O Sisejufe está promovendo a Semana de Lutas da Pessoa com Deficiência com debates transmitidos ao vivo pelo canal do sindicato no Youtube. As atividades iniciaram na segunda-feira (20/9), com a antropóloga Anahí Guedes de Mello. Mestre e doutora em Antropologia Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e pesquisadora da organização feminista Anis – Instituto de Bioética, Anahí é uma das principais referências sobre capacitismo no país.
A debatedora contextualizou a luta anticapacitista, que teve como um momento fundamental no Brasil o lançamento do livro O que é deficiência? de autoria de Debora Diniz, cofundadora da Anis, em 2007. “A deficiência não está no corpo. Ela vai além do corpo. Ela não se encerra no corpo”, destacou Anahí. É preciso pensar sua relação com o ambiente, criando um contraponto à visão biomédica, na qual a deficiência deve ser corrigida, curada, consertada.
No entanto, até aquele momento, não havia um nome para a discriminação contra as pessoas com deficiência. “A gente sabe que nomear é visibilizar, denunciar as violências específicas.” Foi por volta de 2010 que Anahí conheceu o termo capacitismo, já usado na Espanha e em Portugal.
Além da discriminação contra as pessoas com deficiência é preciso entender o capacitismo em termos estruturais. “Como uma normatividade corporal e comportamental, baseada numa premissa da funcionalidade total da pessoa.” Significa um padrão de referência do capitalismo neoliberal. “O sujeito para ser útil precisa ser saudável, produtivo, funcional, independente.” Assim, o capacitismo é entendido como estruturante, pois é “incapaz de prever a diversidade corporal”. É preciso que a sociedade e o estado eliminem barreiras, sejam arquitetônicas, comunicacionais, entre outras, tendo a inclusão como objetivo fundamental.
As primeiras tentativas de oficializar a palavra no país foram em um documento da Universidade Federal de Santa Catarina e, posteriormente, na 3ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, em 2011, mas sem sucesso. Foi então que na 2ª Conferência Nacional de Políticas Públicas de Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, realizada no mesmo ano, que o termo capacitismo integrou um primeiro documento oficial, institucional. A antropóloga salientou que o termo só se estabeleceu a partir da aliança com o movimento LGBT.
É nesse sentido de ampliação que Anahí defende o anticapacitismo ao lado de diferentes movimentos e lutas (como a resistência às reformas nas áreas trabalhista e previdenciária) anticapitalistas, com outros corpos considerados abjetos, que chama de dissidentes, pois também podem sofrer capacitismo. Como exemplo, ela citou o golpe misógino de 2016. “A presidenta Dilma era questionada em relação a sua capacidade de presidir e gerenciar o país apenas porque é mulher.” Enfatizou ainda, que a deficiência não pode ser dissociada da questão de classe.
Engajamento do Governo Bolsonaro é falso
Com a mediação da assistente da Assessoria Política Ana Priscila Alves, o público interagiu e fez perguntas. Anahí disse que a aceitação das lutas das pessoas com deficiência pelo Governo Bolsonaro é falsa, pois, na verdade, o que está sendo feito é uma apropriação da pauta para o que chama de “economia da pena”, fazendo com que as pessoas que não têm deficiência se mobilizem para se livrar dos seus “pecados”. E criticou a ideia de criar escolas especiais, o que significaria um retrocesso na política de inclusão na educação brasileira.
Anahí defendeu que os sindicatos estejam atentos a essa pauta, pois as deficiências podem ser consequências de acidentes de trabalho, de excessos de jornada ou mesmo de fenômenos naturais, como o envelhecimento, e é necessário garantir acesso a benefícios para essa parcela da população discriminada. Para a pesquisadora, o capacitismo deve ser colocado pelas instituições na mesma categoria de análise que discute racismo, sexismo, lgbtfobia, com o mesmo status epistemológico e ontológico das outras lutas de classe.
O capacitismo também está no Judiciário
O coordenador do Departamento de Acessibilidade e Inclusão (DAI), Ricardo Azevedo, defendeu que a agenda anticapacitista chegue às administrações do poder Judiciário. “Porque o capacitismo nos afeta a todo o instante… vai acontecendo de maneira silenciosa, na prática do dia a dia, quando os servidores com deficiências ficam para trás na hora de (obter) uma função comissionada.” Ele conta que muitas vezes são preteridos numa mudança de chefia, por exemplo, vaga que acaba sendo preenchida por alguém de outro setor. “É uma demonstração clara de que nenhum daqueles servidores com deficiência foi considerado capaz de assumir a supervisão.”
Para Anahí, como qualquer outro lugar, o judiciário não está imune a práticas capacitistas, ressaltando que o sujeito universal do capitalismo, referência para o patriarcado, é um homem, branco, hétero, cis e sem deficiência. Quem não corresponde a esse padrão, tem questionada sua competência para trabalhar no sistema, ou até mesmo de ser uma testemunha. É comum a exigência de laudos psiquiátricos em processos, atestando que a pessoa, independentemente do tipo deficiência, tem capacidade de discernimento.
Da mesma forma, o coordenador do DAI ponderou que o capacitismo pode afetar a vida no âmbito pessoal. As pessoas com deficiência podem ser consideradas incapazes até mesmo de exercer funções como a paternidade. E que é necessário estar atento às decisões do Judiciário para que não se crie uma jurisprudência desfavorável, prejudicando ainda mais as pessoas que integram o segmento.
A Semana de Lutas da Pessoa com Deficiência foi idealizada pelo Departamento de Acessibilidade e Inclusão e organizada em parceria com a Assessoria Política do Sisejufe. “O dia 21 de setembro, dia nacional de lutas do segmento, já é uma referência no calendário do sindicato”, afirmou Ricardo.
O debate já está disponível no Youtube. Clique aqui e assista no CANAL SISEJUFE.
Para saber mais sobre o anticapacistismo: