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Batifundo hoje no Mistura Carioca

Entrevista com Monarco, da Velha Guarda da Portela

·            Monarco, Um portelense de quatro costados
·            Hildemar Diniz, o Monarco, é uma figura do samba que dispensa apresentação. No seu dia a dia, Monarco é uma figura alegre, falante, como quando se apresenta no palco, e pode ser considerado o número um do samba de raiz. Está sempre na dele, sem ligar para os modismos impostos de cima para baixo. Monarco se reuniu com o pessoal do “Que Fazer?” em um cenário bem carioca, um boteco em frente à estação de Riachuelo, ideal para um papo descontraído, como aconteceu naquele sábado à tarde, só interrompido porque o entrevistado tinha um compromisso inadiável: uma feijoada na Portela, que vem acontecendo de uns tempos para cá todo primeiro sábado do mês. Participaram deste longo papo: Dulavim de Oliveira, Ricardo Azevedo, Roberto Ponciano e Mário Augusto Jakobskind.
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·            JAKOBSKIND –  Para começar a partida: Monarco por Monarco.
·            MONARCO: Monarco é um criança, de Nova Iguaçu, onde passei um bom período da minha infância. Eu nasci em Cavalcanti e fui para Nova Iguaçu com um ano de idade. Vivi lá até os 12 anos. Então, esse pedaço gostoso da infância, sem maldade nenhuma, foi passado em Nova Iguaçu e lá me botaram esse apelido de Monarco, não sei por que. Um camarada que trabalhava em uma revista falou esse nome Monarco. Achei graça, comecei a rir e me batizaram: “Está rindo por que, seu Monarco?”. Pegou. Depois fui morar em Osvaldo Cruz, perto da Portela, aí as coisas ficaram mais gostosas porque a Portela… a rainha…
·            Ponciano : Ta pertinho…
·            Monarco: Justamente, fui morar perto da Portela, foi bom.
·            Ricardo: Se Monarco é apelido de infância, qual o nome de batismo?
·            Monarco : Hildemar Diniz.
·            Dulavim: Você é de uma família de músicos, né?
·            Monarco: Não, não. Meu pai fazia poesia, mas não tinha musicalidade. Agora, poesia ele fazia e com rimas ricas de qualidade. Acho que herdei essa parte poética dele porque sou o filho mais novo, o mais velho herdou a política, a filosofia, e o do meio, o Nilton, herdou a ferramenta. Papai era marceneiro. Antes de morrer deixou as ferramentas para o Nilton, os versos em um pacote para mim e a filosofia ficou automaticamente com o mais velho, que nasceu com aquele dom que o velho tinha. O velho era comunista naquela época que era brabo, não como hoje em que todo mundo é comunista, e é fácil falar.
·            Ponciano: Ele era filiado mesmo ao Partido Comunista?
·            Monarco: Não, não era filiado, mas gostava do Luis Carlos Prestes, era fã assíduo do Prestes. Subia na tribuna,  se fosse preciso, para defender o Prestes. Ele não gostava dos bigurrilhos, que ele definia como o cara que trocava de partido como se troca de camisa hoje.
·            Ponciano: É o que acontece muito por aí…
·            Monarco: A gente chamava de bigurrilho. Quando via uma coisa que ele não ficava  satisfeito ele dizia: isso vem no ventre do capitalismo. Ele falava assim… Minha mãe é mineira, nascida em Porto do Cunha, meu pai é de Ubá, também em Minas Gerais. E eu estou aí pelas andanças da vida.
·            Ponciano: Você já passou a música para os seus filhos, né? Filhos, netos… Queria que você falasse sobre isso.
·            Monarco: Já.. Tenho o Mauro Diniz, meu filho mais velho, que é arranjador, toca muito cavaquinho, tocou com Beth Carvalho, toca com Marisa Monte, e é compositor. Tem sucesso gravado por Zeca Pagodinho. E tem o Marquinhos Diniz, que é o mais novo, que também grava. E tem agora a Juliana, que é a minha neta, que também está na carreira artística. A família Diniz.
·            Jakobskind : Família Diniz na música, não apenas na música popular brasileira, mas na resistência cultural.
·            Monarco: Claro, claro. Nós temos um ideal, um caminho a seguir, estamos fiéis a uma linha. Todos do samba.
·            Ponciano: Quem deu o formato e lançou a Velha Guarda foi o Paulinho da Viola,  que  foi o seu padrinho. Queria que você contasse essa história da formação da Velha Guarda da Portela, como surgiu, como se desenvolveu, e, inclusive, a importância dela hoje que é considerada pela maioria dos especialistas, do pessoal do samba, a velha guarda mais importante hoje em dia no Rio de Janeiro.
·            Monarco: Sempre existiu velha guarda. Quando um camarada antigo passava, do tempo da fundação, antigo no samba, já diziam: “aquele ali é velha guarda”, mas não era o conjunto musical, não existia. Esse conjunto musical Velha Guarda surgiu em 1969 para 70, quando o Paulinho alimentou o sonho de gravar um disco com compositores antigos da Portela, para que não deixasse morrer aquelas pérolas bonitas, Paulo da Portela, Heitor dos Prazeres, Monacéia, justamente, esse primeiro disco, “Portela, Passado de Glória”. Inclusive eu tive a sorte de um samba meu ter emprestado nome ao disco. Tá aqui, “Portela, Passado e Glória”, que é um samba meu, justamente que fecha o disco. Aí o João da Gente falava: “Monarco não é do tempo da formação da Portela, isto é, não é bem um velha guarda, apareceu tempos depois, menino ainda, quando conheceu Paulo e os mais antigos. Há muitos anos que compõe para a Portela, e tem como parceiro Alcides Lopes, Francisco Santana. Alguns de seus sucessos, “Lenço”, “Retumbante Vitória”, e esta preciosidade que é “Passado de Glória”, justamente este aqui é o nome do disco. Tive a felicidade do meu nome emprestar o título ao disco.
·           Mas, voltando à formação, o Paulinho tinha um sonho de fazer um disco com essas preciosidades que estão aqui. “Levanta Cedo”, do Rufino, “Se Tu Fores à Portela”, do Ventura, que era uma voz linda, e tinha “Desengano”, do Aniceto; “Sofrimento de Quem Ama”, do Nonato; “Vaidade de um Sambista”, Chico Santana; “Chega de Padecer”, Mijinha, analfabeto, mas era um compositor de uma linha melódica linda.
·            Ponciano – Era analfabeto o Mijinha?
