Por Antônio Augusto de Queiroz*
O plano “Mais Brasil” consiste em ampla reforma constitucional, elaborada sob a lógica do ajuste fiscal, que tem por objetivo: 1) a redução da presença do Estado no provimento de bens e serviços à população; 2) a desregulamentação de direitos e a regulamentações de restrições e obrigações; e 3) a privatização dos serviços públicos.
O pacote, que é constituído por três propostas de emendas à Constituição (PEC), a ser complementado pela PEC da Reforma Administrativa, faz parte de um conjunto de reformas, com brutal ajuste fiscal, que persegue única e exclusivamente o lado da despesa, e, caso venha a ser aprovado, em nossa avaliação, terá como consequência a retirada dos mais pobres do orçamento público e ao desmonte do Estado de Proteção Social.
Esse pacote, aliás, é um aprofundamento de outras reformas já realizadas, que reduzem a presença dos pobres no orçamento, reduzem a participação dos trabalhadores na renda nacional, e ampliam a desigualdade e pobreza em nosso País, como:
1) a Emenda Constitucional 95, do Teto de Gasto, que congelou, em termos reais, o orçamento público por 20 anos;
2) a Reforma Trabalhista, que criou novas modalidades precárias de contração de trabalho, como a pejotização e o trabalho intermitente;
3) a Terceirização generalizada, que precariza as relações de trabalho, reduz o salário e piora as condições de trabalho, inclusive em relação à segurança;
4) a Reforma da Previdência, que modificou os fundamentos da concessão do benefício em 3 dimensões e todos em prejuízo do segurado: aumento da idade, aumento do tempo de contribuição e redução do benefício.
A aprovação e implementação desse pacto, que aprofunda e torna permanente o ajuste fiscal, segundo Luiz Alberto dos Santos, especialista em gestão pública, terá como consequências:
1) o desmonte do Estado;
2) a desorganização administrativa;
3) a fragilização do serviço público;
4) a quebra de isonomia;
5) a priorização da dívida pública e despesas financeiras;
6) o aprofundamento da rigidez do Teto de Gasto; e
7) além de pacto federativo via cooptação financeira imediata e condicionada.
O fundamento teórico das medidas é a defesa do equilíbrio fiscal intergeracional, por meio do qual impede que as atuais gerações deixem dívidas para as futuras, admitindo apenas aquelas dívidas que possam também gerar retorno para as próximas gerações, como os investimentos ou as despesas de capital.
Foi nesse contexto fiscalista que o governo Bolsonaro enviou ao Senado Federal as PEC 186, 187 e 188, todas subscritas pelo líder do governo na Casa, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB/PE), cujos pontos centrais foram reunidos no parecer do senador Márcio Bittar (MDB/AC).
1) PEC 186/2019, conhecida como PEC emergencial, traz três mudanças estruturais nas finanças públicas: 1.1) torna permanente o ajuste previsto no Teto de Gasto Público, de que trata a EC 95; 1.2) estende sua aplicação aos estados, Distrito Federal e municípios; e 1.3) vincula a aplicação do Teto de Gasto à chamada Regra de Ouro.
2) PEC 187/2019, fundos infraconstitucionais, traz uma espécie de DRU permanente, prevê a extinção de 248 fundos, disponibilizando R$ 219 bilhões para amortização da dívida pública, além de: 2.1) Determina a transferência dos recursos que hoje formam este fundo ao respectivo Poder na esfera federativa que o tenha criado: 2.2) anula dispositivos infraconstitucionais vinculados aos fundos; 2.3) autoriza que as receitas desvinculadas poderão ser destinadas a programas voltados à erradicação da pobreza, investimentos em infraestrutura que visem a reconstrução nacional; e 2.4) destina as receitas públicas dos fundos, até que eles sejam extintos, à amortização da dívida pública.
3) PEC 188/2019, a mais abrangente e conhecida como Pacto Federativo, traz princípios gerais, a serem disciplinados em lei complementar, que profunda o ajuste fiscal, como: 3.1) desobrigação, desindexação e desvinculação (DDD) — desindexa despesas obrigatórias (deixa de reajustar) em caso de emergencial fiscal; 3.2) prevê a necessidade de observância do equilíbrio fiscal intergeracional dos direitos sociais, do art. 6o da Constituição Federal; e 3.3) sustentabilidade da dívida pública.
Segundo o parecer do relator, o cerne da proposição são os mecanismos de estabilização e ajuste, a serem acionados em três hipóteses: (i) na União, quando descumprida a regra de ouro; (ii) nos demais entes, quando as despesas correntes superarem 95% das receitas correntes, nos doze meses anteriores; (iii) todos os entes, quando decretado pelo Congresso estado de calamidade de âmbito nacional.
