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Doutorado e equidade de gênero: servidoras mostram por que investir em capacitação é estratégico para o Judiciário

Em entrevista, as servidoras Fernanda Picorelli, Claudia Constantino e Áurea Dias debatem sobre o tema

O Sisejufe compartilha a matéria “Doutorado e equidade de gênero: servidoras mostram por que investir em capacitação é estratégico para o Judiciário”, publicada pelo JFRJ.

Metas cada vez mais exigentes. Demandas judiciais que requerem ainda mais preparo intelectual – e senso de inovação – dos servidores. Em meio às expectativas por um Judiciário mais capacitado, estratégico, sustentável, atento ao avanço tecnológico e que reflita com mais precisão a pluralidade da sociedade brasileira, se ergue um tema nem sempre pacífico e fácil de conciliar dentro das unidades e da própria instituição: o incentivo à formação acadêmica avançada. Se quem deseja cursar um mestrado ou doutorado, por exemplo, for uma mulher, o caminho para a capacitação pode ser tornar ainda mais tortuoso. 

Para debater a importância das instituições incentivarem a formação acadêmica das servidoras, o Antena Jus entrevistou três mulheres que, apesar do peso da desigualdade de gênero, conseguiram obter – ou estão em processo de alcançar – um grau de estudo mais elevado na universidade: o doutorado. Elas são Fernanda Picorelli (Seção de Desenvolvimento – SEDES/SGP); Claudia Constantino (Centro Judiciário de Soluções de Conflitos e Cidadania do Rio de Janeiro – CEJUSC/RIO) e Áurea Dias (Seção de Serviços de Saúde – SGP/SESAU). Para elas, valorizar a formação acadêmica avançada de servidoras é mais do que uma política de incentivo ao desenvolvimento individual: é um investimento estratégico para a construção de um Judiciário mais diverso, inovador e representativo. 

“Única mulher da turma” 

Ao conquistar, este ano, uma vaga no doutorado em Direito Público na Universidade de Coimbra, em Portugal, a servidora Fernanda Picorelli levou consigo não apenas sua trajetória acadêmica e grandes sonhos profissionais na mala. A boa notícia veio acompanhada por uma responsabilidade a mais: Fernanda é a única mulher em sua turma de doutorandos. Para ela, a ausência de outras mulheres entre os selecionados evidencia como as barreiras de gênero ainda limitam a presença feminina em espaços de alta especialização acadêmica. 

“Muitas mulheres talentosas podem ter ficado pelo caminho, não por falta de capacidade, mas por ausência de incentivo, apoio ou condições equitativas. Ser a única mulher nesse seleto grupo, embora traga a responsabilidade silenciosa de ‘representar todo o gênero’, também carrega um simbolismo profundo e suscita uma questão urgente: quantas outras mulheres poderiam alcançar esse mesmo nível de excelência e competir em condições de igualdade, se tivessem acesso a oportunidades verdadeiramente justas?”, questiona Fernanda.

A pergunta feita pela servidora dialoga diretamente com a necessidade de maior apoio institucional para que mulheres possam conciliar a vida profissional com a formação acadêmica, especialmente quando ela se dá fora do Brasil. A nova regulamentação do teletrabalho pelo Conselho Nacional de Justiça (Resolução CNJ nº 298/2019), por exemplo, possibilitou a manutenção do vínculo institucional de servidoras que buscam formação no exterior, como é o caso de Fernanda. 

“Deixou-se de restringir essa possibilidade exclusivamente aos casos de licença para acompanhamento de cônjuge, como estabelecia a redação original, o que permitiu avanços significativos, inclusive no campo científico. Uma vez verificada a compatibilidade do perfil com o regime remoto, terão prioridade os servidores e servidoras que demonstrarem comprometimento, autogerenciamento e habilidades de organização”, explicou a servidora.

Falta de incentivo das chefias? 

