A Seção Judiciária do Rio de Janeiro (SJRJ) deu um passo histórico para combater o racismo intramuros e construir uma Justiça mais plural e diversa. A Direção do Foro aprovou, em junho, o relatório final do Grupo de Trabalho sobre Igualdade Racial, criado em janeiro deste ano. O documento – inspirado no relatório “Igualdade Racial no Poder Judiciário”, do CNJ – apresenta uma série de ações que visam à superação da sub-representatividade dos profissionais negros e eliminação das desigualdades raciais dentro da instituição. As atividades do GT, coordenadas pela juíza federal da 5ª. VF Criminal, Adriana Cruz, contaram com a participação da representante de base do Sisejufe, Bethe Fontes.
Veja, NESTE LINK, o relatório final elaborado pelo GT e AQUI o despacho da Dirfo que o autorizou.
A magistrada Adriana Cruz acredita que a aprovação do relatório revela a maturidade do órgão em enfrentar um tema tão urgente. “É uma sinalização importante de que a Dirfo está atenta em estabelecer diretrizes e adotar práticas para que o serviço prestado esteja absolutamente em linha com o que determina o artigo 3º, IV, da Constituição. Os critérios de discriminação proibida que constam do texto constitucional e os compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro no combate a todas as formas de discriminação devem ser a bússola que orienta o Poder Judiciário. Com este relatório, a Dirfo dá um importante passo para consolidar o caminho dos serviços judiciários nesta direção”, declarou a juíza.
Desigualdades sobrepostas
O relatório propõe que o enfrentamento da desigualdade racial dentro da SJRJ seja realizado a partir de uma perspectiva interseccional. Isso significa que outros sistemas de opressão – como os de gênero, classe, capacidade física, localização geográfica, entre outros – estão sobrepostos e são inseparáveis do racismo. Para a juíza Adriana Cruz, a cor da pele, associada à orientação sexual e religião, por exemplo, podem definir o quanto se vive e como se morre no Brasil.
“Nós vivemos em um país de profundas desigualdades raciais, sociais e de gênero. O Atlas da Violência e o Anuário Brasileiro de Segurança Pública informam que 75% das vítimas de homicídio no Brasil são negras, especialmente jovens, isto em um cenário em que houve a redução de 12,9% dos homicídios de não-negros e um aumento de 11,5% de pessoas negras. Os policiais mortos também são em sua maioria negros (65,1%). Os números da violência contra mulheres negras e pessoas da comunidade LGBTQIA+ também cresceram”, afirmou a magistrada.
Diante dessas estatísticas, Adriana defende que o Poder Judiciário não pode se abster de trazer para dentro de seus muros o debate sobre o racismo estrutural e outras formas de discriminação. “Em um cenário de tamanha desigualdade, o Poder responsável por dirimir os conflitos têm imensa responsabilidade na efetivação dos valores constitucionais para fazer frente a essa realidade. Precisamos internalizar na cultura organizacional o compromisso cotidiano com o enfrentamento da discriminação racial e todas as formas de preconceito”, disse.
Qual a cor da SJRJ?
Entre as propostas sugeridas pelo relatório está a criação de um Comitê Permanente de Equidade Racial e de Gênero, responsável por estabelecer ações que visem a ampliar a participação de pessoas negras e de mulheres no corpo de servidores e nos espaços de decisão da SJRJ, entre outros. Em breve, serão divulgados os critérios para inscrição e eleição de servidoras e servidores, de juízas e juízes que irão compor a comissão.
Também foi sugerida a realização de uma pesquisa para traçar um diagnóstico sobre a percepção dos participantes a respeito da sua identidade e da situação racial no ambiente de trabalho. Além de incluir questões como identidade de gênero, idade e escolaridade, a pesquisa questionará se o respondente sofreu ou presenciou alguma situação de racismo.
Ainda está prevista a criação de canais de escuta para servidores vítimas de racismo ou de discriminação racial, além de uma campanha para sensibilizar os servidores sobre a importância de incluir, no cadastro funcional (SIGA-RH), o dado referente à raça/cor. O projeto também incluiu a promoção de cursos de capacitação com temas ligados à pauta antirracista, entre outras ações.
A representante de base Bethe Fontes contou que o trabalho foi marcado pelo engajamento de todos os seus membros na produção de um relatório que servisse de embrião na elaboração de ações afirmativas dentro da SJRJ e que tenham como linhas mestras educar e ressignificar o papel do negro no inconsciente coletivo.
“Destaco no texto do relatório as indicações de bibliografias, documentários e vídeos, a proposição de uma cartilha, além das sugestões apresentadas quanto às novas concepções no gerenciamento de pessoas e quanto às ações que visam mudanças na cultura organizacional, sempre com foco em educação/informação, pois, como citado no referido relatório, segundo o grande líder negro sul-africano, Nelson Mandela, ‘Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor da sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender. E se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar”.”
Bethe disse, ainda, que os encontros foram permeados de muita colaboração e escuta mútua, conduzidos com muita maestria e resultaram em um belo trabalho. “Certamente é o início do longo caminho que ainda temos que seguir na conscientização de que o racismo existe e de que precisamos de informação para desatar os nós do preconceito e dos estereótipos negativos dentro da SJRJ para enfrentamento do racismo institucional” concluiu.
GT
O Grupo de Trabalho sobre Igualdade Racial foi instituído em janeiro de 2021, por meio da Portaria no. 1/2021, da Direção do Foro. Além da juíza federal Adriana Cruz (coordenadora) e da servidora Bethe Fontes, também compuseram a comissão os juízes federais Carlos Ferreira de Aguiar (24º. VF); Débora Valle de Brito (9ª. VF Criminal); Fabio Cesar dos Santos Oliveira (14º. JEF), além dos servidores Alexandre do Nascimento (7ª. VF Criminal); Iris de Faria, Maria do Socorro Branco, Patricia Fernanda dos Santos e Mariana Mello (NCOS); Marco Antônio de Almeida (NSEG/SETRA), Renata Manhães Dias (SGP/SECAD).
Fonte: NCOS da SJRJ