Longas jornadas de trabalho atinge a integridade física e psíquica dos brasileiros
Por William Glauber*
Estudo inédito da CUT [Central Única dos Trabalhadores] e do Dieese [Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos] aponta que 43,3% dos empregados dos ramos lúrgico, Químico, Vestuário, Transporte e Comércio apresentam algum problema de saúde em função do trabalho. Ao longo de 2005, a central e o instituto consultaram mais de 3 mil trabalhadores para mapear a prática das horas extras no país, incluindo assalariados do Grande ABC.
Do total de trabalhadores que relacionam distúrbios físicos e mentais ao trabalho, 61,9% disseram ter dores musculares. Logo atrás vem o estresse – conjunto de patologias, sinais e sintomas diversos relacionados ao sofrimento mental – com 53,7% das respostas. Em seguida, aparecem distúrbios do sono [29,5%], lesões [17,1%], depressão [16%] e outros problemas [5,6%]. A soma das respostas ultrapassa 100% porque os trabalhadores podem reclamar mais de um transtorno.
Embora os dados demandem análises mais aprofundadas – como aponta o relatório final da CUT e do Dieese -, a pesquisa revela que os entrevistados têm nítida percepção dos agravos à saúde provocados pelo trabalho. Para comprovar, basta observar que 67,3% dos trabalhadores associam os problemas físicos ou mentais ao ritmo de trabalho, 37,6% à pressão da chefia, 24,5% ao excesso de horas trabalhadas e 11,6% remetem os problemas de saúde ao assédio moral.
Segundo avaliação do estudo, os resultados mostram também que o diagnóstico de enfermidades relacionadas ao mundo trabalho caminha para proporções epidêmicas. Ilustram essa realidade os casos de LER-DORT [Lesões por Esforços Repetitivos/Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho] – decorrentes de sobrecarga do sistema músculo-esquelético – e os transtornos mentais, com efeitos psicossociais. Nesse contexto, as mulheres são as principais vítimas.
Ao esmiuçar alguns dados da pesquisa, a diferença entre gêneros – masculino e feminino -, além de salarial, também se revela acentuada em questão de saúde. Enquanto 55,7% dos homens apresentam dores musculares, a queixa atinge 70,2% das mulheres. Elas também estão mais deprimidas: 20,4%; contra 12,8% dos homens. Análise de técnicos do Dieese explica as discrepâncias nos índices com base na precarização do trabalho nos setores majoritariamente femininos, como Comércio, Serviço e Vestuário.
Preconceito
Resgatando o caráter epidêmico das doenças do trabalho, a assessora da Secretaria de Organização Sindical da CUT e psicóloga especializada em saúde do trabalhador Claudia Rejane de Lima destaca os transtornos mentais como distúrbios ocultos nas estatísticas oficiais. ‘O termo estresse está menos carregado de preconceito e abrange, no senso comum, sintomas como tristeza, depressão e nervosismo’, explica.
A assessora da CUT aponta também que a lógica de produção ‘enxuta’ apresenta elevadas exigências aos trabalhadores. ‘Hoje, o trabalhador tem de ser polivalente e propositivo. O tempo todo tem de agregar valor à produção constantemente’, acrescenta a psicóloga. Segundo Claudia, quanto mais tempo no ambiente de trabalho mais propenso o empregado ficará aos fatores de risco para o adoecimento.
Além de problemas que afetam diretamente a saúde tanto física como mental, os trabalhadores também indicaram na pesquisa que as horas extras e as longas jornadas acarretam problemas pessoais para 28% dos entrevistados. Do total, 19,1% afirmam ter problema no convívio familiar e o restante – 7,1% – diz ter os estudos prejudicados por conta do trabalho em excesso.
Com a limitação da prática das horas extras, conforme propõe o projeto de lei elaborado pela CUT, os trabalhadores, segundo Claudia, passariam menos tempo expostos às pressões, como assédio moral, além de protegidos de intensas jornadas diárias, semanais ou mensais. ‘No tempo livre, os trabalhadores poderiam dar vazão a atividades culturais ou de lazer com a família ou com os amigos.’
lúrgicos se destacam em jornada
Os lúrgicos – uma das categorias mais fortes da CUT [Central Única dos Trabalhadores] – despontam entre os primeiros no ranking das horas extras. Do total de empregados no setor, 86,4% afirmam estender a jornada de trabalho para complementar a renda e demonstrar comprometimento com a empresa. Ante o elevado número de horas extras, a CNM [Confederação Nacional dos lúrgicos] lançou campanha de combate às longas jornadas para estimular a geração de empregos.
Segundo o secretário de Organização da CNM, Valter Sanches, as horas extras crescem na categoria quando o setor lúrgico, que abrange as indústrias automobilística e de autopeças, apresenta bom desempenho produtivo. ‘Se a produção aumenta, cresce também o número de horas extras. Somente, por último, empregos são gerados’, explica o sindicalista.
Sanches destaca que, embora os trabalhadores da categoria sejam adeptos das horas extras, acordo entre a CNM, a Anfavea [Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores] e o Sindipeças [Sindicato da Indústria de Componentes de Veículos Automotores] limita a prática das horas extras.
