O Centro Cultural Justiça Federal (CCJF) realizou a terceira edição do evento Mulher, Poder e Democracia com a participação do Sisejufe. Entre os dias 11 e 13 de março, exposições, debates e atividades artísticas enfatizaram duas metas da Agenda 2030 da ONU para o Desenvolvimento Sustentável: a que prevê a participação plena e efetiva das mulheres com igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, econômica e pública e a que visa garantir eliminar todas as formas de violência contra as mulheres nas esferas pública e privada.
A coordenadora do Núcleo Sindical da Marcha Mundial de Mulheres, Anny Figueiredo, integrou a mesa Violência contra a Mulher – Feminicídio, na última quinta-feira. Anny pontuou a conquista de cada uma das principais leis que promoveram a paridade de gênero ou que protegem a mulher ao longo da história do país até a Lei do Feminicídio, em vigor desde 2015. “Se por um lado a legislação está sendo cumprida, por outro, faltam investimentos do atual governo em políticas públicas de prevenção para esses crimes”, destacou.
A história das mulheres no espaço público brasileiro é recente. O voto feminino foi garantido em 1932 para mulheres da elite brasileira. Foi só a partir de 1946 que o direito foi estendido a todas. Os anos 70 foram marcados pela entrada da mulher no mercado de trabalho em posições consideradas masculinas. Anny lembrou de feminicídios que foram manchetes de jornais nesta época, entre eles, a morte da mineira Ângela Diniz pelo seu namorado Doca Street por ciúmes. Depois de uma anulação, a campanha Quem Ama Não Mata mobilizou a sociedade e o assassino foi condenado a 15 anos de prisão em regime fechado.
“Como agarrar seu homem era o tipo de manchete que estampavam as revistas femininas nos anos 1980”, lembra Anny, que também faz parte da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia. Ela chamou a atenção para a objetificação do corpo da mulher neste período. Por outro lado, nessa mesma década, foram inauguradas as primeiras delegacias de atendimento à mulher.
Para a coordenadora, é só nos anos 2000 que a discussão sobre a violência contra a mulher se torna mais emblemática. Em 2003, é criada a Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres e, em 2006, é assinada a Lei Maria da Penha, “um divisor de águas em relação ao direito das mulheres de viver sem violência doméstica”. A palestrante salientou ainda, que as mulheres transgênero também são beneficiadas por essa legislação.
No entanto, foi só na segunda década dos anos 2000 que o código penal foi alterado para incluir mais uma modalidade de homicídio qualificado: o feminicídio. Definido como crime praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, essa tipificação é fundamental para que dados alarmantes venham à tona: em 70% dos casos, os executores são o companheiro ou ex-companheiro da vítima e, em 61%, o delito é o próprio lar das envolvidas.
O Brasil ocupa a 5º posição internacional no ranking de feminicídios. Entre 1980 e 2013, 106 mil mulheres foram mortas pela sua própria condição. E o pior: o número de feminicídios vem crescendo. Entre 2018 e 2019, o percentual aumentou em 7,3%, totalizando 1.314 assassinatos. Anny salienta que no caso das mulheres negras, os casos aumentaram 54% em dez anos, de 2003 a 2013 e, no mesmo período, os casos de mulheres brancas diminuíram 9.8%. “Por isso as políticas públicas, além de observar o gênero, precisam ter um recorte de raça e classe”, concluiu Anny.
Mulheres na Política para mudar a realidade
Os altos índices de feminicídio poderiam cair caso houvesse mais políticas públicas para mulheres, mas basta olhar o mapa da representatividade política no Brasil para que o desastre se evidencie. O Brasil ocupa a 115ª posição no ranking mundial de presença feminina no Parlamento dentre os 138 países analisados pelo Projeto Mulheres Inspiradoras. O estudo indica que apesar do aumento da participação de mulheres no parlamento federal brasileiro, esse percentual não chega a 10%. “Mesmo que as mulheres representem mais de 54% do eleitorado. Precisamos mudar isso”, enfatizou Anny.
A companheira de mesa, mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela UFF, Monique Lopes, analisou as leis que beneficiaram as mulheres nos últimos anos, fruto da luta dos movimentos feministas amparada pelos organismos internacionais. No entanto, observou que a formação dos operadores do direito ainda possui um viés machista, o que interfere diretamente nos processos e decisões judiciais.
Foi com a morte de Marielle Franco, em março de 2018, que começa a ser discutido na academia o feminicídio político, o assassinato daquelas que desafiam os poderes patriarcais. “Além de ser mulher, é uma mulher política, uma mulher que fala”, diferenciou. Monique lembrou ainda da juíza Patrícia Acioli e a da missionária Dorothy Stang, uma defensora dos trabalhadores do campo, como outros casos que poderiam ser lembrados como feminicídios políticos.
Um novo olhar sobre a violência de gênero durante o Golpe Militar
A palestra a pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas Adriana Cristina Lopes trouxe a violência de gênero praticada durante a Ditadura Militar brasileiro. A integrante da Comissão da Verdade, criada para apurar os crimes desse período, acredita na necessidade de um novo olhar sobre os crimes cometidos contra as mulheres a partir do Golpe de 1964. Além de torturadas, muitas das 49 mulheres foram violentadas sexualmente.
O caso de Zuzu Angel merece ainda outro tipo de reflexão. Ela só entra no relatório da Comissão em função de sua morte, um acidente de carro forjado por agentes da repressão. No entanto, para Adriana, a procura pelo seu filho desaparecido, entre 1971 e 1976, quando foi assassinada, é de extrema violência contra uma mãe. Essa dor é cantada na música Angélica (Quem é essa mulher), de Chico Buarque, que a palestrante trouxe para ecoar na Sala de Sessões do Centro Cultural.
Confira também a matéria sobre a mesa Mulher e Mercado de Trabalho
Em breve