Com a contribuição da diretora do Dieese Patrícia Peletieri, Fórum explica ponto a ponto a reforma do governo. De acordo com ela, ao estabelecer um tempo de contribuição ao trabalhador do setor privado quase impossível de completar – 40 anos – para receber o benefício integral, a proposta caminha para reduzir valor dos benefícios
“Então, a proposta caminha para trazer todo mundo para o salário mínimo e quem ganha o mínimo não vai conseguir se aposentar. Normalmente são as ocupações mais frágeis. Já é difícil comprovar 15 anos de contribuição”, diz a economista.
Ela afirma, ainda, que a PEC da Previdência prepara o terreno para instituir um regime de capitalização no lugar do regime geral. “A proposta é de fim [do regime geral] pois instituiu um regime de capitalização que vai ser gerido pelo sistema financeiro”, afirma.
Confira perguntas e respostas sobre o que muda se a reforma da Previdência for aprovada:
A Previdência, no Brasil, tem dois regimes principais: o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS). O RGPS é o regime dos trabalhadores com carteira assinada, inclusive empregados públicos (funcionários de estatais contratados como celetistas). O RPPS é o regime dos servidores públicos federais, estaduais e municipais. No caso dos estados e municípios, cada um tem o seu regime específico. Existe, ainda, o sistema de aposentadorias das Forças Armadas, que tem uma conformação especial devido à natureza do trabalho.
Setor privado
O governo quer estabelecer uma idade mínima, ou seja, não será mais possível se aposentar apenas por tempo de contribuição. O patamar proposto foi 62 anos para mulheres e 65 anos para homens. Além disso, será preciso comprovar no mínimo 20 anos de contribuição, o que permitirá a aposentadoria com 60% da média dos salários de contribuição. Para se aposentar com o valor integral da média dos salários, será necessário contribuir por 40 anos.
Há uma combinação de idade com tempo de contribuição. Para se aposentar, é preciso ter pelo menos 55 (mulheres) ou 60 anos (homens), além de tempo mínimo de contribuição de 30 anos para mulheres e 35 para homens.
Pelas novas regras, servidores se aposentariam com idade mínima igual à do regime geral: 62 anos para mulheres e 65 para homens. Nos dois casos, seriam necessários 25 anos de contribuição. Uma alteração importante é a da alíquota de contribuição, hoje em 11% de forma unificada. Conforme o salário do servidor, ela poderá chegar a 22%.
“Quem ganha de R$ 3 mil até R$ 5.839 a alíquota é de 14%. De R$ 5 mil a R$ 10 mil, vai para 14,5%. Até R$ 20 mil, vai para 16%. Quem ganha até R$ 39 mil vai a 19%. Acima do teto constitucional, vai para 22%”, explica Patrícia Pelatieri. Ela destaca, no entanto, que como o desconto não incide sobre o salário total, mas sobre valores escalonados, na prática os percentuais cairão um pouco. “Vai chegar perto de 12,5% para quem ganha entre R$ 3 mil e R$ 5,8 mil e a uns 17% para quem ganha cima do teto”, estima.
Os servidores públicos estaduais e municipais entram na reforma?
Sim. Se a proposta for aprovada, vale para todos que estiverem vinculados a regimes próprios.
Militares
Os militares podem entrar para a reserva após terem trabalhado por pelo menos 30 anos. Não há idade mínima e eles não contribuem para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O desconto de 7,5% em sua folha de pagamento diz respeito ao pagamento de pensões a familiares. As regras diferentes são justificadas pela natureza única da atividade, com possibilidade de mudança de cidade a qualquer momento ou de convocação quando o militar já está na reserva (alega-se que não se trata, de fato, de uma aposentadoria).
O governo se comprometeu a encaminhar, nos próximos 30 dias, um projeto de lei com as alterações nas aposentadorias dos militares. Os detalhes ainda não foram divulgados.
Categorias que terão aposentadoria diferenciada:
Polícia Civil, Federal e agentes penitenciários e socioeducativos
Atualmente, não há idade mínima para o grupo. O tempo de contribuição exigido é de 30 anos para homens e 25 anos para mulheres. Com a reforma da Previdência, o governo quer manter esse tempo de contribuição estabelecer idade mínima de 55 anos para homens e mulheres. Trata-se da idade mínima mais baixa da reforma.