Os principais aspectos críticos do relatório da PEC emergencial, em caráter permanente, são:
a) revogação dos pisos de educação e saúde;
b) necessidade de observância do equilíbrio fiscal intergeracional na promoção e
efetivação dos direitos sociais (art. 6o da CF);
c) exigência de Lei complementar dispondo sobre sustentabilidade da dívida,
especificando: a) indicadores de sua apuração; b) níveis de compatibilidade dos resultados fiscais com a trajetória da dívida; c) trajetória de convergência do montante da dívida com os limites definidos em legislação; d) medidas de ajuste, suspensões e vedações; e) planejamento de alienação de ativos com vistas à redução do montante da dívida;
d) obrigatoriedade da União, Estados, DF e Municípios conduzirem suas políticas fiscais de forma a manter a dívida pública em níveis que assegurem sua sustentabilidade;
e) A LDO deverá ser elaborada em consonância com a trajetória sustentável da dívida pública;
f) O gasto com pensionista será considerado despesa com pessoal, para efeito dos limites da LRF;
g) Sempre que que a relação entre despesas correntes e receitas correntes de Estados/DF/Munícios superar 95% será facultado, enquanto remanescer a situação, acionar gatilhos e aplicar mecanismos de ajuste fiscal suspendendo: a) a concessão de vantagens, aumentos, reajustes ou adequação de remuneração de servidores e membros de poderes e órgãos; b) a criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa; c) alterar estrutura de carreira que implique aumento de despesa; d) a admissão ou contração de pessoal, ressalvadas as reposições de cargos de chefia e de direção que não acarretem aumento de despesa, as reposições decorrentes de vacâncias de cargos efetivos ou vitalícios, e a contração temporária em caso de necessidade de excepcional interesse público; e) a realização de concurso público, exceto para as reposições de vacâncias;
h) Durante o acionamento dos gatilhos, fica vedada, além das proibições já mencionadas, 1) a criação de despesa obrigatória, 2) o reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação, exceto o salário mínimo; 3) a criação ou expansão de programas e linhas de financiamento, bem como remissão, 4) renegociação ou refinanciamento de dívidas que impliquem ampliação das despesas com subsídio e subvenções, 5) a concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária; 6) aumento de despesa com pessoal, bem como progressão e promoção funcional em carreira de agentes públicos, incluindo empresas públicas e sociedade de economia mista. Excluem-se das proibições quanto a promoções e progressões os magistrados e membros do ministério público.
Quando a relação entre a despesa corrente superar 85% da receita corrente, sem exceder o percentual de 95%, os gatilhos poderão ser acionados por ato do Chefe do Poder Executivo, com vigência imediata, deste que posteriormente submetido para apreciação e convalidação pelo Poder Legislativo local, perdendo a eficácia se for rejeitado ou quando transcorridos 180 dias sem apreciação pelo Poder Legislativo ou, ainda, quando a relação entre despesa e receita corrente voltarem ao patamar inferior a 85%.
Se o ente subnacional optar por não acionar o gatilho fica proibido de contratar crédito até o equilíbrio da relação entre despesa e receita corrente.
No caso da União quando, no momento da aprovação da lei orçamentária, for constatado que a proporção da despesa obrigatória primária em relação à despesa primária total for superior 95%, aplica-se ao respectivo poder ou órgão, até o final do exercício a que se refere a lei, sem prejuízo de outras medidas, os gatilhos do teto de gasto e durante o período de vigência do gatilho fica proibido o aumento de despesa de pessoal, bem como a progressão ou promoção funcional em carreira de agentes público, incluindo empresas estatais, exceto magistrados e membros do ministério público.
Em relação ao servidor, o substitutivo da PEC Emergencial dá efetividade plena e imediata, portanto, à EC 95, do teto de gasto, e remete para lei complementar outras restrições, com fundamento no “equilíbrio fiscal intergeracional” e no “equilíbrio da dívida pública”.
E assim, em nome do “equilíbrio fiscal intergeracional” e da “sustentabilidade da dívida pública”, o texto determina a aplicação imediata do congelamento dos gastos permanentes sempre que as despesas obrigatórias ultrapassarem o limite de 95% da Receita Corrente Líquida, autorizando o corte de despesas de custeio e de pessoal, com a suspensão de promoções e progressões e de reajustes salariais, inclusive a revisão geral, além de ampliar a possibilidade as possibilidades de contratação temporária no serviço público.
Em caso de decretação de calamidade pública, como ocorreu em 2020 e ocorrerá novamente em 2021, serão aplicadas imediatamente, no exercício em que ocorrer e nos dois seguintes, as mesmas restrições e congelamento de despesas, especialmente do gasto com pessoal, com a vedação de reajustes a qualquer título, realização de concursos, vedação de promoções e progressões (ressalvados os magistrados, militares, diplomatas, membros do MP e carreiras onde a promoção dependa de vaga na classe seguinte).
Ou seja, mesmo que a Receita corrente seja suficiente, estando o comprometimento com despesa de pessoal abaixo do limite da LRF, e que não seja alcançado o limite de despesas correntes totais (95%), serão aplicadas as vedações, por 3 anos, pelo menos. Isso implica em congelamento da folha de pessoal até 2024.
Embora o substitutivo seja mais enxuto e tenha excluído a possibilidade de redução de salário com redução de jornada, o texto cria as condições para controlar o gasto público, inclusive em relação aos direitos sociais do artigo 6o da Constituição, só permitindo uma nova despesa com o cancelamento de outro preexistente.
Por fim, remete para lei complementar a regulamentação dos princípios de “equilíbrio fiscal intergeracional” e da “sustentabilidade da dívida pública”, que poderá ampliar as restrições de gasto, especialmente com pessoal e com direito social, complementando a agressão aos servidores públicos com a reforma previdenciária, já realizada, e com a administrativa, que será a próxima pauta do ajuste a ser votado, após a PEC emergencial.
O desafio, na perspectiva geral, é impedir o desmonte do Estado de Bem-Estar Social e estancar as tentativas de demolição das instituições de freios e contrapesos e das políticas públicas de proteção social. E na luta dos servidores, além de impedir a aprovação da PEC Emergencial, da Reforma Administrativa e da Capitalização da Previdência Social.
*Antonio Augusto de Queiroz é assessor parlamentar do Sisejufe, jornalista, analista e consultor político, diretor de Documentação licenciado do Diap, sócio-diretor das empresas “Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governo.