Por Antônio Augusto de Queiroz (*)
Nos governos Temer e Bolsonaro, ambos de perfil neoliberal, a expressão “regra de ouro” ganhou muito destaque na mídia e nos debates, mas pouca gente sabe do que se trata. Depois de ouvir várias perguntas sobre o tema, achei que seria oportuno explicar o significado de “regra de ouro”, em especial para as bases e lideranças dos movimentos sindical e social. Vamos ao desafio.
Regra de ouro é um mecanismo de controle do gasto público, que tem como fundamento teórico o equilíbrio fiscal intergeracional, utilizado para impedir ou dificultar que haja aumento da dívida pública, por meio de operações de crédito (empréstimos ou emissão de títulos) em volume superior às despesas de capital (investimento).
Assim, o objetivo da regra de ouro é evitar que possa haver endividamento para financiar despesa corrente destinada ao consumo ou pagamento de benefício. Desse modo, somente despesas de capital, como amortização da dívida, investimentos e constituição ou aumento de capital de empresas estatais, não estão sujeitos a essa regra.
Conceitualmente, como todos sabem, despesas correntes são aquelas destinadas ao funcionamento regular da máquina pública (aquisição de bens de consumo, manutenção de equipamentos, despesas com água, energia, telefone, etc), ao pagamento de pessoal, da Previdência, da Assistência e dos programas sociais, e também de juros da dívida, que são classificados pela Lei 4.320, de 1964, como “Transferências Correntes”.
Por esse entendimento, a despesa corrente só deveria ser financiada com as receitas correntes, que incluem os tributos e outras receitas governamentais. Nunca por empréstimo ou emissão de título, porque isso acarretaria transferência de dívida para as gerações futuras.
O raciocínio presente na regra de ouro é de que o endividamento em montante igual ou inferior ao montante orçamentário destinado ao investimento faria sentido, na medida em que os investimentos públicos possibilitam a acumulação de ativos que serão utilizados pelas gerações persentes e futuras, sendo justa ou equitativa a distribuição do custo do seu financiamento no tempo.
A lógica da regra de ouro, portanto, é dificultar ou mesmo impedir que os custos de benefícios em gozo por uma geração sejam financiados com empréstimos, porque a dívida decorrente desses empréstimos seria transferida para as próximas gerações, que não usufruíram desses benefícios. Isso ficou evidente nas Propostas de Emenda à Constituição (PEC) 186 (Emergencial) e 188 (Pacto Federativo), ambas de 2019, com a criação do gatilho que suspende
despesa com pessoal e direitos sempre que a regra de ouro for descumprida.
A regra de ouro está prevista no inciso III, do Art. 167 da Constituição, e no § 2º do Art. 12 da Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar 101/2000, respectivamente, nos seguintes termos:
“Art. 167 – São vedados (…)
III – a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta”.
“Art. 12 – (… )
§ 2º – o montante previsto para as receitas de operações de crédito não poderá ser superior ao das despesas de capital constantes do projeto de lei orçamentária”.
Nota-se que a regra de ouro poderá ser afastada, desde que a maioria absoluta do Congresso aprove pedido de crédito suplementar ou especial, encaminhado pelo Poder Executivo.
Assim, desde que aprovada a operação de crédito pelo Congresso, a regra de ouro poderá ser flexibilizada e o ato de aumento de endividamento, mesmo para despesas correntes, não seria considerada “pedalada fiscal”.
A novidade que surge com o debate atual, especialmente no âmbito das PECs 186 e 188, é que sempre que a regra de ouro for descumprida, ou seja, for flexibilizada por crédito suplementar ou especial, alguém irá pagar essa conta. E os escolhidos são os servidores e beneficiários de direitos sociais, já que o endividamento para amortização ou “rolagem” da dívida não está sujeito a nenhuma sanção.
Portanto, não há nenhum impedimento para emissão de títulos ou contratação de empréstimo destinado ao pagamento da dívida pública, apenas para despesa social ou com pessoal. É simples assim.
(*) Jornalista, consultor e analista político, diretor de Documentação licenciado do Diap, sóciodiretor das empresas “Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais” e “Diálogo Institucional Assessoria e Análise de Política Pública” e mestrando em “Política Pública e Governo”, na FGV-DF.