E os guardas municipais, onde entram?
A categoria, que pedia uma aposentadoria especial, não conseguiu. Entrará no regime próprio, caso exista em seu município, ou no regime geral, o mesmo do setor privado.
Bombeiros e policiais militares
A proposta do governo é incluí-los no mesmo regime das Forças Armadas.
Professores dos ensinos básicos, fundamental e médio
Atualmente, não há idade mínima para a aposentadoria do professor. O tempo de contribuição exigido é de 25 anos para mulheres e 30 anos para homens. O governo quer estabelecer idade mínima de 60 anos, para homens e mulheres. Além disso, quer igualar o tempo de contribuição exigido de ambos, fixando-o em 30 anos.
Trabalhadores rurais
Pela regra, hoje, são necessários 15 anos de contribuição e idade mínima de 55 anos para mulheres e 60 para homens. A proposta do governo é exigir um mínimo de 20 anos de contribuição do homem do campo e elevar a idade a 60 anos, para homens e mulheres.
Benefício de Prestação Continuada (BPC)
O Benefício de Prestação Continuada (BPC) não é aposentadoria. É um benefício assistencial de um salário mínimo pago a idosos e deficientes físicos em condições de miserabilidade. Com a reforma do governo, as regras do BPC continuam as mesmas para deficientes. Para os idosos, que hoje podem pedi-lo aos 65 anos, será possível solicitar a partir dos 60, mas o valor cai para R$ 400. Para ter acesso a um salário mínimo, será preciso esperar completar 70 anos.
Como seria a transição?
Há três possibilidades de transição para o setor privado e uma para os servidores públicos. No regime geral, do setor privado, pode ser por tempo de contribuição, pontos e tempo mais idade mínima. No setor público, o único sistema disponível é o de pontos.
1-Por tempo de contribuição
Só se qualifica quem estiver há dois anos de se aposentar. Haverá um pedágio de 50% sobre o tempo que falta para a aposentadoria. Assim, se são dois anos, a pessoa terá que trabalhar mais um ano. Depois disso, pode solicitar a aposentadoria, mas será aplicado o fator previdenciário, uma fórmula que reduz o valor do benefício. O redutor é especialmente severo com as mulheres, já que sua fórmula leva em conta a expectativa de vida, e a delas é maior que a dos homens.
2 – Por pontos (também válida para o setor público)
É semelhante à fórmula atual, que prevê que para a aposentadoria integral o trabalhador deve atingir uma pontuação somando a idade ao tempo de contribuição. Hoje, esta soma está em 86 anos para mulheres e 96 para homens, respeitando um tempo mínimo de contribuição de 30 anos para elas e 35 para eles. A transição prevê aumento de um ponto para cada ano, durando 14 anos para mulheres e oito anos para homens
3 – Por tempo de contribuição mais idade mínima:
A transição começa em 56 anos para elas e 61 para eles. A idade vai subindo seis meses a cada ano. Além disso, é preciso ter 35 anos de contribuição, no caso de homens, e 30, no caso de mulheres. A transição deve durar oito anos para eles e 12 anos para elas, ao fim dos quais devem ser atingidas as idades de 65 e 62 anos.
Os políticos estão incluídos na reforma da Previdência?
Sim. O regime atual para detentores de mandatos eletivos será extinto e eles passarão a fazer parte do regime geral do INSS. Mas isso só vale para os próximos eleitos. A categoria ainda terá uma regra de transição com pedágio menor que o do trabalhador comum – 30%.
O que é regime de capitalização? O governo vai implementar?
A capitalização é um sistema em que o trabalhador se aposenta com uma poupança individual. Sua aposentadoria, portanto, depende do que ele conseguir poupar. O sistema atual é distributivo, os trabalhadores da ativa financiam a aposentadoria dos inativos e colocam em um patamar igualitário mesmo aqueles que contribuem com menos.
Revista Fórum – Mariana Branco