A dupla discriminação sofrida por quem é mulher e negra foi o foco da exposição Pele Preta, promovida pelo Sisejufe. Para encerrar a mostra que retratou 31 personalidades para marcar o Mês da Consciência Negra, o sindicato promoveu o evento Roda & Roda.
Três das homenageadas pela exposição, as juízas federais Adriana Cruz e Angelina Costa e a professora e ativista Jaqueline de Jesus participaram do encerramento da mostra no dia 12 de dezembro no Foro Marilena Franco, que contou também com a ialorixá Marta D’Oyá. Elas foram convidadas para falar sobre o tema Violência Contra a Mulher: do assédio ao feminicídio.
Na roda de conversa, a juíza federal Adriana Cruz colocou o dedo na ferida: o estupro é fundacional da nação brasileira. Desde o primeiro momento em que os europeus chegaram, as mulheres que aqui estavam foram vistas como seres passíveis de serem dominados, tanto para o sexo como para o trabalho.
Se quando se fala de mulher ainda é perpetuado o estereótipo de fragilidade e a predominância do espaço doméstico, para a mulher negra, ao contrário, a força e o espaço público sempre foram impostos. Adriana exemplificou com as fotos do acervo do Instituto Moreira Salles, nas quais podemos ver as escravas carregando tanto peso quanto os homens, ou no discurso da violência obstétrica que diz “vocês suportam mais a dor”. Nem a juíza federal escapa da misoginia. “Já fui taxada de grosseira porque respondi quando me chamaram de a mulata mais bonita da Justiça Federal”, indigna-se.
Adriana resgatou a política de embranquecimento da população, que tinha como meta exterminar os negros do Brasil até 2011, por meio do regime imigrantista de europeus. “É um desgosto que estejamos aqui.” Já na área do Direito, a juíza destacou os avanços na legislação que trata dos crimes sexuais.
A magistrada acredita que é preciso implantar um protocolo no Brasil onde o Judiciário trabalhe na perspectiva de vulnerabilidade desde a investigação, passando pelo processamento e chegando ao julgamento, lembrando que não há custo para sua implantação. “Quando perguntamos para mulheres negras como foi o contato com a Justiça, as respostas são unânimes: elas se sentiram desconsideradas, desrespeitadas e não ouvidas… as pessoas querem ser tratadas com dignidade.”
Educação é fundamental
O Brasil é signatário da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, lembrou a juíza federal Angelina Costa. Conta ainda com a Lei Maria da Penha e Delegacias da Mulher, mas essa estrutura não é suficiente para deter os números do assédio e do feminicídio que não param de subir no país.
Angelina acredita que a educação é a luz para mudar esta realidade. Assim, as jovens poderiam buscar trabalhos qualificados e conquistar a independência, tanto financeira quanto para a vida.
Religião e samba como resistência
Movida pela sua ancentralidade “que sempre lhe mostra uma porta, uma saída”, a ialorixá Marta D’Oyá conseguiu mandar o pai violento para fora de casa quando tinha 16 anos, com a ajuda da irmã. De lá pra cá, combater a violência doméstica tem sido uma constante na sua vida. E o barracão de candomblé virou uma casa de acolhimento para as mulheres que precisam. E o espaço já conta com uma rede de apoio, que ela pretende ampliar.
Sua resistência está na religião e no samba. “Minha força está na minha voz. Com ela eu consigo alcançar tudo o que eu preciso.”
Vote em Mulheres
A professora Jaqueline de Jesus encerrou o evento falando sobre orientação sexual e identidade de gênero. “O Brasil é o país que mais mata travestis e trans no mundo”, lamentou. Nesse sentido, não basta ter os direitos, pois no projeto neoliberal eles não são cumpridos.
Ela resgatou que as mulheres eram consideradas intelectual e fisicamente débeis até o século XIX. Foi a luta feminista que proporcionou a mudança de paradigma, quando as mulheres começaram a poder falar por elas mesmas. Mas isso ainda está longe de ser uma realidade para todas. No Brasil, a bancada feminina na Câmara dos Deputados é de apenas 15% e dos mais 400 parlamentares em Brasília, apenas 44 são negras. “Precisamos eleger mais mulheres!”, bradou.
A Roda de Conversa foi conduzida pela assessora política do Sisejufe, Vera Miranda. Representando o Núcleo da Marcha Mundial de Mulheres do Sisejufe, Anny Figueiredo trouxe os alarmantes números no Brasil, que está em 7º lugar em casos de feminicídio no mundo, onde cerca de 90% das mulheres já deixaram de fazer alguma coisa por medo da violência. “Nossa luta é contra o estado fascista, que estimula a violência contra nós, esses governos machistas em todas as esferas”, declarou Anny. “Depois do golpe misógino contra a presidenta Dilma, parece que abriram a caixa de Pandora”, complementou a diretora do Sisejufe Solidário, Eunice Barbosa. O evento foi prestigiado ainda pelos anfitriões do espaço: o diretor do foro, Osair Victor de Oliveira Junior e a diretora da secretaria-geral, Luciene Dau Miguel.
Homenagem à Prata da Casa
A diretora do Sisejufe Lucilene Lima também foi uma das mulheres retratadas pela mostra Pele Preta. “Obrigada por tudo que vocês permitiram que eu fosse na vida sindical.” Ela foi presenteada com uma reprodução da obra da artista plástica Bela Pinheiro, que divide a exposição com a colega Izadora Neves. Neli Rosa, que coordena o Departamento de Aposentados e Pensionistas do Sisejufe, também foi homenageada.
Roda de Samba de mulheres
O evento contou ainda com o Samba do Moça Prosa. Originado das rodas de samba da Pedra do Sal, o grupo é um movimento que se estabeleceu em 2012 e aborda temas como racismo, diversidade e luta antimanicomial, além estimular outras mulheres a ocuparem espaços públicos tocando e cantando.