·            Monarco: Não sabia nem escrever o nome. “Quantas Lágrimas”, Monacéia, tá aí o sucesso com Cristina; “Co-Co-Ro-Có”, Paulo da Portela, que foi o nosso professor; “Tristeza me Persegue”, Heitor dos Prazeres, também participou da fundação; Vida de Fidalgo, de Chico. Então, essas coisas lindas que estão aqui, “Alegria”, do Caetano, Antônio Caetano, que fez a águia… O sonho dele foi realizado, do Paulinho, ele conversando, parece que foi, com o João Araújo, que era dono da RGE na época, num campo, jogando futebol, num dia de sábado, ele conversando com essa pessoa e dizia:  “não, vamos fazer um disco, vamos fazer o disco”. Quando o disco ficou pronto aí se formou o grupo Velha Guarda da Portela. Velha guarda já existia, mas os antigos, agora, grupo musical foi através do Paulinho Viola.
·            Dulavimi: Você poderia falar dessa primeira formação das pessoas?
·            Monarco: A primeira formação, como estou dizendo aqui, vou começar… “Levanta Cedo”, Rufino, já é morto. Desses aqui, todos se foram. Tem aqui o Rufino, sócio número um da Portela, fundador, Caetano que fez a Águia da Portela, e o Paulo, esses foram os três fundadores. Heitor também participou da fundação, Heitor dos Prazeres, parceiro do Noel Rosa. Aniceto, Alberto Lonato, Alcides Dias Lopes, um malandro histórico, como falava o pessoal antigo, apelido dele. Ventura, Mijinha e eu, o mais novo. Eu era garoto, tinha uns 25 anos por aí.
·            Jakobskind – Que fenômeno é essa, 25 anos sendo da velha guarda?
·            Monarco: Pois é. O meu samba é que foi responsável por isso, esse samba “Passado de Glória”. O Paulinho gostou do samba, “vamos gravar o samba do Monarco”. Como eu vivia junto com os mais velhos, eu só procurava a turma dos coroas, não andava com novo, “vamos botar o Monarco aqui com a gente, ele vai ser o nosso caçula”.
·            Ponciano: O mascote.
·            Monarco: Uma vez o Carlos Jurandir, um jornalista, fez uma matéria, ele trabalhava em “O  Globo”, então ele me colocou como o mais jovem dos patriarcas. E o Juarez Barroso me chamava de sacerdote do samba de Osvaldo Cruz.
·            Dulavim: Quantos sambas você tem, não digo lançados, escritos, em parceria, sozinho, quantos sambas você tem mais ou menos? E você tem um samba muito interessante que foi uma paródia que você fez do samba do Chico…
·            Monarco: Eu não enumero a minha obra. Várias pessoas inclusive já me aconselharam a catalogar isso tudo, mas eu sou um pouco relaxado nessa parte. Eu creio que devo ter umas 200 e poucas músicas. Gravadas, de repente, umas 100. E esse samba que você está falando sobre o Chico, eu fiz porque a Portela passava por um período meio difícil, com confusões. O pessoal da diretoria queria trazer a cultura para dentro, no meio da gente, quando a cultura já nasceu aí…
·            Ponciano:  A Portela já é cultura.
·            Monarco: Exato. Então essas confusões todas. Chamando o compositor de rádio para fazer samba na Portela, pensando que isso ia somar alguma coisa. Então, eu fiquei triste, fui à Portela num dia de domingo, cheguei lá, não vi ninguém do meu time. Estranhei a nossa quadra, aí senti falta de Monacéia, de Alcides, de Chico Santana, aqueles verdadeiros bambas que fizeram a história da escola. Eu não via, estavam todos afastados, chateados com aquilo que vinha acontecendo na Portela. Inclusive a imprensa criticou considerando burrice. Depois de ter um time de compositores que tinha ali e  chamarem nego do rádio para fazer samba dentro da Portela. Aí eu fiquei triste com aquilo  e saí andando por algumas ruas de Osvaldo Cruz para ver se via o Monacéia, o Chico Santana, não vi ninguém. Aí parece que foi a dádiva divina que me inspirou, deu um estalo na minha cabeça, aí fiz “Um Dia”, inspirado no Chico. O Chico foi à Lapa para ver a malandragem, aqueles malandros antigos, chegou lá e não encontrou ninguém. Ele reclama, diz que perdeu a viagem porque o malandro agora é com contrato, com gravata, e malandro com contrato… Malandro candidato… Chico com aquela moda dele… Gosto muito do Chico. Aí eu me inspirei no Chico. Fiz um dia: Tu foste à Lapa ver a malandragem, quem é esse “tu”? É o Chico. Fui à Lapa mas perdi a viagem / e aquela  malandragem / que eu conheço de outros carnavais / Dizem as más línguas… Um negócio assim. Peguei e fiz. Um dia tu fostes à Lapa ver a malandragem / Perdestes o tempo e a viagem como teu samba diz / Eu fui à Portela ver os meus sambistas / Mas consultando a minha lista / Também não fui feliz / E lá falaram sobre um terreiro / onde eles passam o dia inteiro / num lugar qualquer de Osvaldo Cruz / Fica lá perto de Bento Ribeiro / onde Paulo e seus companheiros / faziam um samba que até hoje seduz. E eu fiz esse samba, comecei a cantarolar de brincadeira, todo mundo achava bonito e pedia para cantar outra vez. Aí o samba ficou como um protesto que eu fiz.
·            Ricardo: Você chegou a gravar esse samba?
·            Monarco: Eu mesmo gravei e o Marquinhos de Osvaldo Cruz também. A Beth (Carvalho) ia gravar, só que não conseguiu cantar porque esse samba é difícil. E ele está aí no baú guardado.
·            Dulavim: Não conseguiu cantar não?
·            Monarco: Ela não conseguiu cantar porque esse samba tem uma nota que vai muito lá em baixo e a outra vai muito lá em cima e ela ficou meio… Aí ela disse: “Sabe de uma coisa, eu já gravei muito o Monarco, esse não vou gravar não”, e não gravou.
