O protesto contra a Reforma da Previdência nessa quarta-feira (15/3) tomou conta da avenida Presidente Vargas. Cerca de cem mil pessoas caminharam pacificamente da Candelária à Central do Brasil com faixas e cantos animados, dentre elas, uma centena de servidores do Judiciário Federal.
No início da noite, os servidores tiravam fotos para comemorar o sucesso da mobilização quando ouviram as primeiras explosões de bombas. O ato terminou e as pessoas se dispersaram. “Com as bombas estourando, parte do nosso grupo resolveu voltar ordeiramente na direção da Candelária”, conta o diretor do Sisejufe Ricardo Quiroga.
No entanto, a Polícia Militar tentou encurralar os manifestantes, fechando a Presidente Vargas, na altura da Biblioteca Parque. Por telefone, os servidores combinaram de se encontrar na Cinelândia.
“Mal nos aproximamos, ouvimos as bombas. Incrédulos, vimos a tropa de choque avançar na praça. Quando tudo parecia calmo, surgiram motociclistas da tropa de choque com policiais na garupa, avançando sobre as pessoas”, relatou.
No bar Amarelinho, as pessoas vaiavam e xingavam os policiais que, subitamente começaram a apontar as armas contra as pessoas. “Uma moça do meu lado se expôs e seguiu chamando os policiais militares de covardes. Eles montaram nas motos e foram embora mas, ao passar por nós, um deles atirou mirando na direção dela, que estava ao meu lado, a dois metros de distância, mas por sorte ele errou”, lembra Quiroga.
Diretora Fernanda Lauria passa mal
Após o primeiro ataque da Policia Militar, as tensões se acalmaram e o serviço do bar recomeça parcialmente. Nesse momento chegou um grande grupo de servidores, que se juntou ao que já estava ali. Com as pessoas sentadas, apenas conversando, bebendo ou assistindo jogo na televisão, a tropa de choque voltou, ocupou a praça e avançou para cima dos bares. Uma bomba de gás cai ao lado da mesa em que estavam os servidores. “Nos levantamos e saímos para fugir dos efeitos”, afirmou Quiroga.
Uma parte do grupo se abrigou dentro do Amarelinho. Nesse momento, policiais militares jogaram uma bomba de gás lacrimogêneo por baixo da única porta que ainda se encontrava aberta, antes que o funcionário do bar conseguisse fechá-la totalmente.
“Pela primeira vez na minha vida tive a sensação de que fosse morrer. Comecei a sufocar. Tossia sem parar. Não conseguia respirar, nem enxergar. Com o desespero, me perdi de todo mundo, apesar do bar ser pequeno. Lembro que, enquanto pude, eu gritava desesperada para que abrissem as portas”, relata a diretora do Sisejufe Fernanda Lauria.
Foi o colega Lucas Costa que, na marra, abriu uma porta lateral do bar e tirou a diretora do sindicato dentro do estabelecimento. Já do lado de fora, a dirigente continuou com dificuldades para respirar quando o servidor Pablo Barros, que também estava dentro do bar, a carregou nos ombros para longe do Amarelinho e do foco de gás lacrimogêneo.
“Ali, num banco no meio da Cinelândia, o grupo se reuniu de novo, tentando se recompor e juntar os cacos. Aos poucos eu consegui voltar a respirar normalmente”, afirma Lauria.
“Quando a polícia nos atacou, não estava acontecendo absolutamente nada no Amarelinho”, relata Fernanda Lauria. “E justamente por isso não podemos nos deixar intimidar. Vamos encarar esses momentos como parte do processo de retomada do nosso país e da nossa democracia. Nos manteremos nas ruas lutando até o fim pelos nossos direitos. Não conseguirão nos intimidar”, declarou.
Os policiais militares seguiram fazendo ameaças e disparos. A diretora Soraia Marca e servidor Pablo Barros cobraram uma atitude dos oficiais presentes, mas eles rebatem, informando que não eram responsáveis pela tropa de choque.
O servidor Lucas Costa está revoltado. “Imbuídos de uma covardia imensa, os policiais descarregaram suas frustrações em cima de pessoas comuns, que passaram o dia defendendo os direitos dos próprios servidores da segurança e de seus familiares.”
Os servidores Marcelo Oliveira e Anny Figueiredo, também estavam na Central quando a polícia começou o ataque aos manifestantes em geral. Eles ficaram em frente ao Campo de Santana. “Muita fumaça, olhos queimando, sem podermos enxergar ou respirar. Corremos muito e conseguimos fugir, relatou Anny.
Início do confronto
A diretora Fernanda Picorelli lembra que já no final da passeata, ouviu-se o ruído estrondoso de uma primeira bomba. “Com o início da dispersão, procurei um lugar seguro, de onde pude observar o cenário bélico que se formou: helicópteros sobrevoando, cortina de fumaça que nos asfixiava, o batalhão de choque enfileirado seguindo em direção à Candelária.” À sua frente, um grupo lançava objetos variados contra os policiais militares, formavam barricadas, as incendiavam e saiam quebrando o que viam pela frente, principalmente vidraças. O grupo e a tropa se dirigiram para o final da Presidente Vargas e viraram à direita. “Quando tudo parecia estar mais tranquilo, observei a vinda de policiais em motocicletas: o da garupa de pelo menos uma delas carregava uma arma de cano longo. Foram em sentido contrário à Candelária.”
“Esse pequeno grupo que se infiltra nas mobilizações, causando pânico, dispersão precoce do movimento, dano à integridade física dos dirigentes sindicais e demais integrantes da sociedade, assim como aos bens de uso direto pelo povo, não representa, no meu sentir, os legítimos anseios da classe trabalhadora. Muito ao contrário: alimenta a falácia dos nossos algozes e a pauta de parte de uma grande mídia manipuladora de que os atos cívicos, que vêm ganhando corpo, são nocivos à população porque trazem a reboque risco e desordem.” Para a diretora, essas ações são equivocadas e devem ser veementemente repudiadas, assim como devem sofrer forte repúdio o despreparo de alguns agentes policiais que, ao invés de se voltarem à repressão desse específico grupo, dirigem sua ações, de forma truculenta e despreparada, a pessoas inocentes. “Pelo excesso verificado em suas condutas, também devem responder.”
O servidor Roberto Ponciano viu quando a violência policial iniciou, após um grupo de mascarados atacar a Guarda Municipal da Central do Brasil. Armados com pedras e morteiros, eles alvejaram a cabine da GM e depois os próprios guardas, que revidaram com bombas de “efeito moral” e gás lacrimogêneo indiscriminadamente. “Neste momento, quase instintivamente, muita gente saiu da multidão e fez um cordão, isolando os blacks blocs dos guardas municipais, tentando acabar com o confronto”, contou o servidor.
A violência dos mascarados voltou-se então contra os trabalhadores organizados que, como estavam em maioria, conseguiram resistir, esquivando-se dos morteiros. Após as discussões e com o recuo dos trabalhadores, que não queriam o confronto, eles voltaram a enfrentar a guarda e a Polícia Militar. “E tudo virou uma praça de guerra”, complementou Ponciano.
Os mascarados espalharam o terror pela Avenida Presidente Vargas, montando uma barreira de fogo em frente à sede do Sisejufe, que fica próximo à Rua Uruguaiana. A agência bancária ao lado do sindicato também foi depredada, entre outros atos de violência.
Cristiane Vianna Amaral
Imprensa Sisejufe