*Ernesto Germano
Parte 1 – Uma vitória neoliberal?
01. Nos últimos quatro anos, em várias palestras que tenho feito analisando a conjuntura mundial, tenho destacado as cinco grandes crises da “era neoliberal” e que assolam o mundo. No início deste ano, participando do Fórum Social Mundial Temático, em Porto Alegre, apresentei novamente as minhas preocupações e falei dos cinco problemas legados pelo neoliberalismo: crise energética mundial, crise liberal, crise ambiental, crise alimentícia e crise das instituições.
02. Não vou gastar tempo e palavras falando das demais, mas gostaria de delimitar o que está acontecendo no país no espaço da atual crise das instituições que ocorre em nível mundial.
03. Em dezembro de 2001 a Argentina vivia sob a batuta neoliberal, seguindo à risca a receita ditada pelo FMI e pelo Consenso de Washington, quando foi sacudida pela grande crise econômica que levou o governo a ditar várias medidas que caíram como uma tormenta sobre os ombros dos trabalhadores e do povo. Grandes protestos tomaram as ruas nas principais cidades e o então presidente Fernando de la Rua renuncia. Naquelas manifestações surgiu um lema que me retorna sempre à memória: “”¡Que se vayan todos!”. Era assim mesmo… O povo estava cansado de governos e de todos os que representavam qualquer forma de poder.
04. Desde então, em vários momentos, venho encontrando esse mesmo sentimento em movimentos que eclodem pelo mundo. Em 2005, lendo uma pesquisa realizada em países da zona do euro, reparei que o parlamento estava entre as três instituições com mais descrédito por parte da população. Acompanhando atentamente as eleições em vários países da região reparei que o índice de abstenções crescia ano a ano. Ou seja, cada vez mais o povo deixava de acreditar nas instituições.
05. A partir de 2011, quando começam a explodir as crises europeias (Grécia, Espanha, Portugal e outros) surge também o movimento que passou a ser conhecido como “indignados”. Ou seja, o sentimento popular contra todo e qualquer governo (incluindo aí os três poderes) ia ganhando força. A velha palavra de ordem argentina – “¡Que se vayan todos!” – voltava a ser um referencial para a resistência popular.
06. Qual o vínculo disso tudo com o neoliberalismo? Ao proclamar a falência do Estado e defender seu total desmonte, ao reduzir todas as intervenções do Estado na vida social, ao pregar a inutilidade de todos os investimentos e gastos sociais, ao exigir que o Estado deixasse de intervir nas questões que afetam as populações, o pensamento neoliberal ia criando esse sentimento de que as instituições não servem, são inúteis e não merecem qualquer confiança. Vale lembrar, neste ponto, as palavras da “dama de ferro”, Margareth Thatcher, falando em nome do pensamento neoliberal: “eu não conheço sociedade, eu conheço indivíduos”. Ou seja, desde 1988 o mundo globalizado passou a ser pautado pela vontade dos “indivíduos”, não da sociedade.
07. Assim, pois, chegamos aos acontecimentos das últimas semanas no Brasil. Entendo que vivemos um momento especial na história brasileira e devemos estar atentos para não sermos manipulados por interesses diferentes dos nossos e contrários aos direitos que os trabalhadores conquistaram ao longo dos anos em nosso país.
08. Sei que o atual movimento teve início em uma questão real e legítima. Concordo com a nota oficial distribuída pela CUT (14/06/13), “a falta de políticas públicas de mobilidade urbana é o real motivo das manifestações”, mas lamento que a Central tenha se limitado a distribuir a nota e nada mais tenha feito para contribuir nas reivindicações. Quando o fez (20/06) foi tardiamente. A questão da mobilidade urbana (e dos preços das passagens) é antiga reivindicação dos trabalhadores e sempre esteve na pauta das grandes lutas gerais dos sindicatos e entidades representativas.
