O Departamento de Acessibilidade e Inclusão (DAI) do Sisejufe parabeniza a todas as mulheres, em especial as mulheres com deficiência, que lutam diariamente por direitos, acessibilidade, inclusão e respeito.
Para a integrante do DAI e diretora do Sisejufe, Juliana Avelar, a luta da mulher com deficiência passa pela luta da sua visibilidade em todos os aspectos, como ser humano – buscando garantir sua posição dentro da sociedade com voz ativa, como profissional – garantindo sua participação no mercado do trabalho consciente da sua capacidade, como mãe – garantindo o seu poder de decisão sobre o seu corpo. “Nesse 8 de março – dia Internacional das Mulheres – liberdade para nós significa LUTAR”, completa a dirigente sindical.
Compartilhamos abaixo um texto da Organização Nacional de Cegos do Brasil (ONCB), constituída por 90 entidades de habilitação, reabilitação, garantia e defesa de direitos de pessoas cegas e com baixa visão.
Mulher com Deficiência
Após décadas do surgimento do feminismo, movimento que luta pela igualdade de direitos entre homens e mulheres, muitas pessoas não sabem bem o que ele é, enquanto muitas discutem se é ou não necessário.
Entre desentendimentos de toda ordem, discutir sobre os reflexos do machismo na mulher com deficiência parece exigir demais das pessoas. A questão poderia esperar por mais uns quarenta anos, se os reflexos de seu desconhecimento não fossem tão graves, tanto em si mesmos, quanto por serem ignorados.
Não se trata, entretanto, de discutir as questões inicialmente propostas: a quem serve e para que serve o feminismo, supondo que ele exista, mas de trazer a realidade das mulheres com deficiência à tona, vítimas do machismo e do capacitismo, ao mesmo tempo.
Uma queixa comum das mulheres é a expropriação dos seus corpos. Corpos sexualizados precocemente, apalpados sem permissão, julgados indignos por tudo e por nada, pelo excesso e pela falta, tornam-se ainda mais invadidos quando pertencem a uma mulher com deficiência.
Algumas mulheres cegas, por exemplo, relatam serem postas no colo por homens desconhecidos enquanto desciam de ônibus, obviamente sem permissão ou necessidade, já que a deficiência visual é sensorial, não física. Naturalmente é mais difícil que isso aconteça aos homens com deficiência visual, por seus corpos serem maiores e mais pesados, desencorajando, assim, iniciativas tão capacitistas, quanto invasivas.
Em muitos espaços, nessa data especial, pessoas bem intencionadas vão às associações, para maquiarem e fazerem as unhas das mulheres com deficiência visual. Mas quantos ensinam-lhes a passar um batom, ou permitem-lhes meramente escolher, se quiserem, a cor do esmalte? Essa medida, extremamente comum, em que os corpos de mulheres com deficiência são manuseados, sem que elas possam ser partícipes do processo, torna-as passivas em um dos poucos momentos em que mulheres, muitas vezes oprimidas, possam se manifestar. Mais importante que deixar a mulher com deficiência visual “arrumada” uma vez por ano, é colaborar para que ela possa exercer com autonomia e por escolha própria os cuidados com o corpo e com a aparência.
Enquanto os homens com deficiência comumente são incentivados a superar seus limites e “dar um jeito”, às mulheres com deficiência resta a passividade, esperada das mulheres, em geral, e das com deficiência, de forma mais pronunciada.
A superproteção alia-se ao machismo quando familiares esperam que meninas com deficiência visual passem de tutela em tutela, dos pais para o marido, se alguém tiver coragem, do marido para os filhos, e assim por diante, sendo a muitas, vetada a oportunidade de estudar e ingressar no mercado de trabalho, presumindo que serão incapazes de construir a autonomia física e financeira.
Embora o quadro costume ser mais promissor nas grandes cidades, ainda encontramos, no interior, meninas e mulheres com deficiência visual que vivem dentro de suas casas, desencorajadas de sair, estudar e relacionar-se fora do seio familiar. O motivo alegado é dos mais nobres: cuidado. Mas, quando analisamos as raízes de tanto zelo, o machismo espreita, sorrateiro, bem como o capacitismo.
Muitas de nós, mulheres cegas e com baixa visão, crescemos ouvindo que “nenhum homem nos quereria, por nossa limitação”. Enquanto, em muitos meios, o valor da mulher está no casamento, uma mulher considerada “defeituosa” que por isso não seja elegível, perde, naturalmente, todo o valor.
É assim que nos deparamos com a educação sexual, raramente prevista para ser assimilada por pessoas que não enxergam. Em lugares afastados, meninas cegas e com baixa visão, ao contrário do que acontece com seus pares normovisuais, possuem precários conhecimentos, tanto sobre questões elementares ligadas ao sexo, como sobre questões referentes à concepção ou contracepção de bebês. Algumas não são ensinadas nem mesmo a fazer a própria higiene íntima cotidiana.
A ideia vetusta e perigosa de que pessoas com deficiência são puras, anjos azuis, faz com que essa população esteja mais suscetível a estupros e assédios, bem como a relacionamentos abusivos, físicos e psicológicos.
Mulheres cegas e com baixa visão que estejam em relacionamentos abusivos, podem ter mais dificuldade de sair, devido a incredulidade de suas denúncias, afinal, se um homem escolheu uma mulher “assim”, podendo ter “qualquer uma”, obviamente é um santo que jamais faria algo de errado.
Não discutiremos a desumanidade de uma mulher ouvir que é pior que qualquer uma, supondo que a atrocidade dessa enunciação esteja suficientemente clara, mas nos deteremos sobre há poucos ter ocorrido que os gestos que servem para que uma mulher denuncie violência doméstica não estejam facilmente acessíveis a essa população. É como se não existíssemos.
Enquanto isso, no dia Internacional da Mulher, cada vez mais pedem-nos que sejamos leves. Falemos de flores, da beleza feminina, da sua força, da sua gentileza, do dom de gerarmos vida, da nossa alegria e da luz em nossos sorrisos.
O questionamento final que este artigo deseja suscitar, entretanto, vai um pouco além: se querem, admirem a beleza, a força e a meiguice de mulheres com deficiência, mas, ao menos em um dia, perguntem-se o que esse verniz socialmente imposto pode esconder. Perguntem-se quantas de nós temos nossa sexualidade negada ou violada, não apenas por sermos mulheres, mas por sermos mulheres com deficiência. Perguntem-se, quantas de nós somos impedidas de sair de casa, escolher as roupas de que gostamos, trabalhar ou mesmo estudar e ter relacionamentos sexuais, por termos uma deficiência.
Nossos sorrisos fazem de nós “exemplos de superação”, nossas lágrimas fazem de nós “revoltadas”, então o que importa saber é: o que precisamos fazer para sermos vistas, simplesmente, como mulheres e com condições de protagonizar a própria história?
Descrição da imagem no destaque: #pracegover Foto de mulher com cabelos no ombro, óculos vermelhos, camisa cinza e colar; ao seu lado há uma mulher de cabelo no ombro cacheado, de óculos escuro e blusa florida; outra mulher segura o braço da que está de camisa florida. Ela veste blusa preta, está de óculos escura e segura uma bengala. (Foto: Documentário Mulheres de visão)
Imprensa Sisejufe, com informações da Organização Nacional de Cegos do Brasil