Por Clarisse Pacheco*
Nossa relação sempre foi de amor e ódio. E também de sobrevivência: eu precisando de você, você precisando de mim, de certa forma (pelo menos é assim que prefiro pensar). Hora te amando de paixão, hora querendo te ver a quilômetros de distância. Por vezes não querendo saber de você nunca mais, por outras, não conseguindo me imaginar sem você em minha vida.
Como toda montanha russa possui seus trechos de tranquilas planícies, estava dentre uma dessas curvas sinuosas e agradáveis de se passar quando irrompeu a pandemia. Aliás, a pandemia foi a sua montanha russa, você que sempre se colocou acima de qualquer emoção. E,de repente, não sabíamos como reagir. Logo você, que sempre teve as respostas precisas e protocolares.
Foi num domingo que recebi um aviso seu para não voltar. Aviso inédito e intempestivo, vindo de alguém tão previsível como você. Talvez tenha sido até a sua estabilidade que tenha me atraído por você, eu, que sou tão insegura. Mas aquele aviso realmente me deixou alarmada. Você me dava um tempo imprevisível. Nossa relação ficou em suspenso. E pela primeira vez me deixou notar sua falibilidade e incerteza quanto ao futuro. É…realmente tive motivos para me alarmar (para dizer o mínimo).
Contudo, sua estabilidade não falhou. Vi muitos amigos perdendo suas relações, vi o mundo mudando seus paradigmas, suas formas de agir. Você preferiu rever sua forma de atuar, e me incluiu. É claro que necessitava que eu fizesse a minha parte, me adaptando ao seu novo normal. E para isso eu precisava me equipar. E você continuou fiel: você me ajudaria nisso também.
Agendamos uma data para você me emprestar suas ferramentas, que seriam minhas por tempo indeterminado. De início, me desagradei de suas condições, mas depois percebi que não havia outra alternativa, nem outras formas de contornarmos a situação. Eu iria até você, apesar de todas as dificuldades que se impuseram em nossos caminhos. Confesso que senti muito frio na barriga quando chegou o dia em que iria te rever, depois de tanto tempo.
Mas o pior foi confirmar o frio na barriga, que já me subia pela espinha: foi desolador te ver tão vazio, logo você que foi sempre tão cheio de vida e movimento. Quando cheguei em nossa sala de trabalho, seu abandono se confirmava nos copos de chá por beber em cima das mesas, nas plantas ressequidas das estações de trabalho, na poeira acumulada, no vazio suspenso dos corredores, outrora tão tumultuosos. Cheguei a sentir falta do burburinho das copas.
Precisei de um tempo para reagir ao impacto. Depois veio o choro. Sim, chorei que nem criança quando me vi sozinha desconectando meu desktop. Nem deu para sentir orgulho de mim mesma por estar me superando e realizando algo que eu nunca me imaginaria capaz de fazer (duvidei que conseguiria conectar tudo por minha conta – logo eu, que ando tão desconectada – a gente sempre se surpreende em momentos de necessidade). Precisei me acalmar, respirar fundo para não desesperar, e focar no pensamento: “vai passar”.
Sim, vai passar, e nada será como antes: meu sentimento de gratidão por fazer parte de você, a valorização por tudo o que conquistamos e ainda temos aconquistar, a certeza de que continuaremos tentando, entre erros e acertos, a fazer o nosso melhor.
*Clarisse Pacheco é servidora da JFRJ