09. Mas a bandeira foi tomada pelo povo que passou a desacreditar em qualquer forma de organização e instituição. Ou seja, nas ruas brasileiras, hoje, está em vigor o “¡Que se vayan todos!” e isto me assusta, como cidadão, como marxista, com um militante político que sempre fui.
10. Ainda agora, no exato momento em que escrevo (18/06)[i], estou vendo em um canal esportivo (ESPN Brasil) imagem com cartazes dizendo “fora políticos” e coisas do gênero! Por que um canal de esportes está insistindo nesta imagem? Por que o apresentador do programa esportivo faz um discurso de abertura falando que “o povo se levanta contra os desmandos”? Vale lembrar que o canal ESPN pertence ao grupo Walt Disney Productions.
11. Voltando ao ponto que me preocupa, a questão principal é que uma bandeira legítima, que realmente afeta trabalhadores, estudantes e a grande maioria do nosso povo que depende dos péssimos e caros serviços de transporte coletivo, acabou servindo para destampar uma panela de pressão que a direita havia posto no fogo e não sabia como usar. Em poucos dias depois do início das manifestações a nossa mídia já estava tentando pautar os manifestantes e conseguia colocar bandeiras como “fim da corrupção” e até mesmo “impeachment”.
12. Um ponto curioso nisto tudo é a derrota sofrida por alguns partidos que se dizem de esquerda e que servem à direita. Nos primeiros dias das manifestações, quando o MPL (Movimento Passe Livre) ainda tinha o controle, havia uma profusão de bandeiras desses partidos. No Rio de Janeiro, em ato na Avenida Rio Branco, uma imensa faixa conduzida por jovens pedia “Fora Dilma” e era assinada pelo PSTU.
Parte 2 – A quem interessa?
13. Fazendo uma retrospectiva dos acontecimentos, vou tentar colocar em ordem os fatos que nos levaram aos dias atuais: a – num primeiro momento, o MPL e estudantes vão para as ruas com reivindicações justas, corretas e que são antigas bandeiras do PT abandonadas sabe-se lá por qual motivo; b – em um segundo momento, vendo a oportunidade de ganhar as ruas que não conseguiu com o movimento “cansei” e outros, a direita resolve se colocar ao lado dessas reivindicações para se “cacifar”; c – praticamente ao mesmo tempo, os partidos ditos de esquerda e que hostilizam o PT passam a apoiar o movimento tentando impor suas bandeiras e atacar o Governo Federal; d – o passo seguinte foi dado pela grande mídia que começou a impor, de fora para dentro, uma pauta diferenciada das reivindicações iniciais e que refletia apenas as tentativas anteriores; e – mas, sem que se esperasse, o movimento que iniciou justo foi invadido por anarquistas e fascistas que se aproveitam da crise institucional (citada no início do documento) para impor uma pauta radical, mas sem conteúdo e sem uma proposta de organização diferenciada da sociedade.
14. Neste momento surge no movimento uma ideologia diferenciada, provocativa, marcadamente de direita: o antipartidarismo! Não é mais uma questão de ser um movimento suprapartidário, como foi a campanha das Diretas Já, e nem uma questão de ser apartidário. Não! Agora o movimento é contra partidos e assume como símbolo a máscara do grupo “Anonymus”, conhecido nos EUA e na Europa por suas práticas fascistas e desestabilizadoras. Ao lado desse, vemos surgir em São Paulo adeptos do grupo Black Bloc, reconhecidamente de cunho anarquista e que diz “lutar contra o capitalismo” sem dizer onde pretende chega e por quais meios
“A base social do fascismo é a pequena-burguesia, as camadas médias, enquanto a do comunismo é a classe operária. Está na natureza da pequena-burguesia oscilar entre os pólos do capitalismo e do proletariado. O fascismo é o movimento da pequena-burguesia voltado para o grande capital, que utiliza esse movimento para suas finalidades contra as da classe operária. E por isso a pequena-burguesia é fatalmente enganada.” (August Thalheimer – Sobre o Fascismo – escrito em julho de 1923 – página 39 – Coleção Marxismo Militante – CVM)
15. Ou seja, por um momento o movimento ficou refém de grupos fascistas e anarquistas que encontraram um fértil espaço de crescimento. E, é claro, para isto contam com uma juventude de classe média que está propensa a essa propaganda (vide o que acontece na Europa). Uma juventude que foi criada por seus pais dentro da ideologia neoliberal, entendendo que “é cada um por si” e que rejeitam todas as formas de organização solidária. Uma juventude do “eu sozinho tudo posso”.
