Por Mário Cesar Pacheco*
A Resolução CJF-RES-2017/XXX, de XXX de XXX de 2017 (sim, esse é o dado disponível) prevê a unificação de secretarias dos Juizados Especiais Federais (JEF), legitimando-se, segundo seu texto, na Resolução CNJ 219 de 26 de abril de 2016, que dispõe sobre “a distribuição de servidores, cargos em comissão e funções de confiança nos órgãos do Poder Judiciário entre o primeiro e segundo graus e dá outras providências”.
Essa Resolução do Conselho da Justiça Federal (CJN), no entanto, além de se apresentar apartada da realidade dos JEF, viola a própria disposição contida na Resolução 219 do CNJ que faz clara referência à Resolução 194, também do CNJ, evidenciando, a quem as lê, que a racionalização de estrutura e gestão de pessoal deverá privilegiar a Primeira Instância pelo simples fato de que essa é a que presta a jurisdição imediata, responsável pela análise obrigatória de todos os pedidos apresentados ao Judiciário Federal, sendo sua demanda a mais premente, maior em números absolutos e de impacto maior na noção do cidadão de prestação efetiva de jurisdição.
Os argumentos imediatos apresentados para a adoção da unificação das secretarias de JEF são, em especial, comparativos com os tribunais e as turmas recursais, partindo-se do pressuposto de que se a unificação de secretaria funciona para esses órgãos, deveriam funcionar para a Primeira Instância e, portanto, para os JEF.
Mas a verdade é que a realidade dos JEF é muito diferente daquela existente nos tribunais e nas turmas recursais. Primeiramente, nem todos os processos que se iniciam na Primeira Instância, em especial nos JEF, seguem curso nas turmas recursais, pois nem sempre as sentenças são objeto de recursos. Além disso, as interpretações que o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) tem dado à competência dos JEF somente inflam seu espectro de atuação, fazendo com que o rito especialíssimo, como muitos dizem, já tenha se tornado o procedimento ordinário. Portanto, a demanda nos JEF é muito grande e superior ao do tribunal e turmas, exigindo mais estrutura e não menos.
Em segundo lugar, as turmas recursais e os órgãos do tribunal sempre lidam com advogados e não com as partes litigantes diretamente, ou seja, um atendimento a um advogado que pode ser rápido e com discurso técnico, não pode ser comparado ao atendimento dispensado pelos JEF a um grande número de partes sem advogado, em sua maioria idosos e muitos sem educação formal e, quando não, analfabetos. O tempo de atendimento é diferente e, em muitos casos, assemelha-se ao de um primeiro atendimento, tendo de ser explicado o direito, os pedidos efetuados, a lógica de uma decisão e o seu conteúdo para que seja executado pela parte adequadamente em benefício da realização de seu direito.
Por último, os órgãos dos tribunais e turmas recursais não realizam diversos atos de secretaria que devem ser executados nos JEF e na Primeira Instância, de modo geral, como a realização de audiências, as perícias e todos os atos atinentes à execução da sentença transitada em julgado, fora a execução de liminares e tutelas antecipadas. Não há a mínima comparação entre o que legitima a existência de secretaria unificada no tribunal e nas turmas recursais e o que legitimaria a unificação das secretarias dos JEF.
E isso é notado até mesmo pelos próprios juízes dos JEF, os quais, por unanimidade, com a abstenção de apenas quatro juízes, rechaçaram a proposta do CJF de unificação das secretarias dos JEF, no âmbito do TRF2, em moção aprovada no VI Fórum Regional dos Juízes dos Juizados Especiais Federais (Forejef), recém realizado em outubro de 2017.
Essa medida vem no contexto das recentes medidas de “gestão e reestruturação do Judiciário” com base no argumento fundamental, falsamente legitimador, de austeridade e eficiência, sendo “eficiência” interpretada como “mínimo de gasto para o máximo de prestação de serviço”. Sob essa bandeira estão sendo cometidas atrocidades, como o corte de 90% de verbas de investimento e de 30% de verbas de custeio para a Justiça do Trabalho, proposto pelo Poder Legislativo, com o beneplácito da base do governo Temer, e o famigerado Rezoneamento da Justiça Eleitoral, executado pelo ministro Gilmar Mendes, na mesma diretriz.
