Por Andréa Regina da Fonseca Capellão*
Sempre tive o desejo de escrever, mas nunca há tempo… Na verdade, meu trabalho sempre envolveu a escrita, mas a jurídica. Agora sinto que preciso externar meus pensamentos para não enlouquecer. Então, vocês vão sofrer com meus devaneios, se assim desejarem.
Há alguns meses, o Ministro da Economia chamou os servidores públicos de PARASITAS. Diante da péssima repercussão, disse que a fala foi retirada do contexto, pois ele estaria se referindo a servidores de Municípios com arrecadação tão baixa que mal têm dinheiro para manter os serviços essenciais. Seja como for, caiu muito mal. Se o servidor trabalhou, tem o direito ao salário. Se o Município não tem dinheiro, que os dispense e cada um vai pro seu lado.
Pois bem. Agora, no meio dessa crise política, uma nova declaração infeliz: “o servidor não pode ficar em casa trancado com a geladeira cheia assistindo a crise, enquanto milhões de brasileiros estão perdendo o emprego”. Já que o ministro sempre considerou os servidores públicos privilegiados, chego à seguinte conclusão: ficar em casa e ter a geladeira cheia virou um privilégio.
Vamos à origem da palavra. O que é um privilégio? Segundo o dicionário Houaiss, privilégio é “direito, vantagem, prerrogativa, válidos apenas para um indivíduo ou um grupo, em detrimento da maioria; apanágio, regalia”. Agora eu pergunto: ter comida na geladeira é um privilégio? Ter comida virou uma vantagem válida apenas para um grupo em detrimento da maioria? Bom, se chegamos a esse ponto, tem muita coisa errada por aí. Ter comida deveria ser um direito de todos… Aliás, é um direito assegurado na Constituição que, pobrezinha, tem sido chamada de “constituição comunista”.
Vários servidores realmente estão trancados em casa, mas não estão assistindo a crise como quem assiste televisão. Por ordem dos superiores, estamos em teletrabalho e somos pagos para isso. Chego agora ao ponto principal da minha divagação: sinto que temos a RESPONSABILIDADE de ficar em casa. Devemos ficar em casa, devemos trabalhar à distância, devemos encomendar as compras, devemos continuar pagando a quem nos presta serviços para que eles também possam permanecer em casa. Não podemos sair, não podemos pegar o transporte público lotado, não podemos mais encontrar nossos queridos colegas de trabalho, tampouco bater papo com o gari, o florista, o jornaleiro. Não podemos fazer festinha como fez uma certa blogueira, não vamos visitar bebês que nascem ou prantear os amigos e parentes que se vão. Não podemos sequer abraçar os aniversariantes. Mas, para o Ministro, somos privilegiados.
Depois de tanto estudo, concurso, mais estudo, trabalho, mais estudo, mais trabalho, o mínimo que podemos esperar do nosso empregador é que ele permita que nossas geladeiras permaneçam cheias. Não somos privilegiados, somos pessoas responsáveis, cientes dos nossos deveres de cidadãos e de servidores públicos. O mínimo que podemos esperar é que os dirigentes desse país sejam responsáveis também, que cumpram suas obrigações e cuidem da população. Mas parece que ultimamente isso é pedir demais.
*Andréa Regina da Fonseca Capellão é analista judiciário