Sisejufe encaminha requerimento pedindo que profissionais tenham autonomia para interromper diligências em áreas de risco
Tais Faccioli*
Letícia Hatab, oficial de justiça, recebe em média 18 mandados para cumprir por semana em Duque de Caixas, na Baixada Fluminense. Toda vez que entra no carro para fazer as diligências, o sentimento de medo e a tensão são inevitáveis. Ela sabe que é grande a possibilidade de se deparar com algum endereço em área de risco. “Querem que a gente entre nesses locais como se fossemos policiais. Mas a gente não tem treinamento para isso. Eu trabalho o tempo todo sozinha. São poucos os colegas que vão acompanhados de motorista. Se acontece alguma coisa durante uma diligência, quem vai saber?”, explica e pergunta a oficial, para quem situação piorou bastante nos últimos três anos, já que a instalação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) provocou a migração da criminalidade da capital para outras regiões do estado.
Letícia Hatab lembra que já foi surpreendida por criminosos e depois liberada. A situação mais dramática, no entanto, aconteceu quando cobriu férias de um colega. Ela verificou que o local que tinha de cumprir diligência era perigoso e comunicou ao juiz, que a orientou a procurar o batalhão da Polícia Militar da região. “Eu achei que o comandante ia dizer que não dava para cumprir o mandado. Mas ele resolveu montar operação policial. Entrei na comunidade dentro de um “caveirão” acompanhada de quatro policiais. Eu não estava usando colete à prova de balas. Um dos policiais me disse que não poderia garantir a minha integridade. Eu me senti completamente vulnerável naquela situação. Por sorte não aconteceu nada de errado. Mas se houvesse troca de tiros, quem garantir a minha segurança? Hoje você está com a polícia e amanhã se tiver que voltar na mesma área sozinha? Você já fica marcada pelos criminosos”, argumenta a servidora.
Letícia conta que alguns colegas que trabalham em municípios como São João de Meriti, Belford Roxo e Nova Iguaçu são abordados toda semana. Jane Debatin, que atua em São João de Meriti há 16 anos, diz que antes um ou outro local era mais arriscado. “A gente conseguia fazer nosso trabalho porque, mesmo havendo tráfico, não havia armamento pesado. Agora não sabemos mais onde está o perigo. Você vê meninos com fuzis em plena luz do dia. Os moradores estão apavorados. E nós estamos muito mais expostos. O meu carro já foi roubado durante uma diligência”, lamenta a oficial de justiça.
O agravamento da violência relatado pelos oficiais de justiça também acontece em Niterói. Em agosto, um oficial foi sequestrado e barbaramente torturado por traficantes do Morro Souza Soares, em Santa Rosa, durante uma diligência. Os bandidos somente libertaram o servidor após confirmarem que ele não era policial e o próprio morador que receberia a intimação intervir pedindo que o trabalhador não fosse morto. Mesmo assim, os criminosos avisaram que se ele retornasse ao local seria assassinado.
Sisejufe entra com requerimento
Considerando os relatos de ameaças e situações de perigo vivenciadas por diversos profissionais, muitos já apresentam problemas psicológicos ou psiquiátricos, como síndrome do pânico, a assessoria jurídica do Sisejufe encaminhou requerimento administrativo à direção do Foro responsável pelos oficiais de justiça do estado do Rio de Janeiro. No documento, a direção do sindicato pede a extensão para toda a Justiça Federal da Portaria Conjunta 02/2002.
O documento, editada pelos juízes das Varas Criminais Federais da cidade do Rio, em 6 de novembro de 2002, em reconhecimento à situação de insegurança permanente a que estão sujeitos os oficiais de justiça lotados na capital, concede autonomia ao servidor para interromper a diligência quando considerar que a área é de risco.
O sindicato pontua no requerimento que não há normativo semelhante para os oficiais que desempenham suas atribuições no interior do Estado, embora a existência de áreas de risco não se limite à cidade do Rio, sendo facilmente constatável que a instalação das UPP acabou por deslocar o eixo da violência da capital para outras áreas do estado, notadamente para o interior e para a Baixada Fluminense. E as agressões aos oficiais de justiça nesses locais têm sido recorrentes.
