Sem sombra de dúvidas o 3 de setembro de 2020 ficará marcado como o dia em que “o fim do Estado enquanto cuidador do cidadão com menor capacidade financeira”, foi impulsionado. Nesse dia, o governo Jair Bolsonaro, eleito com o voto de servidoras e servidores públicos em grande proporção levou ao Congresso Nacional uma proposta de Reforma na Administração pública que, na prática, vai reduzir a presença do Estado e viabilizar a privatização de serviços públicos.
Alinhado aos interesses da elite financeira do país – representada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), – cobranças de alguns parlamentares e até da mídia tradicional, Jair Bolsonaro e Paulo Guedes atacaram os servidores, minando as expectativas de quem há anos se prepara para tentar uma vaga no setor público.
Alerta aos servidores atuais
Em linhas gerais, Guedes e Bolsonaro alardeiam que as propostas não atingirão os atuais servidores públicos. Mas é o canto da sereia pra facilitar a tramitação e a aprovação. Sem clareza quanto às propostas adjacentes que integram o conjunto da PEC e as fases a serem cumpridas (leia mais abaixo no intertítulo Fases), os servidores atuais correm risco sim, de serem atingidos e terem direitos retirados e “vendidos” à iniciativa privada. São normas infraconstitucionais e até mesmo projetos que tramitam na Câmara e Senado, contendo ataques a direitos da categoria.
O mais grave é o risco de um desses instrumentos trazerem até mesmo propostas de redução de salários e jornada, já para os servidores atuais. O risco, com a configuração dos Poderes da República atualmente – com alinhamento ao neoliberalismo – é real e muito presente. Não há segurança frente ao cenário político atual, reforçado também por uma atuação política do Supremo Tribunal Federal (STF).
Entrega solene
Dessa forma, com direito a solenidade e entrevistas, a PEC 32/2020 foi entregue. O texto, um trabalho primoroso para qualquer aluno do terceiro ano do ensino primário fazer inveja ao maternal, nem parece ter sido construído com a assessoria de Economistas. Ou, se o foi, indica que a graduação no segmento no Brasil, carece de muita atenção.
Pior: dão força ao discurso “furado” do estado mínimo, como se o Estado brasileiro, ao invés de necessitar de mais servidores para atender as populações carentes e miseráveis, contasse com número “excessiva” da força de trabalho, como atestam empresários e autoridades econômicas ultraliberais. O que essa caterva nunca explica é o que vai ser da população que precisa do atendimento público em Saúde e Educação para ter uma chance de atingir a expectativa média de vida do brasileiro projetada pela Organização Mundial de Saúde: 76 anos.
Amplamente divulgada pela grande mídia nessa quinta-feira (3) e mais ainda nesta sexta (4), não há desidratação alguma na proposta como querem fazer parecer os veículos de imprensa alinhados com a agenda neoliberal de Guedes e companhia. O texto da reforma é meramente eleitoreiro e se permite a factoides com vistas a engrossar também, os discursos conservadores e enganadores, na eleição deste ano, em 15 e 29 de novembro próximos.
Mas a grande mentira reside no fato de nem as donas de casas e nem o empresário poderem gerar dinheiro. Ou seja, só o governo pode fabricar dinheiro e pagar os débitos contraídos em moeda do próprio País. A reforma mente.
A reforma mente quando na apresentação à sociedade, ela promete, nas palavras de Maia, “garantir serviço público de qualidade”. A intenção com a PEC 32/2020, atrelada à PEC do Pacto Federativo (188/19) que incorporará a PEC Emergencial (186/19) é tirar da população exatamente esse serviço público de qualidade. Isto é, esse arcabouço de propostas visa o desmonte do Estado. Começou com a EC 95 e Reforma Trabalhista no governo Temer, passando pela reforma da Previdência recentemente aprovada no Congresso. E mais: nas PECs do Pacto Federativo e Emergencial, estão inseridos gatilhos de redução de jornada e salário no funcionalismo.
A proposta mente, ainda mais, quando acusa o setor público de peso nas contas públicas. Só na pandemia, o home office do segmento gerou economia de mais de 400 milhões de reais. Deu no UOL, em matéria veiculada no dia 3 de agosto.
Fases
1ª fase: PEC – novo regime de vínculos e organizacional da administração pública;
2ª fase: PLP e PL de gestão de desempenho; PL de consolidação de cargos, funções e gratificações; PL de diretrizes de carreiras; PL de modernização das formas de trabalho; PL de arranjos institucionais; e PL de ajustes no estatuto do servidor;
3ª fase: Projeto de Lei Complementar (PLP) do novo serviço público: novo marco regulatório das carreiras; governança remuneratória; e direitos e deveres do novo serviço público.