·            Dulavim: É, porque é uma oitava acima…
·            Monarco: Pois é… A primeira música minha gravada foi com o Risadinha, era um cantor que andava muito na Rádio Nacional, em 1957. É um samba de parceria meu com o saudoso Alfaia. Depois tem Paulinho da Viola, em 69, 70, por aí, gravou “Lenço”. E depois eu vim gravando. Gravei com o Martinho, foi o maior sucesso meu. Tudo que quiseres te darei ô Flor / Menos meu amor / Darei carinho se tiveres a necessidade / E peço a Deus para te dar muita felicidade / Infelizmente só não posso ter-te para mim / Coisas da vida, é mesmo assim / Embora saiba que me tens tão grande adoração / Eu sigo a ordem essa é dada por meu coração / Nesse romance existem lances sensacionais / Mas te dar meu amor, jamais. A segunda parte é do Valdir Rosa, ele gostou da primeira, me pediu pra botar a segunda, eu deixei. Esse samba havia sido gravado por uma garota, chamava-se Selma Santos, mas não aconteceu nada. Um compactozinho simples, o disco não foi nem distribuído, nem foi para as lojas. E ficou no baú sem acontecer. Quando eu fui trabalhar, guardar carro no Jornal do Brasil, em 1972, por ai, tive a felicidade de ver essa música gravada pelo Martinho da Vila, foi sucesso nacional. Inclusive foi o Juvenal Portela, no  Jornal do Brasil, que me arranjou esse emprego. Então, foi a partir daí que a minha vida deu uma guinada para frente, eu fui ser reconhecido nas gravadoras através desse samba que foi sucesso nacional e todos queriam conhecer. “Quem é o autor dessa música?”. Aí fui apresentado ao diretor da companhia, da RCA…
·           Ricardo –  Só depois foi passado para o Paulinho da Viola, inclusive.
·            Monarco: Eu gravei com Paulinho o “Lenço”, mas não aconteceu nada, de 69 pra 70. O sucesso…
·           Dulavim –  Mas essa música encaixou bem na voz do Martinho, sabia?
·            Monarco:  Encaixou, foi a melhor gravação.
·           Dulavim –  Parece que foi feita para ele.
·            Monarco: Justamente. Aí, então foi ela que me deu um cartão de visita, acreditaram no meu taco a partir desse samba. Eu fiquei no Jornal do Brasil mais uns dois ou três anos, aí comecei a gravar mais. Gravei com Clara Nunes, com Roberto Ribeiro, com a Beth Carvalho, com João Nogueira, fui gravando. Aí pedi licença ao jornal, vou viver a minha vida, fazer aquilo que eu gosto e com amor, que é a música. Entre guardar carro e fazer samba, eu acho que fazer samba foi melhor.
·            Ponciano – Não é só para você, mas para nós também… Ainda bem. Nós agradecemos.
·            Jakobskind: Já tinha passado pela ABI?
·            Monarco: A  ABI foi a primeira, foi minha história. Ta vendo isso aqui? (mostra a camisa) Isso é uma indústria que tem em Joinvile, e me deram essa camisa aí, Monarco e Mauro Diniz que é meu filho. Por sorte, foi a maior sorte da minha vida, a indústria lá é Tupi, Tupi era um escurinho que engraxava sapato na ABI, engraxou muito as botas do Vila Lobos, isso em 48, 47 por ai. Tupi era um pretinho muito sacana, sambava, e gostava de samba, aí juntou eu e ele aí…, a ponto do (Herbert) Moses (presidente da ABI) me mandar embora. Mas depois me arranjou emprego, no SESI. Ali eu escovava mesa para o Villa Lobos jogar, eu via Barão de Itararé,  sentado lendo o jornal dele com aquela barbicha dele grande.
·            Jakobskind – Contava muita piada, ou não?
·            Monarco: Eu não tinha muita proximidade com eles. Por uma questão de respeito, eu ficava de longe. Mas ele contava, a mesa dele ficava rodeada. Quando a polícia entrava no jornal quebrando e dando porrada, ele fez aquela frase: “Entre sem Bater” , Aparício  Torelli. Conheci Bastos Tigre. Vejo o ilustre cavalheiro / que o senhor tem ao seu lado / no entanto acredito quase eu de bronquite salvou. Bastos Tigre, grande poeta, diretor da biblioteca da ABI. Então eu passei essa minha infância gostosa na ABI. Quando o Moses me mandou, mas não foi o doutor Moses que me mandou embora. Quem mandou embora foi lá o porteiro, um chefe lá, eu fazia muita farra, graças a deus não fui embora por roubo, nem por briga, fui por farra. Uma vez quando o (Harry) Truman (presidente dos Estados Unidos)  veio no Brasil, que abriu a porta do elevador, eu não sabia de nada que e o Truman ia lá. O Moses apresentando, mostrando as dependências da ABI, a ABI era famosa. Você via ilustres personagens, Eva Perón, Truman, Roosevelt, essa coisa toda. Quando abriu a porta do elevador eu estava com uma vassoura sambando, cantando… Aquele elevador da ABI abre sem fazer barulho…
·            Jakobskind – Quando o Truman abriu a porta você estava sambando com a vassoura?
·            Monarco: É… Estava sambando com uma vassoura na mão. Aí o Moses viu, olhou com uma cara amarrada pra mim, “ih, to frito. Doutor Moses…” Heitor Beltrão era o vice.
·            Ponciano –  Se fosse hoje estava nos Estados Unidos.
·            Monarco: Passado um tempo me mandaram embora. eu aí fiquei muito triste, gostava muito da ABI. Uma vez lá me deu uma saudade, “eu vou lá na ABI ver seu Ari, seu Moacir”
·            Ponciano – Queria voltar à Portela, queria que você falasse a sua relação com algumas figuras. Por exemplo, uma maravilhosa que morreu muito cedo, que é a Clara. Queria que você falasse.
