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Sindicato dos Servidores das Justiças Federais no estado do Rio de Janeiro - Telefone: (21) 2215-2443

TRT1 discute, em evento nesta segunda (28/05), resultados da pesquisa sobre assédio moral aplicada em 2023

Consulta revelou dados alarmantes sobre a saúde dos trabalhadores e trabalhadoras, que precisam ser acompanhados com atenção

O Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT1) realizou, na última segunda-feira (28/05), no auditório do prédio sede, a análise preliminar da pesquisa sobre Violência Laboral, Assédio Moral, Assédio Sexual e todas as formas de Discriminação. A consulta, de iniciativa da Comissão de Combate ao Assédio do regional, foi aplicada entre março e abril de 2023.

Estiveram presentes, na abertura, o vice-presidente do TRT1, o desembargador Roque Dattoli; a ouvidora da mulher, Mônica Puglia; o ouvidor do trt1, desembargador Carlos Henrique Chernicharo e o coordenador da Escola Judicial, o Juiz do Trabalho Fábio Gomes. Na plateia, estavam presentes, em sua maioria, os novos servidores do tribunal.

Em seguida, a assistente social Karla Valle; a médica do trabalho Michelle Monteiro e as psicólogas Giselle Gadelha e Paula Freitas, todas servidoras do TRT1, apresentaram análise preliminar da pesquisa.

Alerta sobre “produtivismo”

As especialistas destacaram a importância da construção de vínculos fortes de solidariedade entre os servidores com intuito de criar espaços não propícios e hostis aos assediadores, bem como de se combater o “produtivismo” – a distorção da noção de produtividade, que justifica a utilização de qualquer meio para atingir metas, inclusive daqueles que ignoram o bem-estar e a saúde dos servidores. O “produtivismo” surge como um dispositivo de gestão manejado pelo medo.

Karla Valle ressaltou que, pelos resultados da pesquisa, a percepção do assédio moral por parte dos servidores ainda é falha quanto ao reconhecimento do assédio como ferramenta de gestão, por esta se apresentar como forma mais sutil e sofisticada de assédio do que a violência explícita praticada por gestão por injúria, com gritos e xingamentos, por exemplo.

A assistente social destacou, ainda, que metade dos servidores manifestou já ter recebido metas impossíveis de serem cumpridas. Esse dado, tornado agora visível com o resultado da pesquisa, demonstra, por si só, um tipo de violência naturalizada na instituição.

Quanto aos impactos da violência laboral sobre os alvos de assédio, Karla trouxe a frase de um servidor respondente da pesquisa: “O assédio moral fez com que eu me desapaixonasse pelo direito, trabalho somente para pagar as contas”. A convidada relatou que nesse pensamento se constata o empobrecimento na motivação e no sentido de trabalhar pós-violência laboral.

Alvo principal são as mulheres

A pesquisa trouxe visibilidade ainda, conforme destacado pela psicóloga Giselle Gadelha, ao fato de que os geradores da violência laboral no TRT1 são o preconceito contra servidoras/mulheres (gênero) e a idade avançada do servidor ou servidora (etarismo), sendo que a população atual do TRT1 compõe-se majoritariamente de mulheres e de pessoas acima dos quarenta anos.

Por fim, um dado alarmante foi mencionado: entre os servidores e servidoras que alegaram ter sofrido violência laboral, trinta e nove pensaram em se suicidar e cinco afirmaram ter tentado o suicídio.

Karla Valle fez um apelo para que esses servidores, em especial, procurem a Coordenadoria de Saúde (Csad) para atendimento, acolhimento e orientação. Nesse sentido, o Sisejufe também está disponível para acolhimento. O Departamento de Saúde e Combate ao Assédio Moral do Sisejufe é coordenado por uma psicóloga, especializada no tema, a diretora Aniele Xavier, que poderá atendê-los. Lembrando que o TRT1 conta ainda com a Ouvidoria da Mulher. Deixamos ao final deste texto o contato dos canais mencionados[i].

“Esses dados demonstram a gravidade do problema que enfrentamos e o alto custo pago pelos servidores e por toda a instituição devido ao assédio moral, e nos mobiliza a lutar cada vez mais séria e coletivamente contra esse mal que corrói a vida, a alegria e a saúde integral de servidores e servidoras do TRT1”, avalia a servidora do TRT1 e integrante do Departamento de Assédio Moral do Sisejufe, a diretora Carla Nascimento, presente na plateia.

Maio como mês estratégico

Ainda no evento, fez uso da palavra o psicólogo e professor da Universidade Federal Fluminense Bruno Chapadeiro, especialista no tema do Assédio Moral. Ele destacou, inicialmente, o fato de que o trabalho é mais do que o primado do econômico, sendo um dos formadores da identidade do sujeito, o que nos dá legitimidade social. Por isso, somos grandemente afetados quando nossa identidade como trabalhadores é degradada.

Destacou, ainda, Chapadeiro a importância desse evento se realizar no mês de maio, que começa com o dia do trabalhador (1º de maio), tem como dia internacional de combate ao assédio moral o dia 2 de maio, o dia das mães (segundo domingo de maio), e o dia 28 de maio (dia internacional de cuidado com a saúde da mulher), sendo essas últimas as mais impactadas pelas condições de trabalho e as mais afetadas pela violência laboral, como demonstrou a pesquisa realizada no TRT1.