16. É claro que há outras pequenas situações que procuram resgatar as bandeiras dos trabalhadores, mas estão esbarrando em uma grande campanha orquestrada pela direita mais radical e pelos eternos golpistas que sentem saudades dos quartéis. Neste sentido, vale citar um cartaz que foi fotografado nas recentes manifestações no Rio de Janeiro: “Chega de impostos! São os empresários que carregam esse país nas costas”. De onde pode vir tal propaganda? Para quem não perde de vista os acontecimentos políticos, toda essa mobilização da direita surgiu exatamente quando a presidenta Dilma anunciou o programa de redução dos juros no país.
17. Aqui eu gostaria de fazer uma nova reflexão: como a mídia tratou (e continua tratando) de toda essa mobilização. Acompanhando as coberturas feitas pelos principais jornais televisivos – Globo News, Jornal da Record, Jornal do SBT ou mesmo Cidade Alerta – vamos ver a grande preocupação em dar uma face diferente às mobilizações. Desde o primeiro dia, os noticiários deturpavam as principais bandeiras dos manifestantes de escondiam as reivindicações por redução das passagens e melhorias nos transportes. Por exemplo, em um dos primeiros dias dos protestos, o âncora da Globo News encerrou o noticiário dizendo que “assim terminamos a nossa cobertura de hoje sobre essas manifestações contra a corrupção, o superfaturamento e tudo o que está errado no país”. Percebem a mudança? Como se manipula a informação? No Jornal Nacional, da Globo, William Bonner também dava destaque às “manifestações contra a corrupção e desmandos do governo federal”.
18. Outra coisa que me chama a atenção é a mudança no tratamento dado às manifestações na medida em que a mídia começa a pautar as “bandeiras” a serem levadas para o movimento. No início, quando o MPL ainda comandava as manifestações, os jornais descreviam os manifestantes como “vândalos, bárbaros, imbecis, etc…” e defendiam a polícia que, segundo eles, cumpria com seu dever. Mas, em um segundo momento, o discurso mudou e passou a haver uma “violência equivalente de lado a lado onde a polícia está despreparada para lidar com esses malditos vândalos”. Repararam a pequena diferença?
19. No jornal da Globo News, na primeira semana dos protestos, enquanto o âncora falava do que acontecia em São Paulo e víamos imagens da polícia jogando bombas de gás nos manifestantes, aparecia uma legenda na parte de baixo da tela dizendo que “Polícia fecha os dois sentidos da Avenida Paulista para impedir que os manifestantes fechassem a Avenida Paulista”. Dá para entender? Cheguei até a pensar que o Galvão Bueno tinha virado redator do jornal da Globo News!
20. Creio que todos nós, em um ou outro momento da vida de militantes, já nos lembramos da famosa frase de Joseph Goebbels, chefe do departamento de propaganda de Hitler, ao dizer que “uma mentira contada mil vezes vira verdade”. Repetimos isto várias vezes, sem pararmos para pensar na origem de tal afirmação ou em como essa ideologia tomou conta do nazismo. Poucos sabem que tal pensamento não é de Goebbels, mas de um sujeito chamado Edward Bernays, nascido nos EUA e considerado um dos maiores “gênios” da propaganda no século XX!