·            Monarco: A Clara cantava bolero. Quando ela gravou aquele Você passa eu acho graça / Nessa vida tudo passa . É do Carlos Imperial com Ataulfo. Ela deslanchou ali, fizeram até um Fantástico com ela. Adelson Alves jogou ela no samba mesmo. Aí ela gravou Nelson  Cavaquinho, Paulo Cesar Pinheiro que depois passou a ser o marido dela, gravou dona Ivone Lara, Romildo da Portela, que faleceu. Ela fez esse disco. Quando ela fez esse disco, Romildo era da Portela, entre Portela e Mangueira ela bandeou para Portela, ela gostou mais da Portela. Foi lá fazer uma visita e ficou. E eu levei-a depois na casa da Doca, ela queria gravar umas músicas do pessoal da velha guarda, foi quando ela ouviu Peixe com Coco. Terezinha mandou convidar / no domingo vai dar um jantar / É um peixe com coco, eu vou lá / É um peixe com coco, eu vou lá. Ela gravou essa música, eu fui o responsável por essa música, eu que levei ela, “Monarco, eu quero ir ver o pessoal da velha guarda”, “quando você quiser”, primeira vez que ela me gravou, um samba meu e do Valdir Rosa. Então, a Clara era nossa madrinha. Quando fez o disco da Velha Guarda, que nós nos agrupamos a sair por aí, ela foi a nossa madrinha com Paulinho da Viola. E ela gravou: Portela, nunca vi coisa mais bela… Gravou muita coisa nossa. Gravou umas três ou quatro musicas minhas. Então a Clara era portelense. Das escolas de samba, a que ela mais gostou foi a Portela. Ela esteve na Mangueira, ela gravou Nelson Cavaquinho, gravou: “Mangueira é celeiro de bambas”… Ela era para ficar na Mangueira, mas por sorte nossa ela gostou da Portela… Como o Lan. O Lan, nosso grande cartunista, quando chegou aqui no Brasil foi primeiro no Salgueiro, depois na Mangueira, com Édson Carneiro, o irmão do senador Nelson Carneiro. Mas, por sorte nossa, quando ele chegou na Portela, decidiu e disse:“é aqui que vou ficar”. Ele viu o pessoal arrumadinho, não quis as outras… O Lan é nosso amigo até hoje, meu padrinho de casamento, meu irmão, adoro o Lan. Aconteceu com a Clara a mesma coisa. A Clara gravou primeiro o Nelson Cavaquinho, gravou Mangueira e tudo, mas ela gostou da Portela. Amor à primeira vista, e ficou sendo portelense. A primeira vez que ela me gravou, um samba meu e do Valdir Rosa, quase que ela não me grava porque ela não conseguiu também cantar a música. Você quando faz a música não pensa nos outros, a sua voz é grave…
·            Ponciano – Foi um choque a perda dela, né?
·            Monarco: Foi sim. Ela antes de falecer esteve na Portela, foi inaugurar a roda de samba que a gente fazia lá aos domingos, eu falei “Clara, quando você vai lá?”, “Monarco, domingo eu vou lá”, e foi mesmo. Foi lá, ficou a tarde toda com a gente, ficou descalça, sambou. Terça-feira aconteceu o problema, foi uma tristeza enorme.
·            Ponciano – O que você pode dizer pra gente do Candeia?
·            Monarco: Candeia é do mesmo cardume do meu. Eu falo cardume quando aquele monte de peixes que andam junto.
·            Ponciano – Aquela parte do cardume…
·            Monarco: É, mesmo cardume, eu, Candeia, Bigolino(?), Valdir 59. Entramos para o mesmo ano fazendo samba na Portela, então era do meu tempo. Ele morava do lado de cá. Nós viemos no mesmo cardume, só que o Candeia morava do lado de cá e eu morava do outro lado da linha. Eu procurei, gostava de faz músicas com os mais velhos, com o Candeia fiz uma música só, “Portela é uma Família Reunida”.
·            Ponciano – Uma que é um hino da Portela praticamente.
·            Monarco:  Fiz uma música só. Mas o Candeia foi um grande compositor.
·           Ricardo – Queria saber que música era.
·            Monarco: Portela é uma família reunida / Falo de cabeça erguida com grande satisfação / A lua já lhe empresta o nome / e eu também lhe dou minha canção. A segunda parte é dele. Portela é uma torrente de montanha / Cuja força é tamanha que ninguém pode deter / Portela tem um pavilhão tão altaneiro / Acima do ganhar e do perder. Nós nem lançamos no terreiro, fizemos e guardamos no baú, agora que nós gravamos.
·            Ponciano –  Depois da morte do Candeia que foi gravada?
·            Monarco: Correto. Candeia morreu em 74 ou 78.
·            Ponciano – Mas, continua a falar do Candeia.
·            Monarco: Candeia foi para polícia, fez concurso, e eu fiquei, como se diz, vendendo o meu peixe na feira. Ele quando encontrava comigo dizia: “Monarco, você tem que andar, você tem que ir para cidade, você tem valor”, me dava aquele sermão. Eu dizia: “Candeia, quando tiver que acontecer, acontece”. Mas ele brigava comigo para eu descer para cidade. Quando foi uma segunda-feira ele me levou no Teatro Opinião.
·            Jakobskind – Isso em que ano?
·            Monarco: 60 e pouco, por aí. Ele me levou, eu cantei, o Jorge Coutinho não queria me deixar cantar, dizendo que “tem muita gente aí, tem Nelson Cavaquinho, não sei o que”. Teve um rapaz que também discutiu com o Coutinho: “é o Monarco, deixa o cara cantar um samba…”. Fui lá, cantei, acabei cantando uns quatro ou cinco, pediram bis, depois falou: “segunda-feira tu passa aí de novo”, aí fiquei indo sempre.
·            Ponciano – E não queriam deixar você cantar.
·            Monarco: Graças ao Candeia eu cantei.
·           Dulavim –  Mas esse Coutinho deve ter feito autocrítica.
·            Monarco: O Candeia foi um líder negro que morreu brigando contra o racismo, a sacanagem que fazem com a negritude. Ele foi um baluarte. Depois ele se aborreceu na Portela com aquele negócio de invasão de elementos estranhos à nossa cultura, e fundou o Quilombo.
·            Ponciano – Paulinho chegou a ir…
·            Monarco: Paulinho? Fui com Paulinho, depois o Candeia morreu, virou bagunça, nós saímos. Mas aí um jornalista perguntou a ele: “Candeia, mas branco pode?” “Pode, mas um branco bem intencionado”, respondeu. Ele quis dizer, não o branco que vai para lá para querer fazer que nem os outros fizeram, trazer cultura para coisa, nego do rádio… Ai não tem nada a ver. Vai atrapalhar uma coisa tão bonita que é dali mesmo, da comunidade. Música que nós fazíamos, ali no nosso coração, era a Portela, coisas que aconteciam mesmo no cotidiano da vida. Não era uma coisa fabricada, negócio do rádio… Inclusive, era proibido cantar samba do rádio, naquela época, na Portela. Se quisesse cantar um samba do rádio, o falecido Natal dizia: “isso aqui não, vai cantar isso não, isso é do rádio”. Agora não, é diferente, eles deixam de cantar o que se faz em casa pra cantar o do rádio.
·            Ponciano – Essa invasão atrapalhou muito vocês?
·            Monarco: Atrapalhou. Atrapalhou mas depois eles chegaram à conclusão que eles estavam num desvio perigoso.  A escola de samba foi feita com pessoas humildes, pobres, daquela cultura própria, pessoas que pouco freqüentaram até bancos escolares, mas que já tinham aquela cultura própria, que era uma coisa marginalizada, que depois os pesquisadores iam para perto ver o que era uma cultura popular, pobre, humilde, mas verdadeira, bonita. Foi daí que começou a aparecer o Edson Carneiro, uma porção de coisas. Câmara Cascudo eu nunca conheci. Veio aqui um maestro polonês para fazer o folclore brasileiro e foi procurar Cartola, levado por Vila Lobos. Cartola vendeu samba para Mário Reis, que era riquíssimo, ricaço de Copacabana.
