Para o ministro André Luiz de Almeida Mendonça, advogado-geral da União, o julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal) será favorável à possibilidade de redução de salários de servidores públicos. O tema foi analisado em fevereiro e será retomado em 6 de junho. Mendonça conta com deliberação rápida da Corte. Acha que será favorável à União, que defende a liberdade para reduzir os vencimentos do funcionalismo em situações específicas de dificuldade fiscal.
Mendonça defendeu a constitucionalidade da versão mais recente do decreto que flexibiliza a posse e o porte de armas. E também da MP da Liberdade Econômica, criticada por vários advogados. A AGU e a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) estão finalizando os detalhes de 1 seminário para debater o tema em 17 de junho.
Pastor presbiteriano, Mendonça integra os quadros da AGU desde 2000. A seguir, os principais trechos da entrevista:
A ampliação da área de recuperação de ativos da AGU vai dar mais recursos à União?
A ideia é essa. Eu fui o idealizador dessa área, que foi criada em 2009. Houve mais de 10 mil ações ajuizadas por esse grupo. Com o passar do tempo, perde-se a capacidade de novos ajuizamentos, porque tem de se cuidar das ações que já foram propostas. Criamos 1 grupo que vai cuidar da propositura das ações de improbidade alavancadas pelas investigações que resultaram nos acordos de leniência. No caso Odebrecht, há mais de 170 empresas e 130 agentes públicos citados. Precisamos fazer a gestão das informações. Já iniciamos esse trabalho e esperamos que a partir do 2º semestre as primeiras ações sejam desenvolvidas. Fizemos uma reformulação do grupo. Como se trabalha em sistemas eletrônicos, consegue-se hoje trabalhar à distância. Terá 1 aumento de mais 100% da capacidade nos próximos 2 anos. E vamos trazer 20 colegas que estavam no consultivo para atuar nos acordos de leniência. Os melhores indicadores que temos no Brasil de recuperação de valores provêm dos acordos de leniência. Em uma ação judicial, recuperamos entre 13% e 15%. Nos acordos de leniência passamos a 70%.
Mesmo que a União abra mão de recuperar uma parte, os acordos são vantajosos?
Há 8 anos tenho dito: só vamos aumentar a recuperação de ativos por meio de ações negociadas. É melhor abrir mão de 10%, 20%, 30% do que não abrir mão de nada, ficar 10 anos na Justiça e, no final, não encontrar bens para responder pela cobrança. Nos EUA, mais de 95% dos casos são resolvidos negociando valores e o direito sancionatório do Estado. Além disso, há o compromisso das empresas em 1 programa de integridade. Ficam sujeitas à fiscalização e auditoria da Controladoria-Geral da União.
Quais as principais causas da União hoje no STF (Supremo Tribunal Federal)?
Tivemos neste mês pautas muito importantes na área da saúde, que o Supremo ainda não concluiu. Todo o direcionamento de votos nos processos que já foram julgados nos fazem ter segurança de que se está adotando uma linha que trará segurança jurídica, viabilizando equidade no sistema e universalidade. A gente acredita que haverá redução da judicialização.
Outro tema se destaca?
A 2ª pauta que considero muito relevante é a constitucionalidade da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal). Um dos pontos mais polêmicos é a possibilidade excepcional da redução de vencimentos de servidores em momentos de crise. Temos 1 precedente importante em Portugal, em adotou isso em 2009. A constitucionalidade foi confirmada pela Suprema Corte do país. Nossa expectativa é de que isso também ocorra no Brasil. No Rio de Janeiro, tivemos situações em que os servidores simplesmente não recebiam salários. Num momento como aquele, em que a principal causa do desequilíbrio fiscal era a folha de pagamento, talvez fosse mais interessante para o servidor ter uma redução momentânea, ainda que com diminuição da carga de trabalho, para que o Estado se reequilibrasse.
Isso deve ser resolvido em quanto tempo?
Acho que ainda no 1º semestre. É uma questão polêmica, mas fará muito bem ao Brasil. A LRF já está com 20 anos de existência e alguns dos pontos não estão em seu pleno vigor.
Os advogados da União recebem além do salário, o honorário de sucumbência. É justificado?
Há 1 pouco de incompreensão com esse instituto. Durante muito tempo houve gestores demandando que o servidor recebesse por resultado. Em várias carreiras isso é difícil. Na carreira jurídica, é mais simples. Se fez lá atrás uma opção de não dar aumento para os membros da AGU, e eles teriam agora de produzir resultado para receber algum aumento. Os honorários tiveram esse papel. Em 2 anos, a recuperação de valores só em causas fiscais foi de R$ 10 bilhões. É o lucro anual do Banco do Brasil, só pelo estímulo de produzir resultados.