A doutoranda em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-RJ, Claudia Constantino que também ingressou na formação este ano, defende que é necessário promover uma mudança profunda na cultura organizacional, que ainda vê a alta qualificação acadêmica como um “projeto pessoal” do (a) servidor (a), e não como um investimento revertido para o próprio Judiciário. A servidora também identifica a falta de incentivo por parte das chefias, alegando que a formação acadêmica poderá “atrapalhar o serviço”. 

“Falta a compreensão de que o conhecimento adquirido deve ser aplicado no cotidiano, gerando inovação e melhorias. Um servidor qualificado lida com mais facilidade tanto com colegas e chefias quanto com a sociedade em geral. Em vez disso, surge a desarrazoada ‘sugestão’ de que o servidor precisa escolher entre o cargo e a continuidade de seus estudos”, criticou a servidora. 

Além dos entraves institucionais, Claudia lembra que mulheres enfrentam, ainda, a sobrecarga da dupla jornada, entre responsabilidades profissionais, acadêmicas e demandas familiares. “O trabalho doméstico, o cuidado com os filhos e a gestão da casa ainda recai desproporcionalmente sobre nós. Dar conta de toda essa carga mental e física é um desafio imenso. As instituições precisam reconhecer essa realidade e criar políticas de apoio mais efetivas, que podem ir desde a flexibilização real da jornada de trabalho, até programas de suporte que ajudem a aliviar um pouco esse peso”, defendeu. 

Claudia reforça a importância de as lideranças valorizarem ativamente a capacitação, compreendendo-a como um ganho estratégico, principalmente quando se faz um recorte de gênero. “Acredito que o caminho passa por uma gestão mais humana e uma cultura que, de fato, valorize o conhecimento e entenda as particularidades da trajetória feminina”, afirmou. 

Representatividade racial A assistente social Áurea Dias, que concluiu o doutorado em Serviço Social pela UERJ em 2020, acrescenta outra dimensão fundamental ao debate: a representatividade racial. De acordo com a servidora, mulheres negras representam menos de 3% do total de doutorandos no Brasil. “Seria interessante que todas e todos os pesquisadores com esse perfil pudessem acessar as instituições de pesquisa. No Brasil, esse ainda é um desafio. As instituições acadêmicas, especialmente no doutorado, preservam dificuldades para evitar, em seus quadros, pesquisadores com características diversas e que representem variados interesses de pesquisa e as múltiplas dimensões da realidade social”, apontou. Áurea acrescenta que investir na formação acadêmica de servidoras, sobretudo de mulheres negras, é fundamental para ampliar a representatividade e a pluralidade de olhares no Poder Judiciário. 

“O doutorado é o grau acadêmico mais elevado na produção de conhecimento científico. Espera-se que as pesquisas gerem análises inovadoras sobre temas relevantes e apresentem caminhos para a solução de questões que impactam a sociedade”, ressaltou a assistente social. 

Individualismo? Coletividade!

Às vésperas de seu deslocamento para Portugal, Fernanda reitera que o doutorado vai além de uma conquista pessoal: é uma oportunidade de contribuir para a construção de uma Justiça mais eficiente e que olhe para o futuro. “Além disso, o contato com diferentes perspectivas acadêmicas, experiências comparadas e práticas internacionais me permitirá trazer novas abordagens para temas sensíveis à agenda do Judiciário, como a promoção de direitos fundamentais, o acesso à justiça, a inclusão social e o enfrentamento das desigualdades estruturais – inclusive a de gênero”, argumentou. 

Para Áurea, o título não se resume a um reconhecimento individual. Ele tem um impacto no coletivo, na medida em que gera um conhecimento inovador, capaz de aprimorar políticas públicas, práticas administrativas e a própria prestação jurisdicional. “Nesse sentido, os incentivos administrativos para a garantia da qualificação acadêmica e profissional é um investimento que contribuirá para a excelência de pesquisas que retornarão conhecimentos para a própria instituição. No caso do doutorado, que exige um alto investimento do pesquisador, a flexibilidade da carga horária de trabalho para a garantia da presença nas disciplinas teóricas é tão importante quanto o tempo necessário para a elaboração do texto da tese”, concluiu.

Fonte: JFRJ

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