 
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·            Jakobskind – Morava no Copacabana Palace.
·            Monarco: Morava. Você vê que desnível social, de procurar um Cartola dentro do buraco quente para comprar samba do Cartola. Por que ele não gravou lá de baixo… Porque vazou lá que tinha um cara muito bom, uma coisa diferente. Cartola estudou pouco, o Carlos Cachaça acho que teve mais estudo do que o Cartola, Carlos dizia pra mim. Cartola pouco freqüentou os bancos escolares. Quando ele fala: As rosas não falam / Simplesmente exalam / O perfume… Era uma poesia.
·            Ponciano – É de dar inveja a Carlos Drumond de Andrade.
·            Monarco: O Drumond tirou chapéu para ele, Tico tirou, Mario Reis, Chico Alves, Noel atravessava de Vila Isabel, pela rua 8 de Dezembro, para ir lá. Noel não precisava aprender nada com ninguém, mas ele gostava de beber naquela fonte. Noel era um pouco mais urbano assim, ele gostava. Chamaram ele para participar de um concurso de escola de samba e ele disse: “não, não, eu não. Chama o Cartola”, mandou chamar o Cartola, ou Carlos Cachaça, ou Big do Estácio, aquela turma da Portela. O Noel se afastava disso, ele não ia. Ele não queria se meter em negócio desses concursos de escola de samba. Ele pedia que procurassem o Cartola, ele não queria. O Chico ta aí, vê se o Chico já fez samba enredo pra alguma escola de samba, se ele foi se meter a fazer samba? Ele não. Inclusive dizia: “não deixa, não deixa ninguém vir de fora se meter no negócio de vocês, resolvem vocês mesmo”, Chico falou isso pra mim, com a velha guarda da Portela…
·           Dulavim – O Chico gravou um samba da Portela, “Pelos Mistérios da Amazônia?”  Gravou…
·            Monarco: Gravou. Então, ele falou: “não deixa pessoas de fora vir meter o bedelho no que é de vocês”. Então o Noel bebia na fonte, Noel teve parceiro… Cartola fez samba com Noel. Antenor Vargalhata(?) do Salgueiro, fez samba com Noel, Bid do Estácio… E Ismael. A pesar dos traços serem ali na planície, mas era uma linha do morro, só que Noel não saía dali procurando fazer música com Ismael, Nilton Bastos, aquela turma. Então, veja bem, eles foram vendo que nossa cultura era uma coisa bonita, popular. O Carlos Cachaça inclusive falava umas palavras, eu gostava de conversar com o cara, que não gastava nem papel nem lápis, não dava despesa. Eu adorava quando ele falava isso. Nossa cultura é tão barata que não gasta nem papel nem lápis. Não gastava mesmo porque a gente fazia e botava na cabeça, ficava decorando, não tinha gravador naquela época. E o Carlos dizia que nós fomos perseguidos pela polícia… Acabava o samba a borrachada, prendia, botava… Mauro da Portela foi preso.
·           Ricardo – Tinha uma história que o  cara tava perto para mostrar que…
·            Monarco: Que sambista não era marginal. Portela inclusive chegou a usar três anéis, Paulo da Portela, Caetano, e o Bira, andavam cada um com anel de sambista, e gostava de botar uma gravatazinha, fechar o pescoço, a roupa para dentro da calça, arrumadinho. Porque o Paulo dizia: “ele já com mal olhado, a gente ainda vai todo esculhambado? Vamos mostrar a eles que o nosso caso não é confusão, não é briga, é mostrar o nosso samba, nossa raça, nossa cultura”. O Paulo lutou por isso até o fim, conseguiu, Pedro Ernesto gostava do Paulo da Portela, gostava do Carlos Cachaça, foram visitá-lo na cadeia inclusive. Pedro Ernesto foi preso. E o Pedro Ernesto foi que oficializou o desfile das escolas de samba. O samba tem uma história bonita, nosso samba sofreu, foi humilhado, mas hoje ta aí, a polícia abrindo ala pra gente passar.
·            Ponciano – Ia te perguntar justamente sobre essa sua relação com os Mangueirenses, Carlos Cachaça…
·            Monarco: O Carlos era como se fosse um pai pra mim, gostava muito dele…
·            Ponciano –  Desculpa da pergunta, a Portela sempre teve uma coisa com a Mangueira.
·            Monarco – Andou uma época, logo no início, teve umas carraspanazinhas, no início. Dizem que o pessoal da Mangueira se juntava com a turma do Estácio, e a Portela, que vinha chegando do subúrbio, sofreu algumas coisas, mas aquilo foi rapidinho. Logo passou, dentro da amizade do Paulo com o Cartola, estavam preocupados que quando a Portela encostava, dizem que o Cartola dizia: “deixa eu ver o que o Paulo trouxe”. E Mangueira sucessivamente, o Paulo falava: “deixa eu dar uma olhada lá no Cartola”. Ia lá, se abraçavam, tornaram-se amigos, fizeram música junto, então se fez essa amizade de Mangueira e Portela. No mesmo caminho espinhoso que Mangueira seguiu, Portela também seguiu, e estão aí hoje como grandes co-irmãs.
·           Essa amizade do Paulo com o Cartola que fechou. Então, fomos uma vez visitar a Mangueira, cheguei lá e conheci uma turma de sambistas, o Xangô, que era de Osvaldo Cruz, Madureira, Rocha Miranda, estava na Mangueira, tomou conta da gente, eu era garoto… Essa amizade da Portela com a Mangueira é uma amizade bonita, fechada pelo Paulo e Cartola.
·            Ponciano – Mas a sua relação com os magueirenses…
·            Monarco: Por isso quando eu falo, A Mangueira de Cartola / Velhos tempos de apogeu / Estácio de Ismael / Dizendo que o samba era seu / Em Osvaldo Cruz / Bem perto de Madureira / Todos só falavam Paulo / Benjamim de Oliveira. Que era o Paulo da Portela. Essa amizade da Portela com a Mangueira é uma amizade bonita.
