O governo editou, nesta segunda-feira (2), a Medida Provisória 922/2020, que altera a Lei nº 8.745 para autorizar a contratação temporária por órgãos federais em caso de emergência. A MP – que vale para os órgãos da administração direta, fundações e autarquias do Poder Executivo – também permite a contratação de servidores civis federais aposentados. Embora se destine prioritariamente ao Executivo, com a amplitude que foi dada à MP, outro poder poderia fazer uso dela para contratar temporariamente em algumas áreas, segundo o assessor parlamentar do Diap, Antonio Queiroz.
Entenda a MP 922/2020
A medida tem por objetivo inicial reduzir a fila de 1,8 milhão de pessoas à espera de benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Mas poderá abranger contratações temporárias de professores para aperfeiçoamento de médicos de Atenção Básica em saúde em regiões prioritárias e profissionais para assistência humanitária a estrangeiros que entram no País.
A MP enquadra como necessidade temporária de excepcional interesse público situações de aumento transitório no volume de trabalho e atividades como tecnologia da informação, comunicação e revisão de processos de trabalho, pesquisadores e técnicos para o desenvolvimento de produtos e serviços em projetos com prazo determinado e atividades relacionadas à redução de passivos processuais.
A contratação temporária também abrange ações preventivas para conter situações de risco à sociedade, incidentes de calamidade pública, danos e crimes ambientais e emergências humanitárias ou de saúde pública.
Recrutamento
O recrutamento do pessoal a ser contratado será feito por meio de processo seletivo simplificado, sem concurso público, e terá prazo de 4 anos, com prorrogação de mais um ano. No entanto, a MP dispensa o processo seletivo nas seguintes situações: calamidade pública, emergência em saúde pública, emergência e crime ambiental, emergência humanitária e situações de iminente risco à sociedade.
Os temporários só poderão ser novamente admitidos 24 meses depois do fim do contrato, exceto quando a contratação decorrer de processo seletivo simplificado de provas ou de títulos, como nas universidades federais e nos institutos de pesquisa. Pessoas com mais de 75 anos e aposentados por incapacidade permanente não poderão ser contratadas.
No caso de contratação temporária para pesquisa e desenvolvimento, os contratos terão prazo de até quatro anos, podendo ser prorrogados por mais oito anos. A MP autoriza a contratação de profissionais para atividades que se tornarão obsoletas no curto ou médio prazo, nas quais o governo considere desvantajosa a realização de concursos. Um decreto regulamentará esse ponto.
Contratação de servidores aposentados
A necessidade temporária de excepcional interesse público poderá ser atendida por meio da contratação de aposentado pelo regime próprio de previdência social (RPPS) da União, pelo prazo máximo de 2 anos.
Sobre os servidores a MP estabelece, por fim, que o contratado temporário terá metas de desempenho a cumprir. Seu pagamento será efetuado com base na produtividade, com valor variável, hipótese na qual a prestação de serviços poderá ser feita nas modalidades presencial, semipresencial ou teletrabalho; ou pela duração da jornada de trabalho, com valor fixo, não superior a 30% da remuneração constante dos planos de retribuição ou dos quadros de cargos e salários do serviço público para servidores que desempenhem atividade semelhante.
Próximo Passo
Até o dia 09/03, qualquer membro do Congresso Nacional poderá oferecer emendas à MP. Após esse prazo, a Medida irá para Comissão Mista, para analisar a matéria. Por ordem de alternância, a presidência da Comissão ficará com um deputado federal e a relatoria com um senador.
Para a diretora do Sisejufe Soraia Marca, a MP deve servir de alerta para o que está por vir. “A contratação temporária está começando pelo Executivo, mas a lógica pode ser repetida nos outros poderes. Por isso, é importante que lutemos pela manutenção da estabilidade no serviço público”, aponta a dirigente.
O vice-presidente do sindicato, Lucas Costa, avalia que a edição da MP 922 expressa uma continuidade e aprofundamento do processo de desmonte do Estado e sucateamento do serviço público, que teve início com a emenda do teto de gastos e vem se intensificando com a terceirização irrestrita para agora dar ares de normalidade a mais uma quebra dos princípios e normas constitucionais.