Seria possível ver que uma Justiça do Trabalho, com milhões de processos novos tramitando anualmente e que será pressionada pelas recentes modificações legislativas trabalhistas, uma Justiça com demanda exorbitante e trabalho hercúleo, realizado por seus servidores, carente de mais investimento em tecnologia e pessoal para entregar e garantir celeridade na tramitação dos processos, possa melhorar com corte de 90% em investimento e 30% em custeio, senhoras e senhores? O resultado é de piora de estrutura para o exercício da jurisdição trabalhista, atrasando processos, aumentando a carga já demasiada de trabalho de servidores e juízes, prejudicando o direito do cidadão e a imagem do Judiciário.
E a Justiça Eleitoral? O Rezoneamento que está sendo questionavelmente, e até criminosamente, colocado em prática, na realidade está diminuindo as zonas eleitorais. E em um país de dimensões continentais, com tantos problemas no processo eleitoral, desde a inscrição de candidatos à eleição, passando por todo o processo eleitoral e questionamentos de abusos por candidatos, até a própria eleição, quando também são fiscalizados, tanto a eleição em si como a regularidade de todo o procedimento eleitoral relativo a cada partido e candidato de cada esfera de representação eleitoral (municipal, estadual e federal), em cada cidade e estado do Brasil, seria possível imaginar que diminuir zonas eleitorais dará eficiência à prestação de serviços de fiscalização e execução dos processos eleitorais? Claro que não!
Facilitam-se currais eleitorais e ilegalidades com o procedimento de rezoneamento de zonas eleitorais adotado dessa forma, já que não serão avaliados, fiscalizados e processados, de forma própria, as questões eleitorais submetidas ao Judiciário. Não se cria um sistema eleitoral eficiente empacando-se a Justiça Eleitoral. As decisões e soluções que hoje demoram, e em muitos casos não conseguem se apresentar antes de o eleito terminar seu mandato, justamente por falta de estrutura, em um contexto de diminuição de estrutura, passarão a ocorrer mais rapidamente e se garantirá a prestação do serviço devido ao cidadão e à democracia? Claro que não!
Pois é. Com os JEF, essas alterações, com base no argumento de austeridade, vão pelo mesmo caminho. Invertem-se valores ao ponto de, até mesmo, contrariar a previsão nas resoluções do CNJ, seja na 194, seja na 219, de se privilegiar a Primeira Instância. E qual o resultado dessa medida? Perde-se a qualidade de ambiente de trabalho, eis que a estrutura menor em um ambiente de trabalho muito demandado exigirá muito mais dos já desgastados servidores, que adoecerão mais, prejudicando, ao fim, o intento de eficiência almejado de entrega de direitos aos cidadãos.
Os servidores das secretarias desfeitas ainda passam pelo estresse de saberem que serão relotados e de, em muitos casos, perderem funções de confiança e cargos de comissão, ficando desmotivados. Sem saberem para onde vão, já que podem ser lotados por todo o estado do Rio de Janeiro ou Espírito Santo, ainda passam pelo estresse de não saber como a unificação de secretarias afetará sua rotina e sua vida familiar. Os juízes dos JEF também perdem, pois não terão autonomia para todos os atos do processo que analisam e julgam, além de deverem amargar o desfazimento de todo um trabalho de estruturação da prestação de jurisdição sob sua direção e consoante sua gestão de equipamentos e pessoas para fazer concretizar as decisões que prolata, o que viola a judicatura em previsões constitucionais e legais sobre a estrutura com a qual um Juízo deve contar.
É claro que os jurisdicionados dos JEF terão o prejuízo respectivo a todos esses problemas, como a perda de atendimento personalizado; tendo de ser atendidos por menos servidores com muito mais atribuições e demandas de serviços internos; que terão menos tempo para explicar o processo e etapas da realização de seus direitos.
Pode se observar, de todo ângulo que se avalia, que o primado da austeridade, que deveria ser pensado em benefício do serviço público, está sendo utilizado, de todas as formas, para destruir o serviço público. O desmonte do Estado está se concretizando em prejuízo do cidadão e da capacidade estatal de entregar serviços públicos sob a alegação de responsabilidade fiscal e orçamentária. Toda a imagem do serviço público pode ser prejudicada. Toda a concretização da jurisdição e entrega do direito dos cidadãos pelo Judiciário Eleitoral, Trabalhista e, agora, pelos JEF da Justiça Federal está em risco.
A falta de resistência por servidores, juízes, advogados e sociedade a essas atrocidades, travestidas de medidas de eficiência e reestruturação, corre o risco de instituir o Estado Financeiro-Orçamentário no lugar do Estado Democrático de Direito.
*Mário Cesar Pacheco é analista judiciário da Justiça Federal e diretor do Sisejufe