·            Ponciano – A sua amizade, Monarco, com os mangueirenses, com Nelson…
·            Monarco: Nelson foi meu padrinho de casamento, essa amizade, como acabei de falar, fui na Mangueira uma vez em 47, 48, cheguei lá e o pessoal da Portela que tinha ido já tinha ido embora, eu cheguei atrasado. Aí um camarada, chamava-se Orlando, depois fiz amizade com ele, confirmou que “tiveram aqui sim mas foram embora”, “puxa vida. Que tristeza, eu vim aqui…”.
·           Fui tomar uma cerveja e me apresenta Xangô: “Pô, rapaz, tu chegou agora, já foram embora”, aí fiquei por ali. Ali conheci Padeirinho, Nelson que já andava por lá. Dias depois eu voltei e comecei a freqüentar a Mangueira. Chegava na Mangueira e gostava de ver Cartola com violão cantando samba, Padeirinho, Sagaia, Nelson. E, ali, aquela amizade. À Às vezes me afastava, passava meses sem ir à Mangueira. Às vezes passava pela Mangueira, para visitar o pessoal, ao ponto de eu fazer essa amizade com o Cartola e com o Carlos Cachaça.
·           Ricardo – O pessoal da Mangueira também visitava vocês lá na Portela?
·            Monarco: Visitava. Uma vez levei uma turma lá. Quiseram barrá-los, eu dei um esporro na porta com o cara: “não pode fazer isso, estão comigo, eu vou na Mangueira e eles me tratam tão bem”. Foram chamar Natal. Natal só tinha um braço mas era destemido e era o líder, era valente. Natal chegou: “o que é Monarco, o que já ta arranjando ai?”, “nada Natal, pessoal veio da Mangueira…”, são mangueirenses e vieram comigo”. Natal autorizava,  “pode entrar”. Aí os mangueireneses me abraçaram… Quando chegava em Mangueira, uma vez a polícia deu lá, eles correram e foram parar lá em Osvaldo Cruz, fui buscar água para eles. Dei água, tomamos cerveja e tudo. Depois eles foram embora, e quando eu chegava em Mangueira eles botavam tapete de veludo para mim. E ficou até hoje. Eu vim agora da Mangueira, minha neta mora lá, fui lá. Essa amizade com a Mangueira ficou uma amizade assim.
·           Ricardo – Queria perguntar uma coisa sobre a amizade Portela Mangueira, mas queria puxar um pouco para a Portela de agora. Como você vê a situação da Portela de agora, no desfile nós tivemos aquele episódio com a velha guarda, a posição da Portela foi muito difícil, nós temos inclusive uma funcionária no sindicato que passou mal. Quase que enfartou. O que está acontecendo, qual é a avaliação desse momento que você faz da Portela?
·            Monarco: É uma tristeza muito grande. Eu não gostaria que isso acontecesse com escola nenhuma, o que aconteceu com a Portela. Não sei se houve boicote, eu acho que sim…
·           Dulavim – Você esteve no desfile.
·            Monarco: Estive. Eu pulei do carro e fui correndo porque fui vendo a Portela indo embora,  e nosso carro saía para um lugar só, dizem que encontraram um ferro depois ali dentro, então houve sacanagem. Coisa que não era pra acontecer. Se fizeram maldade, uma coisa muito ruim. Eu não quero que isso aconteça nunca com a Portela e com ninguém.  Foi uma tristeza muito grande, a velha guarda não desfilou, foi o primeiro ano que isso aconteceu. Eu pulei do carro, fui correndo pra lá, aí perdi aquele clima de alegria, aquela coisa toda, por que vi as pessoas que falavam:  “A asa da águia quebrou…”, “meu Deus do céu, minha escola vai descer”. E um jornalista veio em cima de mim: “Pelo amor de Deus, não fala nada comigo, não tenho nada que conversar com vocês”, respondi e fui andando, andando pelo canto, saí lá na frente com a cabeça quase estourando de tristeza em ver o que aconteceu com a Portela. Conversei com o presidente um dia desses, ele realmente falou que houve sacanagem. Eu digo: “então você tem que passar a vassoura, não botar ninguém dessa turma do barracão ali, nem deixar entrar mais”. Ele disse: “já passei”.  Natal passava a vassoura, se tivesse algum problema com a Portela no ano seguinte ele tirava, trocava tudo. Falei para ele se guiar pelo Natal, passar a vassoura.
·            Ponciano – Portela hoje está servindo de modelo para outras escolas. E aquele negócio do retorno da família portelense à escola, aquela coisa de samba de quadra, que muitas escolas estão copiando, queria que você falasse disso. Essa coisa da Portela que não vai para classe média, classe média não vê. Só vê quem está na Portela. Eu sou portelense, fui lá e você vê a velha guarda cantando, cantando o samba de quadra. Queria que você falasse dessa coisa, desse retorno da Portela a ser Portela.
·            Monarco: Eles deram uma idéia aí de fazer uma feijoada aos sábados, primeiro sábado de cada mês. Hoje principalmente tem.
·            Ponciano: Hoje tem? Por isso você está com pressa…
·            Monarco: É, porque ainda tem que buscar a minha mulher, mulher foi lá no shopping buscar não sei o que lá, amanhã é dia das mães. Conclusão, eles fizeram essa feijoada e as famílias que não iam à Portela há muito tempo, voltaram a freqüentar, voltou o samba de terreiro, samba de quadra, voltou a ser cantado na quadra da Portela. E tão botando lá quatro, cinco mil pessoas. Então, a Portela fez um gol de placa, e outras escolas estão copiando, porque a Portela sempre foi copiada. Então estou feliz com isso. Tem lá um festival de samba de terreiro, o presidente atendeu a gente e fez.
·            Ponciano –  Você acha que é retomada desse tipo de cultura que estava por baixo, está sendo retomado agora?
·            Monarco: Veja bem, o Carlinhos Maracanã administrou a Portela durante 34 anos. É uma espécie de ditadura. Houve agora uma democracia lá, puseram um presidente, amigo nosso também, o Nilo, e a Portela se sentiu liberta de uma ditadura. Apesar do Carlinhos ser um ditador, não fez mal para Portela. Ele foi amigo da Velha Guarda, a intenção dele é sempre boa, mas administrava a Portela à distância, não pode fazer isso. Tem que encostar o umbigo ali, o presidente de uma grande nação tem que estar ali junto, dentro do barracão sempre, olhando, dia a dia. Ele indo, já acontece o que acontece, que dirá se ele ficar de longe, deixar pessoas…
·           Então o que aconteceu com a Portela foi isso. O Carlinhos saiu e essa diretoria, para muita gente foi bom porque estavam meio chateados. Então, acho que está havendo realmente uma retomada. Acho que a Portela vai viver um bom momento, ela passou pelo que passou agora mas ela vai se encontrar. Ela vai proporcionar muita alegria aos portelenses, presta a atenção.
