No Encontro Estadual de Saúde da Fenajufe, realizado no dia 14 de julho, foi apresentada pela primeira vez a pesquisa ‘Saúde do Servidor na Pandemia’, realizada pelo Sisejufe para identificar o impacto do trabalho remoto ou home office na saúde da categoria. Segundo a coordenadora do Departamento de Saúde do Sindicato, Andrea Capellão, os dados do estudo serão trabalhados pelo Sindicato na divulgação e enfrentamento do adoecimento laboral, especialmente no trabalho à distância ou ainda na modalidade híbrida.
Os números da pesquisa foram comentados pelo psicólogo e especialista em Saúde no Trabalho, Arthur Lobato. O evento, mediado por Andrea Capellão e pela assessora política Vera Miranda, também contou com a participação da secretária de Saúde e Relações de Trabalho do Sintrajufe/RS, Mara Weber. A dirigente sindical cruzou o resultado da pesquisa do Rio com a que foi feita pela entidade gaúcha sobre trabalho remoto compulsório e confinado.
Arthur Lobato é coordenador do Departamento de Saúde do Trabalhador e combate ao assédio moral do Sitraem/MG e parabenizou o Sisejufe pela realização da pesquisa. “É uma cobrança que os tribunais sempre têm com os sindicatos, de que precisam de dados e informações. E essas pesquisas são muito importantes porque comprovam o que já sabemos através do discurso dos colegas”.
Queixas e relatos de colegas mineiros se refletem na pesquisa feita por sindicato fluminense
O pisicólogo e dirigente fez um comparativo do estudo com as queixas que chegaram pelo atendimento ou durante as rodas de conversa do sindicato mineiro. Arthur abordou os resultados pesquisa do Sisejufe referente aos aspectos relacionados ao psiquismo e a subjetividade na saúde dos trabalhadores do Judiciário. “A gente tem que entender que mundo do trabalho, principalmente os gestores que estão muito preocupados com essa política de metas e produtividade, as pessoas são diferentes e reagem de forma diferente às dificuldades e imposições desse modelo neotoyotista.”
Arthur falou um pouco sobre esse “new public management” ou “nova forma de se gerenciar o serviço público” que buscaria essencialmente números, estatísticas e principalmente produtividade, sem respeitar os limites da capacidade humana e os direitos de quem produz. “Por isso, os sindicatos têm um papel muito importante nesse mundo atual. Não é uma questão só de lutar pelos direitos. A saúde é uma luta sindical”.
Para o psicólogo, a prestação do serviço público no modelo neoliberal adotado pelo governo é tratada como um produto. “Essa forma como está se gerenciando o serviço público vai causar impacto sobre a saúde e vai afetar o psiquismo e o emocional”.
Em relação à quantidade de horas trabalhadas, segundo o resultado da pesquisa do Sisejufe, 32,50% dos respondentes trabalham mais do que as oito horas regulares e 10% não conseguiram mensurar esse tempo. Na pergunta “você trabalha além da sua jornada contratual?”, 52,50% dos respondentes disseram que sim. A pesquisa foi feita durante a pandemia, onde prevaleceu o conceito de jornada de trabalho. Diferentemente do teletrabalho, onde o/a servidor/a está ligado/a a um sistema operacional e trabalho eletrônico, na pandemia a categoria teve que literalmente levar as mais diversas tarefas. (não entendi o termo “levar as mais diversas tarefas”
Causas do aumento do trabalho durante a pandemia
Dentre os motivos para o aumento do trabalho, a redução da quantidade de servidores foi apontada como o principal fator responsável pela sobrecarga, com 87,50% de respondentes. Durante toda a pandemia que, é importante ressaltar, ainda não terminou, foram aquelas e aqueles com mais de 60 anos e os/as que se enquadram nos grupos de risco para a Covid-19. (também não entendi o sentido da frase). No entanto, independentemente da pandemia, a quantidade de cargos vagos por aposentadoria e afastamento que não são repostos também aumentou nos últimos anos pela política de congelamento dos concursos públicos.
