Aliados do governo apresentaram sugestões de mudanças na reforma administrativa que diluem os efeitos da PEC (Proposta de emenda à Constituição) apresentada ao Congresso ao preservar bases eleitorais e ampliar benefícios.
Deputados da base do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) saíram em defesa, nas emendas propostas ao texto original do time do ministro Paulo Guedes (Economia), de militares e forças de segurança.
A PEC, em debate em comissão especial para análise do mérito da reforma, recebeu 62 emendas. Do total, 17 não receberam o apoio mínimo —171 assinaturas dos 513 deputados— para serem consideradas no relatório.
Das 45 emendas aceitas, seis, por exemplo, tratam de agentes de segurança, no intuito de favorecer as corporações.
Há ainda sete emendas de base e oposição que alteram o vínculo de experiência como etapa do concurso. Pelas regras hoje em vigor, a estabilidade vale para servidores após três anos de estágio probatório, mas dificilmente há desligamentos durante esse período.
A diferença entre o estágio probatório e o vínculo de experiência é que, segundo o governo, apenas os servidores mais bem avaliados serão efetivados no novo modelo do funcionalismo.
Deputados querem ainda em oito emendas definir já quais serão as carreiras típicas de Estado, justamente aquelas que terão estabilidade. Pela PEC, a discussão se daria em projeto de lei complementar.
Se acatadas pelo relator do texto, deputado Arthur Maia (DEM-BA), as mudanças podem reduzir o impacto fiscal esperado pelo governo. A PEC busca enxugar a máquina pública.
Algumas das propostas apresentadas por aliados do presidente se dedicam exclusivamente a proteger ou mesmo criar benefícios a agentes de segurança, categorias que estão entre as principais bases eleitorais do bolsonarismo.
O deputado Nicoletti (PSL-RR), por exemplo, insere a atividade policial, com direitos e obrigações, na Constituição. Um dos dispositivos da emenda trata das polícias legislativa, federal, civil e penal federal, estadual e distrital.
Segundo o texto, aos agentes serão aplicados requisitos de idade, tempo de contribuição e tempo de exercício em cargo de natureza policial e regras de cálculo e reajuste de pensões da Previdência das Forças Armadas.
Na justificativa, o deputado defende que a reforma administrativa é o “momento oportuno” para que os ajustes nessas carreiras sejam realizados de forma que o Judiciário não seja obrigado constantemente a “interpretar a adequação ou não do que figura no capítulo dos servidores públicos” em relação aos agentes de segurança pública.
Ele também diz que tratar do tema evitaria que o Legislativo tenha de “fazer ajustes e contorcionismos redacionais para estabelecer um regime específico que atenda às características peculiares dos policiais”.
A emenda foi a campeã em apoio de deputados. A proposta de Nicoletti recebeu 208 assinaturas válidas.
Em alguns casos, a tentativa é dar caráter de força policial às guardas municipais. A ideia aparece em emendas apresentadas pelo deputado Capitão Wagner (Pros-CE) e Lincoln Portela (PL-MG).
Ambos os deputados inserem esses agentes como órgão das forças de segurança pública previsto no texto constitucional. Trata-se de mudança no artigo 144.
Wagner, na emenda, argumenta que a razão de abordar o tema na PEC está alinhada “à celeridade que se pretende conferir à reforma administrativa”.
Um dos argumentos é a previsão diferenciada para a investidura em cargos típicos de Estado “e, por enquanto, decerto”, escreve na justificativa, “temos que estarão minimamente incluídos os de natureza policial”.
Já Portela diz que aos guardas municipais se aplica o dispositivo constitucional que prevê a fixação, por lei complementar de ente federativo, de idade e tempo de contribuição diferenciados para aposentadoria.
Segundo ele, a reforma “é oportunidade para corrigir uma grande injustiça” com os mais de 120 mil guardas municipais do país.
“Neste contexto, demonstra-se extremamente importante reconhecer que, se as atividades exercidas pelos servidores públicos integrantes de carreiras típicas de Estado fossem realizadas por agentes privados, haveria o desvirtuamento das próprias atividades, que deixariam de atender às finalidades públicas visadas”, afirma na justificativa.
A tentativa de inserir na PEC quais serão carreiras típicas de Estado é recorrente entre as emendas. O deputado Léo Moraes (Podemos-RO), por exemplo, tenta reconhecer as exercidas pelos policiais e demais agentes de segurança.
“Os policiais atuam em todas as frentes, exercem atividades de natureza essencial e exclusiva ao Estado democrático de Direito, vislumbrando o cumprimento da lei, direcionando a sociedade para o alcance da justiça e da paz social”, escreve.
Em intuito parecido, outra emenda de Capitão Wagner quer incluir vínculo jurídico próprio aos ocupantes das carreiras das funções essenciais à Justiça. Ele cita Ministério Público, Defensoria Pública e advocacia pública.
“Embora não tipificados como autênticos Poderes estatais, tais órgãos foram instituídos para a defesa e sustentação da democracia, dos direitos fundamentais e dos interesses essenciais do Estado”, diz.
Segundo ele, a inclusão não é “tratamento privilegiado e sim uma garantia à perfeita execução da missão constitucional” dos órgãos.
“Acrescentar o vínculo dos cargos das funções essenciais à Justiça ao texto da PEC significa incluir todas as carreiras que compõem essas funções na reforma e garantir que todas elas se enquadrem dentro do mesmo vínculo jurídico, respeitando-se cada uma segundo suas particularidades”, acrescenta.
Para o deputado Tiago Mitraud (Novo-MG), a tentativa de desidratar a reforma é natural.
“A gente já esperava. Isso aconteceu na Previdência também. Todas as mudanças que envolvem alguma coisa que o pessoal vê oportunidade de beneficiar as categorias acaba acontecendo. Neste caso não foi diferente”, afirma.
“A gente vê um monte de emenda a respeito de segurança, professores, militares, coisas assim”, diz o deputado, que é presidente da Frente Parlamentar Mista da Reforma Administrativa.
Mitraud aposta em articulação política e no posicionamento do relator para evitar mudanças. “Ele está ciente da necessidade de ter uma reforma mais isonômica possível”, diz.
De acordo com o deputado, representantes dos grupos beneficiados pelas sugestões não têm a maioria na comissão.
Procurado, o relator não respondeu aos questionamentos da reportagem.
Fonte: Folha de S. Paulo