21. Bernays morreu em março de 1995, mas deixou uma vasta obra sobre publicidade e formação da opinião pública. Entre outras coisas, ele foi o primeiro a defender a prática de associar palavras e ideias a determinadas emoções, o que tornava possível controlar os sentimentos e moldar a opinião pública. Foi através dessa técnica que, durante todo o século XX, foi possível promover repulsa a determinadas idéias ou atração por outras. Por exemplo, a propaganda de que “comunista come criancinhas” trouxe repulsa às idéias comunistas; a propaganda da “terra da Liberdade” angariou simpatia aos EUA e ao sistema capitalista. Os sentimentos (comer criancinhas e liberdade) são associados a conceitos e produtos. E é esta técnica que está agora sendo usada pela direita, através dos seus órgãos de imprensa, para manipular a opinião pública e trocar, “da água para o vinho”, os sentidos e as propostas das primeiras manifestações.
22. Assim, os telejornais vão escolhendo as imagens a serem apresentadas e selecionam cartazes e depoimentos que falam do tema “corrupção” ou assemelhados. Se observarmos bem, vamos reparar que o personagem é sempre uma pessoa da classe média, branca, com cores da bandeira nacional (chegaram até a fazer uma manifestação só com crianças brincando com tinta verde e amarela). Os manifestantes que foram para as ruas com outros cartazes foram simplesmente escondidos nas edições dos jornais. Esses não apareceram.
23. Outro importante instrumento para a direita, neste momento, tem sido a Internet. Vale lembrar que o Brasil é, hoje, o oitavo país com maior número de internautas no mundo! Para se ter uma ideia, o vice-presidente do Facebook na América Latina, Alexandre Hohagen, afirmou em entrevista concedida em março deste ano, que o número de usuários no Brasil passou de 12 milhões, em 2011, para os atuais 67 milhões. Ou seja, um salto de 458%. Na outra grande rede social, o Twitter, o Brasil já é o segundo país em número de usuários, com 33,3 milhões de participantes.
24. E é aí que se forma, atualmente, a opinião do jovem de classe média. O jovem que tem condições (computadores, notebooks, iPads, celulares conectados, etc…) e que é facilmente manipulado pela grande mídia através das suas necessidades de consumo (estar na moda). É esse jovem, sempre conectado às chamadas redes sociais, que é facilmente “convencido” de que deve participar das manifestações. Esse jovem tem acesso às redes fascistas na Internet e é facilmente “conquistado” pelo discurso.
25. As redes sociais e a Internet estão servindo também para jogar muita confusão na população através de notícias e escândalos falsos que são rapidamente assimilados por quem está desatento e que vai repassar para seus “amigos” na rede. É assim que surgem falsas notícias como o “bolsa presidiário” (que não existe e é uma Lei de 1960), o “bolsa prostituta” (que é mentira), o “fim do 13º salário (outra mentira que circula por aí) e muitas outras que tenho visto e desmentido diariamente.
Parte 3 (Final) – Algo para refletir…
26. No parágrafo 13 eu citei os cinco momentos do movimento que forçou o Brasil a refletir. Mas, como eu dizia no início do texto, creio que há um momento posterior a tudo isto e que deve ser o nosso principal objeto de análise. Para isto, preciso fazer alguns comentários que vão contribuir para o encerramento do texto, esperando que possa provocar debates e ser enriquecido com as contribuições dos companheiros.
27. O Brasil, no final da década de 1970, vivia o impasse da “crise do milagre”. Os trabalhadores vinham para as ruas e mudavam o cenário com reivindicações que estavam no coração de cada cidadão calado durante os longos anos da ditadura. Em 1979, em São Paulo, surge um movimento que unia sindicatos e amplas camadas populares: o MCC – Movimento Contra a Carestia! Tornou-se tão forte na sociedade brasileira que a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) aprova a questão do “Custo de Vida” como o Tema da Campanha da Fraternidade.