O trabalho remoto pode ser bastante cansativo, ao contrário do que pode parecer a princípio. Comparado com o trabalho presencial, 42,50% dos respondentes se disseram mais cansados realizando as tarefas em home office. “O cansaço já é sinal desse excesso de trabalho. O cansaço é cumulativo e foram dois anos de pandemia”.
Nas falas dos colegas de Minas Gerais, segundo Arthur, o teletrabalho emergencial compulsório foi essencial para a manutenção dos serviços quando a pandemia se instalou, mas foi uma adaptação muito problemática mudar todo o processo e a rotina de trabalho de uma hora para outra. “Um dado importante que aparece nos relatos é a falta de concentração em casa. Porque em casa tem crianças, idosos, e muitas vezes a mulher não é respeitada no seu teletrabalho pelas atividades caseiras e cuidados dos filhos. Isso gera uma ansiedade e um desânimo durante a pandemia e uma maior exigência dos que já estavam no teletrabalho”.
Apesar das dificuldades, muitos querem a manutenção do trabalho em casa
Dos respondentes, 61,54% disseram ter trabalhado mais horas durante o home office do que na jornada presencial e 65% disseram ser interrompidos por familiares enquanto estavam em atividade. “As mulheres são o maior número, e vocês podem falar melhor do que eu, é essa mulher que teve que dar conta do teletrabalho e das situações caseiras”.
Apesar de todas as dificuldades, a pesquisa aponta para o fato de que as pessoas, mesmo depois da pandemia, gostariam de se integrar ao teletrabalho. Disseram sim a essa proposição 43,59% dos entrevistados. Outros 41,03% disseram querer continuar parcialmente em home office. “Muitos podem querer esse trabalho híbrido, mas vai ser outra luta do sindicato para ver quais serão os critérios e como será o respeito ao desejo de cada um nesse processo”.
O desejo de integração definitiva ao teletrabalho pode ser explicado por vários fatores, como questões pessoais (flexibilidade para se dedicar às tarefas relativas à família) ou até pela dificuldade de deslocamento nas grandes cidades.
Assédio Moral online
O psicólogo acredita que há indícios nas falas dos servidores de que esteja acontecendo assédio moral no trabalho remoto. Uma das pistas é a mistura de jornada e produtividade. “Afinal, eu tenho que cumprir a jornada ou eu tenho que produzir o que me mandam fazer mesmo que ultrapasse a jornada? Bom, ficou claro que a jornada foi ultrapassada”, disse Arthur.
As ligações com ordens de serviço nos momentos de folga, lazer e descanso e uso de smartfones e WhatsApp para o trabalho também são indícios de abuso de chefias, segundo alguns relatos. O trabalho que contamina o psiquismo, como receber o pedido algo na sexta-feira que só pode ser resolvido na segunda ou então receber mensagens na madrugada ou ordens confusas das chefias e o trabalho extra não computado também poderiam ser consideradas, segundo Arthur, formas de assédio online. Para corroborar a tese, a pesquisa do Sisejufe demonstrou que 72,5% dos entrevistados recebem mensagens por aplicativo de celular ou outra forma de contato fora do horário de trabalho.
A Diretora Andréa Capellão ressaltou a necessidade de se afirmar o direito ao desligamento. “Muitos chefes falam que enviam as mensagens para aquilo adiantar e que o servidor pode resolver depois… mas o que eles fazem é transferir o problema para outra pessoa, que passa a ter aquela preocupação e, muitas vezes, interrompe seu descanso para trabalhar e resolver logo a pendência”.
Adoecimento psíquico
Sobre o adoecimento mental no serviço judiciário durante a pandemia, Arthur considerou o quadro apresentado pela pesquisa do Sindicato como alarmante:90% das servidoras e servidoras se sentem nervosos, tensos ou preocupados; metade estão mais cansados; 37% se disseram mais tristes; 30% têm chorado mais do que de costume; 10% disseram se sentir inúteis ou sem préstimos; e 5% dos entrevistados disseram ter tido ideias de acabar com a vida ou ideação suicida, o que, segundo Arthur, mostra que “alguma coisa não vai bem.”