Outro ponto ressaltado pelo convidado foi o fato de que está cada vez mais difícil para os trabalhadores, incluindo os servidores do TRT1, se aposentarem, tendo em vista, entre outras razões, o medo da perda de sentido da vida, justamente por vivermos numa sociedade onde o trabalho é um dos principais pilares da identidade.

Em seguida, o professor, fazendo um recorte histórico do assédio moral, relembrou que nosso país está assentado sobre um passado de mais de trezentos anos de escravidão e que a miscigenação deu-se à base de muitas violências e estupros. “Nossa condição atual reflete esse passado de violências, que resultou numa sociedade extremamente desigual”.

Assédio no serviço público e especificamente na justiça

Lembra ainda Chapadeiro que a justiça do trabalho surgiu como instrumento de mitigação do conflito entre capital e trabalho, no contexto do trabalhismo no Brasil. No entanto, é a justiça que tem o terreno mais fértil para o assédio moral e sexual no serviço público. Como explicar essa contradição? Em primeiro lugar, destacou Chapadeiro, a política neoliberal que advoga pelo estado mínimo tem tido um impacto direto entre nós, reduzindo cada vez mais o quadro de servidores e magistrados e nos obrigando a fazer cada vez mais com menos, quadro que o PJE (uma espécie de atualização do mito de Sísifo*) não ajudou a melhorar, bem como o advento da necropolítica, onde o sistema funciona para eliminar os indesejáveis, ou seja, justamente aqueles, como apontam os resultados da pesquisa, mais afetados pelo assédio moral e sexual (negros, mulheres, mães, pessoas com mais de quarenta anos, pessoas com deficiência).

Concorrendo para o atual estado de coisas, o CNJ não parece consultar servidores e magistrados para estipular as metas, cobrando cada vez mais celeridade da justiça, não interessando o caminho utilizado para atingi-la, exemplificando a máxima de Maquiavel de que “os fins justificam os meios”. Os gestores são incentivados a apresentar altos índices de produtividade, que são premiados com benefícios como promoções. Nesse contexto, o assédio comparece como forma de gestão, em especial a “gestão por humilhação”. O trabalho é cobrado em grupo, mas as avaliações são individualizadas. Ou seja: os servidores que adoecem e precisam tirar licenças médicas (especialmente quando mais prolongadas) para cuidar de si ou de um familiar adoecido, são vistos tão somente como alguém que está ajudando a intensificar o “meu” trabalho, como um estorvo.

Ao lado das práticas de gestão citadas acima e colaborando com elas, forma-se um novo léxico, onde o trabalhador se transforma num “empreendedor”, vigorando na contemporaneidade a “ideologia da performance”, sentida pelo trabalhador como uma aceleração e uma compressão do tempo, sobrando muito pouco tempo para cuidar da própria vida. A vida vira uma correria generalizada.

Todo assédio moral é violência

Retomando o tema específico da pesquisa, a fim de ajudar na compreensão da diferença entre assédio moral e violência laboral, Chapadeiro afirmou que “nem toda violência é um assédio moral, mas todo assédio moral é uma violência”. Se antes se considerava o assédio moral apenas aquela ação intencional e repetitiva, agora a Convenção 190 da OIT nos diz que uma violência laboral isolada também pode ser considerada como assédio. E se há um determinado espaço laboral em que já foram diagnosticados vários assédios, é possível que seja reconhecido o nexo de causalidade entre o assédio e o adoecimento dos servidores que foram alvos de violência laboral.

O especialista destacou, ainda, que geralmente quando um trabalhador comparece ao serviço de saúde para buscar ajuda em caso de assédio, ele não tem certeza do que está acontecendo, se sente confuso e necessita inicialmente de uma validação da sua experiência e do seu sofrimento; e que muitas vezes nessa busca por ajuda, o alvo do assédio acaba sofrendo uma segunda violência, ao ter seu sofrimento descredibilizado.

Estresse pós-traumático

Em seguida, o convidado apontou que há pesquisadores franceses que vêm demonstrando como o assédio moral pode desencadear no trabalhador um transtorno de estresse pós-traumático e que geralmente as narrativas nesse caso (em especial os casos de assédio sexual) são fragmentadas, exigindo uma escuta atenta e paciente do profissional de saúde.

Acrescenta Chapadeiro que no Brasil a modalidade mais frequente de assédio ainda é a do assédio “descendente”, ou seja, de um superior hierárquico sobre seus subordinados e que na justiça isso fica ainda mais acentuado, uma vez que temos uma estrutura altamente hierarquizada.

O professor diz que ficou claro na pesquisa a dificuldade de acessar os terceirizados – formado por maioria negra, pobre e de baixa escolarização, e que talvez contribua para isso o fato de terem vínculos precários de trabalho, aumentando o medo da retaliação.