28. Paralelo a este movimento, também com reivindicações populares e de questionamento ao sistema econômico/social vai crescendo a idéia de se criar um Partido que se tornasse a caixa de ressonância dos diversos movimentos sociais. Peço a especial atenção dos companheiros para este ponto: o PT surgiu com a proposta de ser a “caixa de ressonância” dos movimentos sociais, como consta nos seus primeiros documentos! Ou seja, na sua origem, se propunha a ser porta-voz dos vários movimentos e se inserir nas instâncias legais com este objetivo.
29. Nos seus primeiros anos de vida conseguiu cumprir corretamente com esse objetivo e foi conquistando cada vez mais espaço dentro dos movimentos sociais. Sindicatos, associações profissionais, associações de moradores e outras entidades da sociedade civil iam se identificando com as propostas e as bandeiras do PT. Confiavam na sua democracia interna e na possibilidade de participação cada vez maior nas decisões.
30. Mas a questão do poder acabou por inverter essa prioridade. A partir da década de 1990 houve uma inversão de intenções e o partido abandonou a idéia de ser “caixa de ressonância do movimento” e passou a agir como se o movimento tivesse obrigação de ser “caixa de ressonância” das decisões do Partido.
31. No início do novo século as políticas neoliberais haviam levado a população a uma crise tão grave, a uma desconfiança tão grande com o sistema até então conhecido, a um descontentamento tão amadurecido ao longo de anos de privação que levou o povo, finalmente, a acreditar e confiar nas propostas do novo, do partido que ainda não tinha dirigido o país e que falava de mudanças sérias, profundas e populares. O Brasil apostou suas fichas na mudança e elegeu Lula presidente. A legenda daquela distante campanha (“Agora é Lula”) diz tudo. Havia um sentimento de mudança e os trabalhadores acreditavam nisto.
32. E o PT começou a fazer o que havia prometido. Não há como negar que durante os últimos dez anos houve um grande avanço social no país. Não há como negar que, nos últimos 10 anos, o país voltou a crescer econômica e socialmente. Os programas sociais tiraram mais de 40 milhões de cidadãos brasileiros da pobreza e do abandono. Deu novamente a essas pessoas dignidade e elas voltaram a ser respeitadas. Vivemos uma situação única no mundo: enquanto a Europa afunda em um desemprego que supera 20%, o Brasil vive quase uma situação de pleno emprego. A renda dos trabalhadores subiu por anos seguidos, recuperando todas as perdas dos períodos anteriores. Nossa economia foi equilibrada e deixamos de ser totalmente dependentes das exportações para os EUA quando abrimos novos parceiros comerciais e nos voltamos para a integração sul-sul. Não somos mais devedores do FMI e passamos a ser credores. Tudo isto deve ser levando em conta neste momento.
33. Mas o governo do PT deixou de lado a questão da relação com o povo e com os trabalhadores. Como eu disse no item 30, a prioridade no partido passou a ser “manter a governabilidade”, mesmo que abandonando sua base social e as questões ainda por serem resolvidas entre as principais reivindicações populares. Um fenômeno não esperado e que ainda depende de uma análise mais séria é o efeito das mudanças sociais no país. Milhões de pessoas saíram da pobreza e, segundo as estatísticas de todas as instituições conhecidas, a classe média brasileira cresceu com a chegada dessa parcela da população. As nossas cidades voltaram a crescer e a população urbana deu um salto significativo. Era de se esperar que problemas como transporte, moradia, saúde e educação se tornassem prementes. Mas isto foi relativizado pelo governo e não tido como prioritário.
34. Mas foram exatamente esses descontentamentos, reivindicações trazidas como consequência da mudança do perfil da população, que permitiram o surgimento das manifestações que sacudiram as principais cidades brasileiras.