Pontos da reforma:
•Novos servidores: a PEC modifica as regras somente para os futuros servidores e não atinge os que já estão no serviço público;
•Exigência de classificação final dentro do quantitativo previsto no edital do concurso público, entre os mais bem avaliados ao final do período do vínculo de experiência;
•Banimento de parcelas indenizatórias sem a caracterização de despesas diretamente decorrente do desempenho da atividade;
•Vedação de promoção ou progressão na carreira exclusivamente por tempo de serviço
•Férias: proibição de mais de trinta dias por ano – o que não muda a situação de juízes, que na verdade não têm férias, e sim, o recesso judiciário;
•Fim da aposentadoria compulsória como forma de punição do servidor, mas não determina perda ou suspensão de vencimentos;
•Impossibilidade de redução de carga horária se não houver a consequente redução da remuneração, salvo por motivo de saúde;
•Estabilidade dos servidores que já ingressaram no serviço público será mantida e os vencimentos atuais não serão reduzidos;
•Fim do aumento retroativo
•Fim da licença-prêmio
•Fim do adicional por tempo de serviço, também conhecido como anuênio
•Fim das parcelas indenizatórias sem previsão legal
•Fim do adicional ou indenização por substituição não efetiva
•Fim da Incorporação ao salário de valores referentes ao exercício de cargos e funções
•Propõe o fim do Regime Jurídico Único e institui: vínculo de experiência, vínculo por prazo determinado, cargo com vínculo por prazo indeterminado, cargo típico de Estado e cargo de liderança e assessoramento (este último corresponde aos cargos de confiança.
•Exigência de dois anos em vínculo de experiência com desempenho satisfatório antes de estar investido em cargo público e começar o estágio probatório de um ano para os cargos típicos de Estado;
Produtividade
Uma das declarações mais estapafúrdias de ontem veio do próprio Rodrigo Maia. O deputado – que nunca teve emprego com trabalho de verdade e no máximo brinca na presidência da Câmara ao sabor de seus devaneios mais telúricos – disse que é hora do serviço público “olhar sobre a produtividade”. Esqueceu-se Maia que em nenhuma fase da liberação de verbas para estados e municípios que parlamentares fazem como medida eleitoreira e não eficiente, quem efetivamente trabalha para que ela surta benefícios à população é o servidor público.
Ou mais: quem Maia acha que realiza trabalhos como coleta e apuração de votos? Os ministros do TSE? Os desembargadores dos TREs? Não. São servidores(as) públicos, os únicos capacitados para proteger a identidade as informações sensíveis dos cidadãos, na bacia da Justiça Eleitoral, guardadas nos bancos de dados.
Caso Maia tenha dificuldades em se lembrar, quem garante a ele a segurança das informações financeiras guardadas na base de dados da Receita Federal, são os servidores públicos, não os sistemas e softwares.
Legislativo federal
Na esteira do frisson causado pela proposta de reforma, Rodrigo Maia atacou os servidores do Legislativo Federal e anunciou uma reforma administrativa absurda na Câmara dos Deputados, cujas principais mudanças estão a redução do salário de ingresso dos novos servidores na carreira do Legislativo; o aumento de 10 para 25 níveis na carreira; e a extinção de mil cargos efetivos, sendo 633 imediatamente, por estarem vagos, e outros 367 à medida em que os servidores se aposentarem. O texto também prevê implementação de promoção na carreira por meritocracia, em decorrência do desempenho individual; estabelece critérios e requisitos para assumir funções comissionadas e vincula benefícios a servidores (como cursos de formação) a desempenho. A proposta da Câmara tramitará em conjunto com a reforma entregue pelo governo federal.
Alto escalão
Cabe destacar que, estrategicamente, o texto do governo blindou e deixou de fora juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores, promotores, procuradores e parlamentares. Ou seja, as servidoras e servidores pagarão a conta.
Mais poderes ao presidente
A PEC possibilita uma maior margem para o presidente da República extinguir cargos, gratificações, funções e órgãos, transformar cargos vagos e reorganizar autarquias e fundações sem a aprovação do Congresso Nacional. A justificativa da equipe econômica é que processos que dependem da aprovação do parlamento são “complexos e morosos”.
Reação
O momento é gravíssimo e pede unidade das entidades, centrais sindicais, sindicatos e de toda a classe trabalhadora – do funcionalismo e iniciativa privada – na construção de uma ampla campanha em defesa do serviço público e contra a Reforma Administrativa e demais propostas do governo. Buscando descontruir a visão negativa que o governo tenta imputar aos servidores, a Fenajufe convidou, esta semana, algumas entidades para tratar de uma campanha nacional em defesa dos servidores e serviços públicos. O foco da campanha também será a taxação das grandes fortunas.
A Fenajufe, por meio da Assessoria Parlamentar, acompanha a tramitação da proposta. A Federação reforça, ainda, aos Sindicatos de base, a necessidade de mobilização e articulação junto a deputados e senadores para que a PEC não avance no Congresso.
Na última Reunião Ampliada da Fenajufe, no dia 22 de agosto, foi aprovada adesão irrestrita ao movimento Fora Bolsonaro, Mourão, Guedes e todo o governo
É hora de derrubar o inimigo!
O terceiro vídeo da campanha da Fenajufe em defesa dos servidores(as) e serviços públicos já está nas redes. Intitulado “É hora de derrubar o inimigo”, a peça traz a premissa da necessidade de reação para pôr fim aos ataques que o governo, em nome da elite financeira, patrocina contra a categoria.
Fonte: Imprensa Fenajufe