Desde 2004, cada trabalhador pode acumular apenas 29 horas extras por mês e 270 horas por ano. Caso os limites sejam excedidos, os adicionais passam de 50% para 75% durante a semana e de 100% para 130% aos domingos e feriados.
Sanches lembra que na DaimlerChrysler, de São Bernardo, existe acordo entre o Sindicato dos lúrgicos do ABC e a empresa que também regula a extensão da jornada. ‘Semanalmente, fazemos avaliações dos indicadores de produção. Com base nisso, não ocorrem horas extras sem consentimento do sindicato. Desde 2003, a unidade já abriu 2,2 mil novas vagas.’
Para o secretário de Organização da CNM, campanhas de redução de horas extras e acordos colaboraram em parte para o aumento do número de postos de trabalho no setor lúrgico. Desde janeiro de 2003, somam-se à categoria 300 mil novos empregos, totalizando 1,6 milhão de lúrgicos no país. Em 2005, os trabalhadores da Volkswagen, segundo o Sindicato, realizaram 720 mil horas extras, que poderiam gerar 500 postos na Anchieta.
Projeto da CUT quer limitar hora extra
Como parte da campanha nacional pela redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais sem prejuízos de salários para geração de empregos, a CUT [Central Única dos Trabalhadores] elabora projeto de lei para cercear a prática das horas extras no Brasil. Segundo pesquisa da central e do Dieese [Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos], 77,8% dos trabalhadores estendem a jornada de trabalho. Do total, 69,7% dependem dos adicionais para complementação da renda familiar.
A nova gestão da CUT, encabeçada pelo eletricitário e sociólogo Artur Henrique da Silva Santos, apresentará a parlamentares do Congresso Nacional projeto de lei que altera o artigo 59 da CLT [Consolidação das Leis Trabalhistas]. A proposta mantém em duas horas por dia a jornada extra, como permite a legislação atualmente, mas reduz o estoque mensal máximo de 50 para 30 horas, limitadas a 110 horas por semestre.
Para estimular a geração potencial de quase 2 milhões de novos postos de trabalho com a redução da jornada e limitação das extras, o projeto de lei da CUT quer morder o bolso do empresariado. O texto propõe a elevação do adicional sobre o valor da hora extra de 50% para 75% e, mediante negociação coletiva, o valor seria acrescido em 100%. Aos domingos e feriados, a lei exigiria adicional também de pelo menos 100%.
Além disso, a CUT quer impor restrições à realização de horas extras a determinados trabalhadores. O projeto de lei redigido pela central proíbe a prática de horas extras no caso de empregados com contratos sob regime de tempo parcial, aposentados, trabalhadores que apresentem restrições físicas ou psíquicas comprovadas e mulheres gestantes ou lactantes.
Contradição
Embora grande parte dos trabalhadores da base pesquisados pela CUT respondam realizar extras para complementar a renda, a central propõe a limitação da prática, associada à redução de jornada – hoje estabelecida pela Constituição Federal em 44 horas semanais. Com isso, a intenção da CUT é forçar a contratação formal, estimular a geração de empregos e melhorar a qualidade de vida do trabalhador.
A economista do Dieese/CUT Patrícia Toledo Pelatieri explica que em momentos de crescimento econômico o empresariado opta por aumentar a produção sem efetuar novas contratações. ‘É contestável, mas o setor patronal alega que contratação e demissão no Brasil têm altos custos. Com isso, a prática das horas extras passa a ser permanente no país.’ Para barrar esse processo, Patrícia é contundente: ‘O inibidor é o custo. Tem de aumentar o valor da hora extra’.
A técnica do Dieese ressalta, no entanto, que a pesquisa inédita no país apresenta um paradoxo. ‘O trabalhador relaciona os problemas de saúde, família e estudo com as longas jornadas e o intenso ritmo de trabalho. Mas a maioria faz porque precisa da renda para a sobrevivência da família. No entanto, jornada de 16 horas não é bom caminho, apesar de ser uma solução individual.’ O estudo apurou que 45,3% dos trabalhadores estendem a jornada para complementação essencial do salário.
Solução
O presidente da CUT, Artur Henrique da Silva Santos, aponta o desenvolvimento econômico e a distribuição da riqueza como elementos fundamentais para garantir melhor renda aos trabalhadores brasileiros. ‘Queremos crescimento vigoroso, com quedas das taxas de juros e do superávit primário [economia dos gastos públicos para pagamento dos juros da dívida externa]’, ressalta o sindicalista.
Artur Henrique destaca que longas jornadas de trabalho acarretam, sobretudo, prejuízo social. ‘Geram renda, mas trazem problemas sociais e familiares, além dos custos maiores com saúde. Defendemos, na verdade, a mobilização dos trabalhadores para que conquistem aumento real, valorização do salário mínimo e políticas de controle da inflação’, elenca o presidente da CUT. ‘A redução da jornada sem redução de salário é um bandeira histórica’, acrescenta.
* William Glauber é jornalista do Diário do Grande ABC