“Se com a terceirização já havia alguma mitigação da exigência de concurso público, agora, com a MP, percebe-se o prosseguimento da tentativa de naturalizar as contratações públicas sem respeito ao princípio da impessoalidade. Ainda que se enxergue, inicialmente, sua aplicabilidade ao âmbito do Poder Executivo, fato é que o conjunto das demais medidas anteriores tem demonstrado uma tendência a expansão do uso desses institutos”, afirma.
Emendas questionam pontos ambíguos da MP
O assessor parlamentar Antonio Queiroz afirma que as emendas feitas à Medida Provisória, com base na justificação, sinalizam as inconsistências da proposta, sob a justificativa de que a MP amplia exageradamente e sem fundamento constitucional a contratação temporária de servidores. Antecipa, assim, um dos objetivos da “Reforma Administrativa” anunciada pelo Governo e que ainda não foi submetida ao Congresso. Veja alguns exemplos:
Contratação temporária para projetos de cooperação internacional
Uma delas pede a supressão da alínea “h” do inciso VI do art. 2º da Lei nº 8.745, constante do art. 1°. Esse trecho permite a contratação temporária “no âmbito de projetos de cooperação com prazo determinado, implementados por meio de acordos internacionais, desde que haja, em seu desempenho, subordinação do contratado ao órgão ou à entidade pública”, sem que haja sequer a necessidade de especialização técnica.
“Assim, quaisquer atividades, sejam elas técnicas ou não, poderão ser providas por esse meio, em detrimento de servidores efetivos, concursados e estáveis”, destaca a emenda.
Contratação para atividades que se tornarão “obsoletas”
Outra emenda pede a supressão da alínea “q” do inciso VI do art. 2º da Lei nº 8.745, que permite a contratação temporária para atividades “que se tornarão obsoletas no curto ou médio prazo, em decorrência do contexto de transformação social, econômica ou tecnológica, que torne desvantajoso o provimento efetivo de cargos em relação às contratações de que trata esta Lei”.
A emenda questiona:
“O conceito proposto é não somente vago, como essencialmente subjetivo e discricionário, para dizer pouco. Como saber, no curto ou médio prazo, se uma atividade se tornará obsoleta? A noção de desvantajoso também não é clara, e sequer pode ser usada para definir o provimento de um cargo público. Na lógica neoliberal, jamais será vantajoso prover um cargo efetivo, mas, sim, contratar terceirizados, ou privatizar a prestação dos serviços públicos”.
Aposentados
O documento pede ainda a supressão dos art. 3º-A, 3º-B, 3º-C, 3º-D e 3º-E da Lei 8.745, constante do art. 1º.
Diz um trecho da emenda:
“Ao inserir novos artigos dirigidos à contratação de servidores aposentados para exercer atividades temporárias de excepcional interesse público, nas alargadas hipóteses propostas pela própria MP, define que a contratação rompe não somente com o princípio do amplo e livre acesso a cargos, empregos e funções públicas, e que não se coaduna com a reserva de vagas para quem tenha sido servidor público, como gera uma situação de exploração de servidores que, ao reingressarem, passaram a receber apenas 30% da remuneração a que faria jus outra pessoa não detentora daquela condição.
… Ainda que sem respeitar o requisito de validade que é a imprevisibilidade da situação emergencial, conforme definida pelo STF, o que se tem é uma situação de discriminação em relação à situação de normalidade, em que quem é contratado faz jus a remuneração integral, equivalente à de cargo efetivo similar ao cargo temporário ocupado.
Assim, não pode prosperar essa situação esdrúxula, que vem em detrimento da contratação de servidores concursados, com igualdade de direitos entre todos os candidatos, para essa finalidade. Tamanha atecnia não pode, portanto, prevalecer, em face da situação de direito constituída pela contratação de ex-servidor para essa finalidade. Por isso, deve ser suprimida a alteração proposta.”