Estudo do Sisejufe revela insegurança no trabalho
A assessoria jurídica do Sisejufe anexou ao requerimento enviado à direção do Foro, relatório de Pesquisa sobre Saúde dos Servidores, feito pelo sindicato, em 2014, que aponta a seguinte realidade: 52% dos oficiais de justiça, quando questionados sobre as atividades que lhe são mais penosas, apontaram as diligências em locais pouco urbanizados e/ou com histórico de violência, e 53% responderam “Sim” sobre se já sofreram algum tipo de acidente ou agressão no exercício da função. À pergunta “Você sentiu-se ameaçado no exercício da função?”, 82% responderam que afirmativamente, enquanto 38% informaram já terem tido bens particulares (roupas, automóvel, motocicleta, telefone) danificados e 22% dizem já terem tido algum desses bens furtado/roubado no exercício da função. Já 83% afirmaram não se sentirem seguros (segurança física e material) durante o exercício da função.
O requerimento foi encaminhado à direção do Foro a pedido do Núcleo de Oficiais de Justiça e Avaliadores Federais do Sisejufe (Nojaf). “A gente não quer deixar de fazer as diligências. A gente somente não quer fazer em local de risco. Tanto que, atualmente, para não prejudicar, por exemplo, uma pessoa que tenha feito pedido de benefício social e more em área dominada pela violência, eu tento conseguir o telefone da parte interessada para marcar o encontro em uma área segura. Peço que a pessoa leve fotos da moradia, laudos da doença que ela tem e faço a entrevista. Muitos colegas estão fazendo o mesmo. Então, se a gente tiver amparo legal para não entrar em área de risco, vai trabalhar melhor. Hoje a decisão fica na mão dos juízes das varas”, explica a integrante do Nojaf e diretora do Departamento Jurídico, Mariana Liria.
Letícia Hatab torce para que o requerimento seja aprovado. Mas acredita que outras medidas precisam ser pensadas para aumentar a segurança dos oficiais. “A iniciativa do sindicato não elimina o risco que a gente corre, mas deixa respaldo para a gente se preservar. É o começo”, afirma a oficial.
Para Aline Gervásio, também oficial de justiça, é essencial que o requerimento encaminhado pelo Sisejufe seja apreciado em curtíssimo prazo. Ela está concluindo um trabalho no curso de MBA Executivo em Direito Público da Fundação Getúluio Vargas (FGV/RJ), no qual faz uma radiografia dessa nova realidade de violência em São Gonçalo, sua área de atuação. E aponta que os desafios precisam ser enfrentados não apenas pelo Poder Judiciário, mas também pelas autoridades de Segurança Pública. “É preciso uma ação maior de Segurança Pública, para mapear essas áreas que passaram a receber criminosos que migraram da capital. E, também, seria importante que a política de pacificação chegasse a cidades como São Gonçalo, para que a gente tenha mais tranquilidade para trabalhar”, afirma Aline.
O coordenador do Núcleo dos Oficiais de Justiça (Nojaf) do Sisejufe, Marcio Cotta, também sugere ações proativas como a criação de uma Central de Apoio de Segurança. “Em situações de risco, teria alguém com expertise que pudesse, por telefone, tomar providências em relação ao controle da situação”, explica o dirigente sindical, informando que Nojaf planeja ainda criar uma campanha de valorização do trabalho dos oficiais de justiça.
Dentre as ações proativas, estão as propostas de criação de Central de Apoio de Segurança; o mapeamento das novas áreas de risco no estado. Nessa questão, a Polícia Civil tem a chamada “mancha criminal”, que mostra dados atualizados das regiões mais violentas e o Ministério da Educação tem mapeamento semelhante para orientar professores que trabalham em escolas dentro de comunidades atingidas pela criminalidade. Os oficiais sugerem que se tenha acesso a esses mapeamentos; Colete à prova de balas – o Nojaf propõe a abertura de processo licitatório para aquisição de coletes (para a aquisição é necessária a autorização do Exército Brasileiro) e toda vez que um oficial de justiça tivesse uma ação em que fosse obrigado a cumprir um mandado de natureza de risco, como reintegração de posse, pudesse requisitar o colete.
*Da Redação
Leia a matéria “Oficial de Justiça é assassinado no Rio de Janeiro“