Por Douglas de Almeida Cunha*
Matéria do jornal Correio Braziliense publicada no dia 6 de abril afirma que o jovem da capital federal vem se tornando um dos principais compradores de imóveis. Um em cada quatro compradores de imóveis em Brasília tem menos de 30 anos. Segundo o texto, a principal alavanca para alcançar o sonho da casa própria é “a força do funcionalismo na economia”.
De fato, a cultura do concurso público, como forma de garantia de emprego e bom salário, cresce em todo o país, principalmente no Distrito Federal, onde estão os órgãos centrais do poder público e onde se concentra a maior renda per capita brasileira.
A realidade, entretanto, não foi sempre essa. Na verdade, a retomada do investimento no Estado, após os malfadados governos collorido e tucano, se refletiu em um cenário positivo para o funcionalismo, que voltou a arrastar multidões para a disputa pelo título de servidor público.
O desastre neoliberal
No final da década de 1980 e durante os anos 1990 e 2000, a política do Estado mínimo e o modelo privatista de governos neoliberais de Collor e FHC acarretaram o crescimento desastroso do desemprego, o arrocho salarial, a desvalorização dos servidores e a redução do tamanho e da qualidade do serviço público. Em nome do combate à praga da inflação, vendeu-se a falsa ideia de que as privatizações de estatais, o desmonte da máquina pública, e o modelo econômico neoliberal beneficiando o capital, especialmente o setor financeiro e especulador, eram a saída. Houve apenas aumento do desemprego, concentração de renda e desigualdade social em níveis insuportáveis.
No longo período de quase três décadas, com política salarial de reajuste zero e de abono salarial que não repunha nem de longe as perdas inflacionárias, o funcionalismo público passou a ser um setor desprestigiado, com ausência de novos concursos. Uma situação de decadência que reprimiu qualquer interesse que pudesse existir nos jovens recém-formados. Na época, com a política de estímulo ao livre mercado, o desemprego em massa alcançava taxas superiores a 20%, tais quais às dos países europeus em crise econômica atualmente. Só restava a alternativa de tentar encontrar uma vaga no setor privado. Este deveria ser o “setor das oportunidades”, mas foi o que todo mundo viu e sentiu: o palco das terceirizações descontroladas, da reengenharia, das famigeradas reestruturações, da precarização do emprego, do achatamento de salários por via de demissões e rotatividade. Foi o tempo do medo e da incerteza em relação ao futuro.
A retomada do desenvolvimento
A partir de 2003, com a eleição de governos de caráter popular, houve a revalorização do papel Estado e uma reação aos estragos que o neoliberalismo provocou. Paralela e consequentemente, os serviços públicos voltaram a crescer com mais empregos na esteira dos investimentos em infraestrutura no país e em programas sociais de combate à miséria (bolsa família), de distribuição de renda (política de valorização do salário mínimo), de recuperação paulatina dos serviços de saúde e de ampliação do acesso à educação em todos os níveis de ensino (Fundeb e Fies).
Fruto do descontentamento e da reorganização dos movimentos sindical e social, o novo momento trouxe interlocutores do governo abertos ao diálogo, ao mesmo tempo em que houve o revigoramento das mobilizações e de lutas de todos os setores, especialmente dos servidores públicos. Combinando negociação, mobilização forte e greves, o funcionalismo mostrou força nesta década para passar a recompor o poder de compra dos salários com aumentos reais. De acordo com o Ministério do Planejamento, nos últimos 8 anos, a recuperação do funcionalismo público atingiu, em alguns segmentos, um percentual de até 300% acima da inflação do período, que chegou a pouco mais de 60%. Com isso, a média salarial dos servidores públicos voltou a ser atrativa e superior à registrada na iniciativa privada. Os avanços conquistados pelo funcionalismo minimizaram os danos gerados ao serviço público na era FHC, mas, apesar de todo o empenho, grandes parcelas do setor público ainda padecem de reparos salariais, de infraestrutura, de pessoal.
Os setores conservadores e a direita brasileira insistem em não reconhecer os avanços sociais assegurados com a valorização do Estado e do serviço público. Alegam um suposto “descontrole fiscal”, pedindo a volta do combate à inflação por meio da redução dos serviços públicos, fim de políticas públicas sociais e, mesmo que não falem abertamente, a promoção do desemprego.
Mais oportunidades aos jovens
Cabe lembrar ainda que, para além do serviço público, a década de governos democráticos populares em âmbito federal ainda proporcionou oportunidades reais para o jovem brasileiro em geral. Em 2003, quando Lula assumiu a Presidência, a taxa de desemprego nas principais regiões metropolitanas do país era de 23% na faixa até 24 anos. Em 2012, o índice de jovens desempregados, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, caiu para quase metade (12,8%).
Estatisticamente, a redução do desemprego entre os jovens andou junto com o crescimento deste grupo como influenciadores diretos para os resultados positivos da economia brasileira. Segundo pesquisa do Sebrae, entre 2011 e 2013, o número de jovens brasileiros com até 24 anos que faturam até R$ 60 mil por ano passou de 205 mil para 350 mil, aumento de 71%. São eles os microempreendedores, molas propulsoras da economia brasileira.
Mais crédito barato e mais consumo
Outro fator a ser considerado para a obtenção de imóveis é a política de incentivo ao crédito imobiliário, que só foi possível diante da estabilização da economia, assim como da redução das taxas de juros. De acordo com pesquisas no mercado imobiliário, desde 2005, o setor apresenta forte crescimento.
Em 2008, com a crise financeira internacional, o Brasil, ao contrário das potências econômicas neoliberais, apostou no aumento e no barateamento da oferta de crédito e no aumento do consumo para evitar os efeitos no emprego e na renda da população. Houve, concomitantemente, maiores investimentos em políticas sociais, como os programas de financiamento da casa própria para a população de baixa renda. Só o Minha Casa, Minha Vida deverá atingir a meta de 3 milhões de casas e apartamentos desde 2009, quando o programa foi implementado.
Diante desses e outros fatores, a ascensão de parcela da juventude deve ser analisada por um prisma mais amplo e representativo, não podendo ser vista de forma restrita a um ponto específico, sem levar em conta a conjuntura e as lutas sindicais e sociais. Verdade é que o funcionalismo facilita a estabilidade financeira, assim como é verdade que os jovens atentam para esta condição e se motivam a compor o quadro de servidores públicos brasileiros. Entretanto, como mostra nossa história recente e a situação dos jovens europeus, de nada valeria a obtenção de um cargo público diante de um Estado economicamente fragilizado, instável e (des) governado sob uma ótica totalmente neoliberal.
*Artigo escrito com Rodrigo Rodrigues, secretário de Formação da CUT Brasília