O abate-teto incide sobre o valor?
Hoje não, porque é uma verba privada, não é o poder público que paga. Paga quem entrou na Justiça contra o Estado. Essa será uma discussão no Supremo. O vencimento inicial hoje de um advogado da União é, mesmo com honorários, inferior ao inicial de um membro do Ministério Público. Hoje, o que se recebe de honorários é em torno de R$ 7 mil brutos. Não é 1 valor exorbitante. Só começa a receber a partir do 3º ano na integralidade. Quando se aposenta, vai perdendo ao longo de 10 anos. Talvez no futuro se cobre que o membro da AGU receba só honorários e não subsídio, porque é muito mais interessante para o Estado. Mas é 1 tema sensível. Só gostamos de pontuar que não se pode discuti-lo de 1 lado sob viés corporativista e, de outro, de incompreensão, de repúdio.
O decreto de armas mudou depois de se apontar inconstitucionalidade. A AGU não tinha notado isso?
Houve análise inicial da Casa Civil, e dos consultores da AGU no Ministério da Justiça e da Defesa. O próprio presidente Bolsonaro disse: se há algum ponto de inconstitucionalidade precisamos, de fato, rever. A partir de 1 trabalho comum em que a AGU esteve presente, fizemos uma revisão e o presidente acolheu. A intenção é garantir o direito ao cidadão, não é extrapolar o exercício do poder. Agora, temos plenas condições de fazer a defesa da legitimidade do decreto.
A nova versão também é objeto de crítica por parte de técnicos do Congresso. Como vê isso?
Unanimidade não vamos encontrar. É 1 tema polêmico por sua natureza: a possibilidade de posse e porte de arma de fogo. As discordâncias que tenho visto têm 1 cunho mais ideológico do que jurídico. Sob o aspecto jurídico, temos total tranquilidade para defender o decreto. É preciso lembrar que, em 2005, 2/3 da população brasileira foram às urnas pelo direito de ter arma de fogo. O presidente Bolsonaro foi eleito com base em uma bandeira muito clara e transparente que defendia essa possibilidade. Embora a gente respeite as visões em contrário, precisamos entender que o princípio democrático está muito bem estabelecido.
A Medida Provisória da Liberdade Econômica também é objeto de questionamento quanto à constitucionalidade. O senhor analisou a MP antes de ser publicada?
A primeira análise foi feita pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, órgão da AGU responsável por analisar os atos do Ministério da Economia. Precisamos entender que vivemos em uma Federação. A União não legisla só o que é federal, mas também a lei de âmbito nacional. Dentro do poder constitucional de editar leis, haverá medidas que impactam toda a Nação. Iniciamos 1 projeto com a Fiesp e, no próximo mês, deveremos ter 1 congresso em São Paulo para tratar da MP da Liberdade Econômica.
Vão discutir mudanças no texto?
Vamos discutir todo o texto. Eventuais mudanças de mérito devem ser trabalhadas no Congresso Nacional. Não vejo questão de constitucionalidade a ser enfrentada.
Decisões do Executivo vinculantes voltaram a ser importantes?
Os pareceres vinculantes estão previstos na Lei Complementar da AGU de 1993. O que nós sentíamos é que no governo Fernando Henrique Cardoso isso era muito importante. Desde então se perdeu essa capacidade de avançar em decisões técnicas de forma a uniformizar o entendimento da administração. Havia conflito entre órgãos. Assim que eu fui entrevistado pelo presidente da República eu disse a ele que via nos pareceres vinculantes medida que trariam pacificação para a administração pública. Havia políticas públicas paradas, obras que não caminhavam, porque não havia definição jurídica por parte da AGU e da última alçada do Executivo que é o presidente da República.
Administradores públicos têm muito receio de tomar decisões não por corrupção, mas pelo receio de a Justiça considerar que cometeram erro. Há injustiça?
Precisamos diferenciar corrupção do que são escolhas em situações complexas em que os administradores têm de tomar uma decisão. Precisamos preservar a iniciativa, o bom gestor, para que ele não tenha receio. A Fundação Getulio Vargas fala em Apagão das Canetas, porque todos os órgãos de controle têm prerrogativas, e o gestor público tem apenas o seu CPF.
Mesmo com parecer favorável da AGU ele pode ser processado, certo?
No Brasil há uma política de ultrajudicialização. A Lei de Introdução ao Direito Brasileiro, editada no ano passado, traz 1 avanço importante. Só se pode responsabilizar o gestor por erro grosseiro ou má fé. Separa-se o que é ilícito do que é discricionário.
Fonte: Poder 360