·            Ponciano – Queria fazer duas perguntas rápidas, acho que dois nomes importantes da Portela hoje em dia… e dois nomes importantes para o seu trabalho também. Um é a Marisa Monte, inclusive o pai dela também é da Portela, escreveu um livro sobre a Velha Guarda da Portela, e o outro é o Zeca, que é um cara que tem furado o bloqueio da mídia e tem trazido o pessoal da Velha Guarda para as cabeças, não só da Portela, mas o pessoal do samba que tava no subterrâneo. Queria que você falasse dos dois.
·            Monarco: O Zeca é nosso afilhado. Ele gosta da Velha Guarda, gosta do nosso samba, ele diz que dá brilho ao trabalho dele. A Marisa é nossa deusa querida, que também fez agora um disco muito bonito com "Tudo Azul", a produção foi dela. Então isso para Portela é bom, para a Velha Guarda também. Para o samba é bom porque, veja bem, nós somos Velha Guarda mas somos atuantes, estamos produzindo,  o nosso samba está vindo para o disco e se comportando maravilhosamente bem, a ponto da gente ir até no Faustão, coisa que nunca aconteceu com a gente. Velha guarda no Faustão, num programa de mídia, da Rede Globo de televisão. Porque eles estão vendo que…
·            Estavam querendo empurrar uma coisa de goela a baixo, que é ruim de digerir.  Digerir a força de não sei o que. Nosso samba ta aí, permanece, com qualidade, graças a Deus.
·            Jakobskind – É por isso que quando a gente começou o nosso papo, falamos em  resistência cultural.
·            Monarco: É, a fidelidade é essa linha melódica nossa. Nós não vamos por modismo…
·            Ponciano – Uma coisa interessante, você sabe que muito dos sambas que o Zeca grava, que a Marisa grava, às vezes tem que falar com as pessoas: “olha, esse samba é do Candeia, esse samba é do Monarco”. As pessoas dizem: “esse samba não é do Zeca, não?”. “Não é do Zeca”. O Zeca é maravilhoso, mas esse samba não é do Zeca.
·            Monarco: Poucas rádios informam isso. Devia ter uma lei que fosse para o Congresso que proibisse, por exemplo, só falar o nome do cantor ou cantor de um samba sem citar o autor. Não falar o autor da obra é um crime. O Ari Barroso não deixava no programa dele:  “o que o senhor vai cantar”, “vou cantar sei lá”, “quem é o autor do samba”, “ah, eu não sei direito”. Aí o Ari seguia: “então vai pra casa, aprende e depois você vem”. A Rádio MEC, parabéns, Rádio Nacional, parabéns, são as duas rádios que falam o nome dos autores, as outras não.
·            Ponciano – Jornal do Brasil fala também.
·            Monarco: Um dia desses, um dia desses não, já há muitos anos, ali em São Cristóvão a gente tava brincando, pessoal tomando uma cerveja, “Monarco, canta aquele samba aí”, eu peguei e cantei. Tudo que quiseres te darei ô flor… Dizem que quando eu saí um camarada disse: “esse samba é do Martinho da Vila…”
·           (Risos)
·           Dulavim – Camarada cantando samba do Martinho…
·            Monarco: Isso aconteceu…
·           Dulavim – E o pior que você falou que o samba era seu…
·            Monarco: O Silvio Santos fala: “samba da Beth Carvalho”, ta aí.  Quando é a turma da classe A, eles falam. Mas se sou eu da raia miúda, meu filho Mauro Diniz, eles não falam.
·            Dulavim: Quer ver como é preconceito? Eu compro muito samba, você chega para procurar e tá assim: “MPB e Samba”. Samba é MPB… Por que ta MPB e Samba? O Chico é sambista…
·            Jakobskind – Tem aquela rivalidade entre Rio e São Paulo, em São Paulo é mais berço do que Rio de Janeiro, como é isso?
·            Monarco: Eles sabem que não é, o próprio paulista sabe que não. Sem querer alfinetar… mas eles sabem que não. Tanto que a gente chega em São Paulo, eu vou para São Paulo agora, vou ficar uns 15 dias. Você vê o tratamento que o paulista dá a gente…
·           Ricardo –  Você tem uns garotos de branco e preto, preto e branco…
·            Monarco: Branco e preto, eles são alunos da gente, eles adoram a gente.
·            Ponciano – Você vai para se apresentar lá?
·            Monarco: O Vinícius falava que São Paulo era o túmulo do samba… Tem muita casa de samba em São Paulo, uma em cima da outra, agora, eles não vão ter… Meu filho quando chega em São Paulo, botam tapete de veludo para ele passar, Mauro Diniz.
·            Ponciano – Mas o que vejo de bom nas casas de samba de São Paulo é samba carioca. O samba paulista…
·            Monarco: É diferente. Não chega não… vão ficar no calcanhar da gente sempre.
·            Ponciano – Pode deixar que depois que você for embora a gente dá uma porrada no Jakobskind por conta da afirmação dele…
·           Dulavim – O que o Lula aprontou…
·            Monarco: Quem?
·           Dulavim – Lula, aquele negócio da Portela, preferiu levar para o exterior uma escola paulista, a Gaviões…
·            Monarco: Eu dei um chapéu para o Lula. Ele perdeu ou tomaram dele, sei lá. Quando ele veio na Portela eu dei e disse: “olha, é o segundo, vê se não perde”. Aí eles levaram muita porrada com isso, o Lula mesmo, gosto muito do Lula pela simplicidade dele. Mas eles levaram muita porrada por causa disso, jornal… gavião não é águia..
·            Ponciano – Mas ele realmente estava levando muito porque ele estava levando tudo que ele podia para São Paulo…
·            Monarco: Mas não tem um passado… não tem… Parece que agora o Lula tapou, vai acabar isso. Nós fomos  à França, viemos da França, vamos voltar dia 17 de junho. Velha guarda com Marisa Monte, vai voltar. Nós fomos sozinhos, cantamos com um coral de 30 mocinhas e garotos, cantaram “O Rio Que Passou na Minha Vida”, levaram 6 meses aprendendo. Você vê que interessante, eles não falam a nossa língua, mas cantaram.
·           Dulavim – Tem um projeto para filmar vocês, vocês são patrimônio da cultura nacional. E eu não estou aqui puxando saco, é sério isso. Tem um projeto para filmar vocês que fizeram…
·            Monarco: Como fizeram em Cuba com o Buena Vista.