Mara Weber disse que o tema da Saúde do Trabalhador vai começar a tomar uma dimensão maior na pauta sindical. “A gente não tem ainda esse movimento completo. Temos muitos sindicatos que ainda nem sequer conseguem estruturar alguma coisa dentro da entidade para fazer acolhimento e construir políticas que a gente possa defender nos nossos regionais, mas, principalmente, as ações têm que ser nacionais, porque somos regidos pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça). E a importância de agregar os colegas do judiciário estadual nessa luta.”
Sinal de alerta
Mara chamou a atenção para o fato de o teletrabalho ter sido inserido no Judiciário de uma forma muito abrupta, voltando ao dado da pesquisa do Sisejufe que mostra que 5% da categoria teve ideias de atentar contra a própria vida. “O modelo neoliberal que entrou no serviço público de forma muito agressiva no Poder Judiciário e MPU tem trazido consequências bastante graves, incluindo as ideações suicidas. Infelizmente, a gente perdeu mais um colega da justiça do trabalho aqui, um menino de 38 anos que se suicidou. Desde o início da pandemia, perdemos três colegas por suicídio na Justiça do Trabalho do Rio Grande do Sul. É um sinal de alerta”.
Mara responsabiliza o modelo de trabalho produtivista que o CNJ tem implementado, que levaria a um sofrimento ético, o que explicaria o grande sofrimento mental da categoria retratado pela pesquisa. A dirigente destacou o assédio moral e o sexual no trabalho como importantes fatores de adoecimento. “A gente não tem noção do que significa o assédio sexual no Judiciário. Talvez a gente tenha algum exemplo olhando o ex-presidente da Caixa Econômica Federal do quanto temos acobertado e o que temos de denúncia que não está sendo notificada de assédio sexual dentro do poder judiciário e do Ministério Público”.
Trabalho remoto e confinado
No Rio Grande do Sul, o Sindicato fez uma pesquisa sobre Trabalho Remoto Compulsório e sob Confinamento com 462 participantes, entre 01 de outubro de 2020 e 11 de março de 2021. Além de dados muito próximos aos que foram expostos pela pesquisa do Sisejufe, Mara destacou o retrato das casas das servidoras e servidores durante a pandemia: 79,2% dos respondentes moraram com mais 1 a 3 pessoas; 53% deles moravam com uma ou duas crianças ou pessoas que exigiam cuidados ou atenção especial.
A pesquisa do Sintrajufe/RS ilustra bem a situação dos que tiveram que migrar de forma emergencial para o trabalho remoto: 44,2% tinham uma conexão de internet pior ou muito pior em casa do que no local de trabalho. A quantidade de pessoas com quem tiveram que compartilhar o tráfego de internet doméstico também não foi pequena: 77,3% dos entrevistados dividiam seu pacote de dados durante o trabalho com mais uma a três pessoas.
A pesquisa também demonstrou que a duração da jornada aumentou para 40,5% dos entrevistados. Sendo que para 39,6% aumentou em uma a duas horas e para 16% o tempo de trabalho diário aumentou em mais de duas horas no home office.
Assim como na pesquisa feita com a categoria do Rio de Janeiro, os resultados do questionário aplicado pelo Sintrajufe mostrou um quadro de adoecimento durante a pandemia por conta de uma lógica de administração produtivista que aumentou a quantidade de trabalho por cobrança de chefia, por metas de produtividade;ampliou a jornada, aumentou a quantidade de processos (40% dos respondentes), sobrecarregou o trabalho associado ao cuidados com filhos, familiares e trabalhos domésticos e deixou mais clara a necessidade de abertura de concursos e vagas para o atendimento das demandas do sistema judiciário federal.
Sisejufe participará com cinco delegados de Encontro Nacional
Ao final, os participantes elegeram a delegação que irá participar do Encontro Nacional de Saúde da Fenajufe, a ser realizado em formato híbrido, nos dias 6 e 7 de agosto. Foram eleitos Andrea Capellão, Carla Nascimento, Dinorah Gama, Eliene Neves, Juliana Avelar e Rogério Ruíz.
Manuella Soares, jornalista, especial para o Sisejufe.