Em seguida, Chapadeiro destacou as formas de agir do assediador, citando como exemplo a situação em que o gestor um dia repassa determinada ordem ao trabalhador e, no dia seguinte, repassa outra ordem completamente diferente, e quando o subordinado o questiona, o gestor responde que o trabalhador é que deve ter entendido errado, estabelecendo assim uma confusão na comunicação, que é característica do assédio moral, gerando um estado de confusão mental.

Alerta para o teleassédio

O professor chamou a atenção para o fenômeno atual do teleassédio, que se dá por mensagens de Whatsapp, pelo Zoom ou por e-mail, destacando ainda que, como o trabalhador nesses casos está sozinho em casa trabalhando, não há um coletivo de pessoas que possa testemunhar a violência sofrida, citando ainda que na pandemia, por exemplo, esse modus operandi do gestor assediador instaurou um estado de medo entre os trabalhadores.

Continuando, o convidado afirmou que nessas condições onde a hierarquização é muito acentuada, o trabalhador sente a necessidade de bajular o gestor para se proteger, o que explica a grande frequência do fenômeno do puxassaquismo em nosso meio.

Em seguida, lembrou ainda sobre a dificuldade que os servidores e magistrados de mais idade possuem para acessar as novas tecnologias.

Nesse cenário, com a pressão por metas cada vez forte, começa a se degradar também a qualidade do trabalho exercido por servidores e magistrados, uma vez que há o privilégio da quantidade sobre a qualidade, tornando cada vez mais impossível o espaço de reflexão necessária para a realização de trabalhos de alta complexidade.

Pressão por produtividade

Destacou ainda Chapadeiro a existência da cultura da rivalidade, onde o gestor promove a competição entre os servidores, sempre cobrando trabalho e produtividade sem oferecer as condições necessárias para que esses sejam realizados satisfatoriamente.

Segundo o especialista, ainda lidamos com lacunas no arcabouço legislativo no que diz respeito ao assédio moral no Brasil, especialmente no serviço público e que, neste, há a prerrogativa da estabilidade do assediador, o que desestimula muitas vezes a denúncia.

Problema coletivo

Acrescentou Chapadeiro que é importante lembrar que o assédio moral é um problema da organização do trabalho, um problema coletivo, e não individual, o que fica fartamente demonstrado pelas pesquisas, onde há um quantitativo expressivo de trabalhadores que relatam experiências  semelhantes.

Afirmou ainda, o palestrante, que o assédio moral no Brasil é uma das maiores causas de adoecimento, destacando o trabalho feito pela Professora Margarida Barreto, que pesquisou mulheres com distúrbios hormonais devido ao assédio moral/sexual, citando o médico do trabalho italiano, Bernardino Ramazzini, que afirmava que “na fonte do nosso sustento pode residir a causa da nossa patologia.”

Dependência de medicamentos

Continuando a falar sobre os impactos da violência laboral, Chapadeiro mencionou que 40% dos respondentes da pesquisa afirmaram fazer uso de medicamentos controlados, entre ansiolíticos, antidepressivos e analgésicos. Relatou, ainda, casos de mulheres trabalhadoras vítimas de assédio sexual que enfrentam dificuldades em seus relacionamentos afetivos.

Em seguida, citou Chapadeiro dados do portal Smart Lab, iniciativa do Ministério Público do Trabalho com a OIT, que demonstram a ausência de casos onde tenha sido reconhecido o nexo de causalidade entre trabalho e doença. Se quisermos ter uma visão realista desse quadro, é necessário que se naturalize no serviço público a expedição da CAT, inclusive nos casos de violência laboral.

Uma questão de saúde pública

Retomando a pesquisa realizada entre magistrados, o professor afirmou que, perguntados se achavam adequadas as metas do CNJ, 52% disseram que não. Já 93% disseram que trabalham além da jornada de trabalho para serem capazes de bater as metas exigidas.

Para Chapadeiro há uma naturalização das cobranças excessivas, tanto da parte de gestores que cobram o cumprimento dos servidores a qualquer custo, sob a forma de gestão por humilhação, quanto da autocobrança dos próprios gestores. Citou como exemplo disso a fala de um magistrado do interior, que afirmou: “Não vi meu filho crescer. Perdi vários sábados do futebol dele para dar conta dos processos.” Comentou, ainda, da fala de uma magistrada, que disse que no Tribunal “se oferece Rivotril no corredor, como se fosse chiclete.”

O especialista lembrou o percentual de 10% de servidores que dizem sofrer de ideação suicida, pontuando que esse índice em saúde pública é considerado gravíssimo.  De onde conclui que “é o trabalho que está adoecido, e não as pessoas.”

*Sísifo – mestre da malícia e da felicidade, ele entrou para a tradição como um dos maiores ofensores dos deuses. Segundo Higino, ele odiava seu irmão Salmoneu; perguntando a Apolo como ele poderia matar seu inimigo, o deus respondeu que ele deveria ter filhos com Tiro, filha de Salmoneu, que o vingariam. Dois filhos nasceram, mas Tiro, descobrindo a profecia, os matou. Sísifo se vingou e, por causa disso, recebeu como castigo na terra dos mortos empurrar uma pedra até o lugar mais alto da montanha, de onde ela rola de volta.

 

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