Muitas manobras, muitas negociatas, muitos bilhões em jogo na proposta eleitoreira do governo de adiar dívidas com estados e munícipios e garantir dinheiro para continuar manobrando as decisões na Câmara e no Senado.
Sim, é mais do que urgente aprovar um benefício social que dê conta de aplacar a fome dos mais de 27 milhões de brasileiras e brasileiros que se encontram em situação de miserabilidade hoje no Brasil (FGV, 2021).
E, se levarmos em conta não só a pobreza extrema, o número de pessoas que hoje precisam de uma renda mínima para se manterem vivas chega a mais de 61 milhões, ou mais de um quarto do total da população do país, segundo critérios do Banco Mundial. Estamos falando de mulheres, crianças, homens e idosos que vivem na exclusão social, situação agravada com o fim do Auxílio Emergencial aprovado pelo Congresso Nacional em 2020 para conter os trágicos efeitos da pandemia para essa parte mais vulnerável da população.
Na tentativa de se manter no páreo eleitoral de 2022, Bolsonaro e seu chanceler na Câmara, deputado Arthur Lira (PP/AL), tentam casuisticamente e de qualquer maneira “tratorar” o parlamento para aprovar uma emenda constitucional que permita “ganhar espaço” para pagar uma renda mínima para a população. Mas usando uma necessidade urgente, o governo escondeu vários ‘jabutis’ (artigos que não têm a ver com o mérito da matéria), sendo mais importante para Lira e Bolsonaro a aprovação de recursos para as chamadas emendas de relator, ou “orçamento secreto”.
O governo quer um auxílio de R$ 400 reais, a ser pago para apenas 17 milhões de pessoas atualmente registradas no Cadastro Único do Ministério da Cidadania. Mas não se trata de uma política pública de renda mínima, como era o antigo Bolsa Família, que previa o pagamento do benefício de acordo com o perfil de cada família atendida e estava inserido no âmbito das políticas de Educação e Saúde. Para receber o extinto benefício, as famílias precisavam manter suas filhas e filhos matriculados e com frequência na rede escolar, assim como deveriam ter as carteiras de vacinação em dia.
E o que isso tem a ver com a reforma administrativa?
Tudo. É através do orçamento secreto que a “compra” de votos acontece, especialmente, na Câmara aparelhada pelo centrão, na figura de Lira. E, na bolsa de valores das PECs, cada voto favorável pode custar aos cofres públicos R$ 20 milhões, assim como aconteceu com a reforma da Previdência. O caso foi relatado pelo deputado federal Delegado Waldir (PSL-GO), ex-aliado do presidente Jair Bolsonaro, ao site Intercept Brasil, no último final de semana.
O ex-bolsonarista afirmou que o governo comprou votos de parlamentares para aprovar a reforma da Previdência, em 2019, ao custo de R$ 20 milhões por parlamentar. A eleição de Lira também teve seu preço: R$ 10 milhões por voto. Segundo o deputado, líderes partidários recebiam o dobro dos demais parlamentares.
Como substituto de Rodrigo Maia, desde janeiro deste ano, Lira passou a usar as emendas como moeda de troca para aprovar todas as demandas de Bolsonaro e sua equipe.
Com liberação dos precatórios, governo pode comprar votos para PEC 32 no ano que vem
Assim como Lira tratorou reforma da previdência, pode fazer o mesmo com a reforma administrativa, mantendo a aposta e oferecendo R$ 20 milhões por voto a favor da PEC que acaba com serviços essenciais para a população de baixa renda, e mesmo as de classe média baixa, como saúde, educação, justiça e segurança públicas. Basta para isso que tenha a “folga” orçamentária prevista na PEC dos Precatórios.
PEC eleitoreira
O governo, que tinha a intenção claramente casuística de pagar o Auxílio Brasil até dezembro de 2022, já cedeu à pressão das categorias em luta e do Senado e anunciou, através do relator da PEC na Casa, senador Fernando Bezerra, a perenidade do programa.
A proposta do relator esbarraria na necessidade de o Executivo federal cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal, que exige a aprovação de uma fonte permanente para pagar o custo do programa social, com previsão de correções e reajustes inflacionários, tal qual acontece com as aposentadorias e pensões. Até agora, essa fonte é incerta.
Segundo reportagem da Folha de S. Paulo (23/11) Bolsonaro e Guedes estariam contando com a possibilidade de aprovar “por exemplo” a reforma do Imposto de Renda e a taxação sobre lucros e dividendos, para compensar o aumento do auxílio para R$ 400. Ainda segundo o veículo, na avaliação de economistas e técnicos do Congresso, a brecha aventada pelo governo seria apenas mais uma forma de burlar a LRF.
A matemática do governo para a PEC 23
No início da semana, o governo Bolsonaro revisou a projeção de abertura no teto orçamentário para R$ 106,1 bilhões, em 2022. Desse montante, R$ 48,6 bilhões seriam para despesas obrigatórias, como aposentadorias e pensões. Mais 56,4 bilhões ficariam em uma espécie de rubrica “aberta”. Desse montante, sairiam R$ 51,1 bilhões para cobrir o Auxílio Brasil até dezembro do ano que vem.
Nesse cenário, sobrariam apenas R$ 1,1 bilhão para pagar as emendas de relator, a cereja do bolo dos congressistas do ‘centrão’, que, até agora, não foi descartada. Desse montante, menor do que 1% do total da proposta da PEC, o governo ainda quer pagar vale gás, auxílio diesel e outros benefícios com vistas a agradar seu eleitorado.
O dinheiro para prorrogação da desoneração da folha de pagamentos (medida que reduz impostos pagos pelas empresas sobre os salários de funcionários) aos 17 setores que mais empregam no país, até o final de 2023, também estão sendo negociados nessa conta.
Promessa feita por Paulo Guedes ao empresariado como forma de obter apoio da elite econômica e financeira junto a seus representantes no parlamento, não só para a PEC dos precatórios como para a aprovação da reforma administrativa, de onde, segundo o ministro, também poderiam sair recursos para cobrir o calote nas dívidas da União com estados e municípios no ano que vem.
Bolsonaro faz bravata com suposto reajuste a servidores
Na semana passada, o presidente Bolsonaro ainda ousou dizer que daria aumento a categorias do funcionalismo público com recursos da PEC do Calote. A bravata foi desmentida na mesma semana pelo ministro da Cidadania, João Roma, e, na última segunda-feira (22), por Lira em entrevista à Globo News. O presidente da Câmara foi taxativo ao dizer que não há previsão de reajuste para nenhuma categoria no montante que poderá ser liberado a partir da PEC.
O único benefício que pode vir a ser inserido na PEC para servidores, seria a regulamentação dos precatórios do antigo Fundo da Educação Básica (Fundef), hoje Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fudeb). O Senado quer que sejam destinados para pagamento de abonos salariais a profissionais municipais da Educação. Vale destacar que não se trata de aumento ou reajuste salarial, mas de bonificações que não são incorporadas a aposentadorias ou outros direitos.
Para ser aprovada no Senado, a PEC precisa de 49 votos favoráveis, dos 81 senadores, em dois turnos de votação. A previsão é de que a proposta seja posta em votação na semana que vem.
Manuella Soares, jornalista.