·           Dulavim – Tinha um projeto aí pra filmar… ta na hora… Tem que ser gravado alguma coisa pra ficar porque eu quero que meus netos saibam quem foi Monarco… Por exemplo, esse pessoal do primeiro disco, quase não tem mais imagem deles, e é uma pena.
·            Monarco: Por isso que Marisa fez agora esse segundo…
 
FITA 02 – LADO A
 
·           Monarco: O Dulavim é esperto, sabe tudo…
·            Ponciano – Esse aqui é mangueirense, você é o que?
·           Dulavim – Sou União.
·            Jakobskind – União da Ilha. Qual sua escola?
·            Ponciano: Portela. Sou afilhado…
·            Monarco: Você é meu afilhado. Obrigado madrinha Portela… Portela é padrinho de Ilha, de Pilares, tem um montão de afilhados.
·            Jakobskind – Na verdade Portela é a escola de samba mais politizada do Rio.
·            Monarco: Foi lá Cacuia que nós fomos batizar, lá na Ilha.    
·            Jakobskind – Eu fiz uma afirmação que a Escola de Samba Portela é a escola mais politizada aqui do Rio. É isso mesmo?
·            Monarco: Eu não sei, essa parte ai eu não sei. Eu encaro a minha Portela como uma escola bem disciplinada, amiga, já emprestamos surdo para a mangueira desfilar. E se uma escolinha pequenininha for pedir alguma coisa lá a Portela ajuda, as portas estão sempre abertas.
·            Ponciano – Eu acho a Portela mais solidária então.
·            Monarco: Solidária e disciplinada, isso ela é, e tem uma história bonita. Das que correram da polícia só tem Portela e Mangueira. Tijuca também é antiga, veio depois, mas é antiga. 
·            Ponciano – Como você vê a ascensão dessas escolas que nascem ontem, aí contrata puxador, contrata mestre de bateria, contrata passista e vira escola de samba, como você vê isso?
·            Monarco: Dinheiro… Grana. Dinheiro, por ai você já falou, contratar, a Portela não contrata ninguém. Nós temos ali mesmo, a gente passa a mão e diz:  “vem cá você, vai lá cantar o samba”. Garoto dali mesmo, não contrata ninguém.
·            Ponciano – Mas prejudicou muito as escolas tradicionais, a Portela está aí com uma crise…
·            Monarco: Não, o seguinte, hoje não tem escola pequena mais, essa que é a grande verdade. Tem uma Imperatriz, que é uma grande escola, tem uma Beija-Flor que é uma grande escola, tem essa Viradouro, que é uma grande escola, tem essa outra aí… Mocidade, que é uma grande escola. Antigamente era Portela, Mangueira, Império e Salgueiro. Quando não ganhava a Portela, ganhava o Salgueiro, quando não ganhava o Salgueiro, ganhava a Mangueira, quando não ganhava era o Império. Hoje,  você vê que o negócio ta diferente, não tem escola pequena.
·            Ponciano – Mas to falando de outra coisa, por exemplo, eu morei do lado da Imperatriz e sou Portelense, uma das razões de eu ser Portelense é porque a Imperatriz só existe para desfilar. Essa história de você ter uma escola que não existe durante o ano,.. Compor samba, criar cultura, como você vê isso?
·            Monarco: A sua pergunta é uma pergunta muito interessante…
·            Ponciano – É porque a escola de samba não nasceu assim, escola de samba nasceu de um lugar aonde as pessoas iam, se reuniam… E agora tem esse ramo da escola que só existe para o desfile. Fica praticamente fechada à metade do ano, só começa a funcionar para o desfile… Não deve ser assim…  Como era então essa escola, que era uma escola que existia, que as pessoas iam, todo mundo conhecia todo mundo, o samba não precisava nem ser gravado porque você cantava tantas vezes que as pessoas já conheciam, como era isso? Tem um samba de você que fala isso, que a Portela é uma família…
·            Monarco: Não sei bem essas coisas… Dizem ai que é o progresso… Agora tem ensaio técnico, desfile técnico…
·           Dulavim – Sofisticou de mais…
·            Monarco: É, elitizou de mais, sofisticou demais. Então é nego virando cambalhota, fazendo firula circense, não sei o que. Eu gostava mais como era antigamente. Agora, realmente antigamente, a Portela tinha um contingente de 200, 300 pessoas, hoje são 4, 5 mil. Se a Portela também não seguir um pouco, fugir um pouquinho das tradições ai, também vai ficar para trás. Então, Mangueira, Portela, tem que se adaptar… Agora comissão de frente é coreografada, não tem aquela… A Portela foi a última…
·           Dulavim – Fizeram uma covardia com a Velha Guarda…
·            Monarco: Justamente, então tem muita coisa que se elitizou, tem muita coisa que eu não engulo, sendo que eu vou pouco a quadra de escola de samba. Vou pouco porque tem certas coisas que eu não gosto. Samba de enredo para mim já não me diz quase nada, um parecido com o outro, parece uma correria danada, os enredos abstratos, chatos. Muita coisa que eu não engulo, mas eles querem assim… Mas, eu só desfilo na Portela, pouco vou à Portela, não vou a quadra de escola de samba quase não vou, porque é uma chatice, uma barulhada de quilos de som no teu ouvido. Você não pode mostrar um samba novo a um amigo já que não tem condição.
·            Ponciano – Tirando a portelense…
·            Monarco: A feijoada é boa.
·            Jakobskind – Como você ta vendo essa invasão aí da área do samba tradicionalmente do hip-hop, essas coisas todas importadas, como você está vendo isso?
·            Monarco: Isso aí é a mídia, eles querem assim, eles que estão com a faca e o queijo na mão… Eu não embarco nessa porque não é a minha praia. Me deixa com o meu samba ultrapassado, anticomercial, mas eu quero, me sinto feliz assim… Deixa eles, não sou contra que toquem eles, agora, que toquem a gente também… Agora, eles vão na deles e eu fico na minha. O meu samba é esse que eu aprendi com o Paulo, com Cartola, é esse que eu faço e continuo fazendo, vou morrer fazendo ele.
·            Ponciano – Mas isso é Rio de Janeiro, isso é Brasil.
·            Monarco: Justamente. Não vou fazer samba de churrascaria…
·           (risos)
·           Ricardo – Dois pra lá, dois pra cá.

·            Monarco: Não dá não. Olha o Paulo aqui de gravata, olha a gravata dele, tipo poeta, olha a linha, olha a elegância, o Paulo já nasceu elegante. A Carlos falava assim, o Paulo já nasceu elegante.

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