câmara dos Deputados e da Carta Capital.