Por Leonardo Sakamoto*
Manifestantes a favor de Donald Trump invadiram o Congresso dos Estados Unidos, nesta quarta (6/12), enquanto deputados e senadores debatiam a ratificação da eleição de Joe Biden. A cena, que viralizou imediatamente pelo mundo, mostra o que acontece quando um presidente ataca sistematicamente instituições da República, minando a credibilidade do sistema eleitoral e reduzindo o respeito aos outros poderes.
Ao mesmo tempo é um exemplo (leve) do que pode ocorrer daqui a dois anos no Brasil, considerando que Jair Bolsonaro tem acusado o sistema eleitoral brasileiro de fraude sem apresentar provas enquanto seus aliados e seguidores atacam instituições. Vale lembrar que também tivemos por aqui tentativa de invasão do Congresso Nacional e lançamento de rojões contra o Supremo Tribunal Federal. Isso sem contar o ato pedindo o fechamento dessas instituições que contou com discurso do presidente da República.
Trump jogou gasolina na fogueira, nesta quarta, ao convocar um grande protesto em Washington D.C. e incentivar que seus seguidores pressionassem o Parlamento a não confirmar o democrata – apesar da sessão ser mera formalidade, uma vez que os votos do colégio eleitoral já foram dados.
Depois que imagens mostraram manifestantes forçando a entrada em cima de agentes de segurança no Capitólio, Trump foi às redes sociais pedir que os atos fossem pacíficos. Hipocrisia de quem, com o leite derramado, quer fugir da responsabilidade. Ele não precisava pedir uma invasão ao Congresso para ser responsável quando isso ocorresse. Durante semanas, seus discursos inflamados, acusando as eleições de terem sido roubadas, foram decantando em pessoas que nele confiam o entendimento equivocado de que há um golpe de Estado em curso contra ele. Muitos de seus seguidores não percebem que estão atacando a democracia. Acreditam estar salvando-a. Ao mesmo tempo, dentro do Parlamento, um grupo de deputados e senadores republicanos fazia de tudo para levar a cabo a tentativa de golpe de Trump, mesmo sem chances de sucesso. Foram beneficiados pela interrupção das sessões devido à ocupação dos plenários.
Enquanto isso, num certo país da América do Sul…
Assim como Trump, que perdeu a eleição nos EUA e culpou o sistema eleitoral, Bolsonaro ataca a urna eletrônica, expandindo uma dúvida antes restrita a pequenos grupos que acreditam em teorias da conspiração – o que pode ser útil para questionar o resultado das eleições em 2022, caso lhe seja desfavorável. O presidente defende que as urnas produzam um comprovante impresso, mesmo que especialistas afirmem que isso só tumultuaria o processo. A campanha de desinformação contra nosso sistema eleitoral levada a cabo por bolsonaristas tem surtido efeito, tanto que pesquisa Datafolha, publicada neste domingo (3), apontou que 23% da população quer a volta do voto em papel, ironicamente mais suscetível a fraudes e que leva mais tempo para ser apurado. Jair ajuda a pavimentar sua narrativa para a batalha que irá logo adiante dentro de um projeto maior. Assim como nos EUA, declarações como essas, sem provas, vindas de um presidente, fragilizam instituições. Simultaneamente, o governo Bolsonaro já tentou sequestrar ou enfraquecer Coaf, Receita Federal, Polícia Federal, Procuradoria-Geral da República, instituições de fiscalização e controle.
No primeiro turno das eleições do ano passado, milícias bolsonaristas se aproveitaram de problemas do Tribunal Superior Eleitoral (que em nada afetaram a segurança da votação) para colocar sob suspeita as eleições nos municípios em que seus candidatos não foram bem votados e para lançar um véu de dúvida sobre o sistema como um todo. Na mesma época, o presidente demorou para reconhecer a vitória de Joe Biden. “Eu estou aguardando um pouco mais”, disse. “Teve muita fraude lá, isso ninguém discute.”
Corrosão das instituições
Colocar em dúvida o resultado tem servido, nos Estados Unidos, para tentar melar o pleito, mas também para que Trump seja visto como vencedor real pelos seus seguidores fiéis, mantendo sua força, e, ao mesmo tempo, dificultar que ele seja processado por crimes fiscais após deixar o cargo e reduzir a legitimidade do governo do adversário. O efeito colateral de dobrar o país às necessidades individuais é uma população que acreditará menos no sistema eleitoral, nas instituições e em tudo aquilo que a mantém conectada como país.
Em março do ano passado, sem apresentar evidências, Bolsonaro afirmou que havia sido eleito no primeiro turno de 2018, mas foi roubado. Houve forte reação por parte de ministros do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal, que reafirmaram a lisura e a confiança no sistema. Foi o bastante para causar estrago e plantar dúvida. No Brasil, instituições são menos robustas do que nos EUA. Aqui, há sempre um militar de alta patente que ameaça a Suprema Corte pelo Twitter, milhares de pessoas que vão às ruas pedir autogolpe e um bom punhado de saudosistas que sofrem por não vivermos em uma ditadura – apesar da tortura e da morte continuarem pela mão da parcela bandida de agentes de segurança nas periferias.
O risco EUA: o que acontece lá é imitado por aqui
O que aconteceu, nesta quarta, no Capitólio, é uma lição para o Brasil se preparar para 2022. Não uma lição apenas para bolsonaristas, mas para todos os que prezam pela democracia. Pois, por aqui, com uma democracia mais jovem, instituições mais frágeis e Forças Armadas com uma relação, não raro, promíscua com o presidente, podemos não ter um desfecho republicano.
Milhares de seguidores de Bolsonaro insatisfeitos com uma derrota de seu herói vão se satisfazer com protestos contra o resultado ou vão querer invadir instituições e atacar jornalistas? O que pode acontecer se bolsonaristas, que foram generosamente armados pelo presidente nos últimos anos, resolvam ir às ruas e encontrarem com soldados, cabos e sargentos simpáticos a Bolsonaro? O que acontece quando um governo com laços com milícias é profundamente contrariado? Em tempo: Como comentou um amigo jornalista que trabalha nos EUA, fosse um ato do Black Lives Matter, não conseguiria passar nem perto da porta do Congresso. Mas como são brancos e conservadores, fazem o que desejam.
*Leonardo Sakamoto é colunista do UOL