35. A outra face dessa moeda foi a manutenção de um sistema político já viciado e desacreditado. Na medida em que as mudanças sociais aconteciam, o Brasil mantinha instituições já desacreditadas e um sistema político/partidário desacreditado. Seguindo o que acontece na Europa e em outras partes do mundo, nosso Parlamento perdeu totalmente a credibilidade. Até mesmo a imprensa deixou de ser confiável para grande parte da população. Isto fica claro na pesquisa realizada em 2012 sobre o grau de confiança nas instituições. Enquanto as forças armadas e a igreja católica aparecem como as mais confiáveis (75% e 56%, respectivamente), a imprensa e o governo federal aparecem bem atrás (46% e 41%, respectivamente). No final da pesquisa aparecem o Congresso e os partidos políticos (19% e 7%, respectivamente). Se isto não serviu para um alerta, antes, agora as ruas mostraram que é uma realidade.
36. Precisamos entender que há, hoje, outro forte instrumento de organização que ultrapassa o espaço dos partidos e entidades representativas da sociedade civil. Um instrumento com forte poder de mobilização e de criar opiniões: as redes sociais através da internet. Como citei no parágrafo 25, as redes sociais serviram como catapulta de insatisfações verdadeiras e justas, mas também de atividades anárquicas. Um exemplo claro disto foi dado nesta final do mês de junho. De uma hora para outra, sem se saber a origem, correu pela internet e pelas principais redes sociais (Facebook e Twitter) a notícia de uma “greve geral” que estaria sendo marcada para o dia 01 de julho. Por mais estranho que pareça, mesmo sendo um texto apócrifo, a “coisa” circulou com uma rapidez impressionante!
37. Certamente que não houve a tal greve, mas é preocupante a quantidade de pessoas que reproduziram aquilo e que acreditaram. Pessoalmente, como muitos sabem das minhas atividades sindicais e políticas, fui muito procurado durante o final de semana por pessoas que desejavam saber sobre o movimento e se haveria mesmo a paralisação. E foi neste momento que percebi o grau de descrédito das nossas instituições mais caras. Quando eu respondia que “uma greve precisa ser convocada por uma entidade, seja um sindicato, uma associação profissional, uma central sindical, etc.” e que não existe greve convocada anonimamente, ficavam me olhando com alguma dúvida.
38. Por fim, é preciso ressaltar que, como já falei acima, muitas das reivindicações que foram para as ruas são justas e legítimas. São realmente aspirações dos trabalhadores e do povo. Voltar as costas para isto e ficar apenas culpando a direita, a mídia ou seja lá quem for não vai nos ajudar a superar esse momento. Precisamos nos voltar para essas necessidades de um novo Brasil que já não se contenta com pouco. Esta é uma das nossas contradições: os governos do PT tiraram milhões da miséria, deram dignidade ao povo e aos trabalhadores, solucionaram questões sociais centenárias e agora precisamos ver que o grau de cobrança vai também crescer. Urbanização, mobilidade urbana, mais qualidade na saúde e na educação são questões que estarão permanentemente na pauta.
39. Paralelamente, vamos conviver com esse “poder” da mídia e das redes sociais. Não dá para esquecer aquela inacreditável “pesquisa” feita por um programa sensacionalista da TV Record. O apresentador perguntou se os espectadores concordavam com as manifestações onde ocorriam “badernas” e o “sim” venceu com grande margem. Com seus aparelhos celulares modernos, os que vão para as manifestações apenas pelo modismo ou por que foram “seduzidos” por discursos anônimos colocam na rede as imagens quase “em tempo real” e isto vai atraindo mais gente
40. Essas são algumas “reflexões” iniciais. Creio que precisamos aguardar o grande ato que está sendo convocado pela CUT e demais centrais sindicais, no próximo dia 11, para que o nosso termômetro possa registrar a verdadeira “temperatura” do movimento. É nossa tarefa trabalhar para que o ato seja vitorioso, pois assim podemos resgatar as bandeiras das mãos dos que são contra a organização popular.